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29/06/2010 19h41
TECHNICOLOR
TECHNICOLOR
Lílian Maial
Tinha mania de cinema. Desde menina se encantara com as películas. Logo no início, história de princesas, imaginava-se a Cinderela e todas as fadas. Com o passar dos anos, a Fera, o Vagabundo, Jekyll & Hyde.
Trilha musical impecável, como cada frase ensaiada. A vida passava em quadrinhos, ajustado fundo musical, repleta de personagens (uns comediantes, quase sempre dramáticos, às vezes de terror), cidades de sonho e realidades pintadas a bico-de-pena.
“A vida imita a arte”. Era sua máxima preferida. De dia, era Alice e se imaginava num mundo inteiro de maravilhas. Com o cair da tarde, a Belle de Jour sem clientela. À noite, Uma Estranha no Ninho. Não se encaixava no mundo real.
Estudou cinema, cenografia, produção, roteiro, iluminação, edição. Só não conseguia dirigir. Trauma de infância, diziam.
Perfeita atriz. Tão boa, que acreditava na felicidade cenográfica de seu dia-a-dia. No fundo, sua própria antagonista.
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Publicado por Lílian Maial em 29/06/2010 às 19h41
16/06/2010 21h57
O SAL DA TERRA
®Lílian Maial
O choro de Jong Tae-Se, o jogador camisa 9 da seleção norte-coreana, comoveu Johanesburgo e o mundo. O moço, de 26 anos, japonês de nascimento, de pais sul-coreanos, naturalizado norte-coreano por convicção, parecia drenar um sentimento que não cabia em si e cascateou pela face do rapaz.
Com um regime político extremamente fechado, seu país, que já admitiu possuir bomba nuclear, num momento de crise com a Coreia do Sul, após o afundamento de um navio sul-coreano, em março deste ano, matando 46 marinheiros, e com seu ditador adoentado e idoso - Kim Jong-il - não permitiu que os cidadãos saíssem do país, que tem cerca de 24 milhões de habitantes. Por conta disso, sua torcida foi forjada.
Na verdade, chineses contratados, recrutados pela empresa China Sports Management Group a pedido do Comitê de Esportes da Coreia do Norte, que forneceu cerca de mil ingressos para que ocupassem uma pequena parte das arquibancadas do estádio em Joanesburgo, formaram um animado grupo, com bandeiras e cachecóis nas cores vermelha e azul, apoiando a Coreia do Norte, ou seja, um bando de atores chineses contratados pelo regime norte-coreano.
O uso dos esportes pelos políticos, notadamente os autoritários, é bastante conhecido e usado para conquistar espaço junto à população, ou melhorar sua imagem no exterior, ou ainda exibir a “eficiência” de seu regime (lembram da antiga União Soviética nas Olimpíadas?).
E o choro de Jong Tae-Se, no momento do hino de seu país, traduzia a emoção de estar ali, na Copa do Mundo, com a oportunidade de jogar contra os pentacampeões, mas também era um choro de represa rachando o coração, lágrimas pelo povo oprimido, que sequer pôde acompanhar seu time em tempo real.
Foi noticiado que a TV estatal adquiriu os direitos de transmissão na última hora, mas que nem cogita passar as partidas ao vivo, para evitar que se vejam quaisquer imagens de protestos contra o líder Kim Jun-Il nos estádios da África do Sul, ou eventual vexame da equipe em terras africanas.
Assim, apesar da derrota, o jogador que marcou o único gol da Coreia do Norte festejou pela importância e pelo simbolismo daquela marca sobre os pentacampeões mundiais.
Voltando ao Jong Tae-Se, não houve quem não se emocionasse ao ver aquele rapagão chorar com cara de criança. Quem sabe por qual motivo? Se pela honra, se pelo medo, se pelo orgulho, se pelo povo sofrido que, além de tudo o que já suportam, não teriam nem o enlevo de usufruir de um congraçamento esportivo.
Embora adversários, os coreanos do norte cativaram um espaço terno em nossos corações, um misto de simpatia, solidariedade e conhecimento de causa, ou, talvez, apenas a identificação da liberdade das lágrimas, do breve direito de mostrar os sentimentos em público, custe o que custar.
Não houve maior representatividade do povo norte-coreano do que a explosão daquelas águas represadas, que inundaram de beleza e esperança o peito de todos os povos do planeta.
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Publicado por Lílian Maial em 16/06/2010 às 21h57
22/05/2010 17h47
DESCUBRA QUEM É, E O QUE REALMENTE IMPORTA
DESCUBRA QUEM É,
E O QUE REALMENTE IMPORTA
®Lílian Maial
Desde muito tenra idade que me sinto meio que “mãe do mundo”, com uma imensa necessidade de justiça, misturada à vontade premente de cuidar, de curar, de trazer bem- estar aos que me cercam, além de consciência social e desejo ardente de liberdade e igualdade entre as pessoas, qualquer que seja a cor, credo ou sexo.
Naturalmente isso tudo me causa satisfação, prazer, alegrias, exceto quando percebo os que assim não sentem, aqueles que ainda precisarão de muito chão a percorrer, de muita lição a estudar, de muito aprendizado.
Depois de muito enveredar pelos caminhos da busca interior, do sentido da vida, do “de onde vim e pra onde vou”, percebo que não importa. Nada disso importa. Nunca haverá respostas, porque as perguntas estão erradas. Não há o que descobrir, o que procurar, o que desvendar. É preciso aprender a aceitar que a vida é uma fração de tempo finito, e que não temos o menor poder sobre ele – Chronos - não importa o quanto a ciência avance. Mais cedo ou mais tarde, Chronos nos devorará. Só nos resta, enquanto isso não ocorre, entender que o sentido das coisas é sempre aquele a que nos propomos.
Concluo, então, que esse aparente litígio entre os sexos, a tentativa frustra de ser igual (porque não é mesmo), a vulgarização do pudor, que gera confusão na cabeça do homem entre liberdade e promiscuidade, tudo isso é fruto de mídia, que detém interesses escusos e manipula a massa.
É a mídia que lança os modismos e comanda o que deve e o que não deve ser dito, ser feito, ser usado, ser adotado como padrão. E onde ficam nossos padrões? Onde o atavismo? Onde o orgulho de ser mulher, a nobreza de ser mãe, a beleza de ser madura, a realização de ser avó, a delicadeza de ser menina, o mistério de ser todas?
Tento alcançar o fim do céu a olho nu e, nesse instante, mergulho no infinito. E sou livre. Não há sensação melhor no mundo que a liberdade. Sou livre para pensar, para querer, para sentir.
Não há o que me proíba de ser.
E olho minhas mãos. O quão livres são minhas mãos?
Essas mãos que já pediram colo, que já passearam pelo rosto e cabelos de minha mãe.
Que já se cruzaram nas costas, escondendo as artes do papai, e que também o vestiram e cruzaram as suas, em seu derradeiro adeus. Essas mãos que já amaram, que já procuraram os caminhos do prazer, que já se deram a outras mãos, em comunhão.
Que já ampararam, acariciaram, cuidaram e deram segurança a cada filho, e que também os soltaram, para que aprendessem seus próprios caminhos e acreditassem em suas próprias mãos.
Essas mãos que já curaram, confortaram e fecharam as pálpebras de tantos pacientes.
Essas que já escreveram os mais belos poemas e as mais amargas cartas de solidão.
Essas que ainda procuram e procuram e procuram, porque são livres para procurar.
Sim, não há nada que substitua a liberdade.
Pode-se perder uma parte do corpo, um grande amor, a família, o emprego, o sucesso, o trem. A tudo se supera, se adapta. Mas não se pode perder a liberdade, pois é através dela que se entende a vida, que se pode ter esperança de que, um dia, se possa ser realmente livre.
Nenhum de nós é imune ao tempo.
Então, por que a disputa, se a linha de chegada é tão negada, tão assustadora e combatemos tanto, retardamos tanto? Por que disputar o chegar na frente, se não queremos, no fundo, chegar?
E, nesse momento, eu deixarei de incomodar, quando cada um perceber que deve procurar seu destino, sua missão, seus desígnios. Quando entenderem e encontrarem, eu deixarei de incomodar.
Sim, porque eu só incomodo aos vazios, aos sem sentido, aos que vivem para seus umbigos, trajando antolhos, desfiando o rosário da intriga, da difamação, da incompreensão, da falta absoluta de generosidade, camuflados por palavras vãs e gestos coreografados para “inglês ver”.
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Publicado por Lílian Maial em 22/05/2010 às 17h47
22/05/2010 17h23
CAVALEIRO DOS SONHOS
CAVALEIRO DOS SONHOS
Lílian Maial
Foi numa tarde de inverno, com o céu claro, ensolarado, algo embaçado, talvez, que ele chegou a mim pela primeira vez.
Veio lindo, alto, forte, com seu porte de dono de mim, sem dizer seu nome, ou lugar, sem pedir permissão para entrar.
Veio invadindo, com seus olhos de "deixa ficar", com seu jeito de "te quero bem", com sua conversa de "sempre te esperei".
Em tudo se parecia com quem sempre sonhei, em tudo queria se fazer parecer.
Era meigo, preocupado, gentil, carinhoso.
Era doce e sensual, moreno e agressivo.
Sua imagem lembrava a de um guerreiro primitivo, porém com a gentileza de um nobre.
Impossível resistir a tantos encantos.
Impossível não querer viver esse sonho.
E, dessa maneira insidiosa, ele foi ficando, preenchendo meus dias e noites, trazendo paz e plenitude a meus anseios febris.
Não havia planos, apenas agoras, momentos.
E, se depois acordasse no meio da noite, só e no escuro, ainda teria o brilho dos olhos de meu cavaleiro. O cavaleiro dos sonhos, da menina-mulher, que fora um dia.
E meu cavaleiro ficou, e comigo desbravou matas e mares, abriu caminhos na terra, galopou nos ventos, voou com os pássaros, amou na relva, dançou na chuva, sorriu no fogo, cantou na rua, gritou meu nome, me fez feliz.
E nada cobrava, apenas me olhava, e repetia em seus gestos, o toque de Deus.
E me senti amada, desejada, importante, mulher.
E então não quis mais acordar, porque meu cavaleiro me bastava, nada mais poderia ser melhor que meu sonho.
Vivemos assim, uma noite, uma era, tão longa espera, agora com vida, agora tão intenso, que não quero mais nada.
Mas a vida tem muitas surpresas, e meu cavaleiro de sonho, não seria diferente...
Por mais que eu quisesse, os sonhos acabam, e meu cavaleiro deixou de lutar. Não viu o inimigo, não viu o manto da noite, deixou-se enlevar, talvez, por meus cantos, talvez por meus versos, talvez por deixar...
Num dia de cinza, de céu encoberto, de sons estridentes, sem vento e sem cor, abri os meus olhos e não vi mais seu brilho, não vi mais seus olhos, não vi meu amor...
Onde foi, cavaleiro, que perdemos o rumo? Diga-me de novo, me ensina a voltar. Quero rir, ver a vida com tons cor-de-rosa, quero verso e prosa, quero alguém a cantar.
Ah, meu senhor, de esporas de prata, de espada de luta, de coração de leão... me abraça bem forte, me beija de novo, que eu quero dormir, para tê-lo em meus braços, que preciso dormir para de novo sonhar!
Lílian Maial
maio/98.
Publicado por Lílian Maial em 22/05/2010 às 17h23
22/05/2010 17h02
PESAME MUCHO
PESAME MUCHO
®Lílian Maial
Hoje comemoro um óbito que nunca, de fato, morreu.
Tento enterrar lembranças fantasmas que me rondam em dias de sol.
Como diziam Roberto e Caetano:
- “a coisa mais certa de todas as coisas não vale um caminho sob o sol”.
E, sob o sol, eu douro a pílula.
Sob o sol, empurro uma vida que se esvaiu sem que eu visse, sem que eu pudesse intervir.
Não estava em minhas mãos o destino da minha alegria. Eu doei. Eu fui feita promessa. Eu aceitei. E aceitaria tanto mais, para que hoje não tivesse esse buraco negro nas entranhas!
Passam-se os dias na alegria e vivacidade de quem distrai a morte, de que dribla o vazio, de quem caminha longos passos arrastados para o cadafalso, sem perceber que já balança pendurado com a corda ao redor do pescoço.
Miro cada amanhecer sabendo como poderia ter sido. E o conhecimento dói.
Louvo as auroras e os luares. Brindo cada sorriso e cada desabrochar. Mas nunca mais serei pétala. As raízes foram arrancadas pelo prazer do jardineiro. Um jardineiro cruel. E ninguém pode colar uma pétala ao caule, ou ao galho.
Trago, nas marcas do rosto, as certidões, com firma reconhecida, da felicidade que me foi furtada, e que me passa ao largo.
A luz do olhar tremula e a palavra engasga, na inanição da saudade.
Mais um maio passando diante dos meus olhos atônitos, pela beleza de fim de tarde, em que eu poderia ser feliz.
Quantos maios mais terei eu de suportar com tanto azul?
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Publicado por Lílian Maial em 22/05/2010 às 17h02
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