Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
10/03/2010 09h49
ANAMNESE
 ANAMNESE
®Lílian Maial
 

Era uma dor muito estranha.
Aguda e lancinante, que fazia suar e ter vertigem, por vezes, uma lágrima.

Durava o tempo que se a sentisse.
Rastreados os órgãos, fígado, baço, rins, tudo em ordem.
Pele, músculos, nervos e tendões sem avarias. E a dor lá, doendo.

Tomava todos os analgésicos inventados, tinha conta na farmácia. E a dor não passava.
Dentista, homeopata, clínico geral e, mesmo, geriatra não detectavam a origem.
Chegou a consultar mãe de santo.
Fez trabalho no mato, jogou búzios, procurou cartomante, bebeu poções.

Não adiantava.
Toda vez que olhava o espelho, lá estava a dor.
 
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Publicado por Lílian Maial em 10/03/2010 às 09h49
 
27/02/2010 17h26
TREMORES DA TERRA
TREMORES DA TERRA
®Lílian Maial
 

 
A Terra é viva. Ponto. E se move. Ponto.
Só não sabemos em que fase está quando treme.

Às vezes, se comporta como criança de sono agitado, se mexe, se vira e revira, malcriada e esperta, inconseqüente e cheia de energia. E treme, e venta, e inunda, e incendeia.


Talvez aja como a menina ou o menino adolescente, que recebe seu primeiro beijo e treme, e sua, e dispara o coração.

Quem sabe o rapaz ou a moça, que presta concurso para o primeiro emprego e se deixa tomar pela ansiedade e pelo prazer que faz o corpo tremer?

Há, ainda, a possibilidade da mulher ou do homem, na entrega do amor, na descoberta do prazer a dois, no tremor das delícias do corpo e da alma.

O que dizer do casal que vê nascer um filho e não consegue segurar a emoção, e chora, e ri, e treme de euforia e medo?

Ou, em outra hipótese, o tremor da mágoa, da raiva e do desgosto da separação, do desamor, do fim.

Também o velho desgostoso, que já perdeu tanto, e treme e treme e treme, porque é o que lhe resta de rebeldia da juventude.

Ou nada disso e tudo isso, à beira da morte, num suspiro, estremece o corpo, como a exorcizar os pecados, para descansar em paz.

Por último, até depois de morto, o planeta pode ser como aquele que acabou de partir, mas que não deseja ir, e o corpo ainda busca a vida, numa finita contração, que faz tremer.

A Terra é viva. A Terra treme. P
                                                     o 
                                                                n
                                                 t
                                                    o.

 
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Publicado por Lílian Maial em 27/02/2010 às 17h26
 
16/01/2010 00h23
HAITI, ANGRA, ILHA GRANDE E MEU CORAÇÃO
 Haiti, Angra, Ilha Grande e meu Coração
®Lílian Maial
 

Relutei muito, antes de escrever sobre essas tragédias que nos chocaram desde o final do ano passado. A dor do outro é a minha dor. Posso sentir o cheiro da morte, as cores do desespero, o gosto de desamparo.

As fotos dos desabrigados, feridos e órfãos de esperança se assemelham em qualquer parte do mundo. Somos calejados, lutando arduamente contra a mortalidade infantil, a violência, a fome, a miséria, tragédias não menos graves e desalentadoras, por serem endêmicas, crônicas, e não mobilizarem o mundo todo, como as catástrofes amplamente noticiadas.

A dor da perda não tem etnia, credo ou classe social. É universal.

Todas as vezes que me deparo com notícias de mortes, sejam por fenômenos devastadores da natureza, sejam por crimes violentos, por acidentes de trânsito, passionais, justas ou injustas, sinto como se fosse eu a perder. E, no fundo, é assim.

Fazemos parte de um coletivo indivisível, raciocinamos, vemos, falamos, amamos e odiamos, de maneira geral, da mesma forma, entendendo o que significa cada um desses sentimentos.

Quem não consegue entender o que seja saudade?Pode até não haver palavra em outra língua que traduza o mesmo significado, mas todo ser humano sabe o que é e já sentiu.

Quem não sabe o que é medo? Qual ser humano não aprende seu significado logo na tenra infância?

Quem não compreende o que seja proteção? Afeto? Amor?

E o que é feito de nós, quando perdemos o chão, o teto, o aconchego?

Há pouco vimos famílias inteiras dizimadas pelos desabamentos e alagamentos provenientes das chuvas, em diversas cidades do país. Acompanhamos entrevistas doridas, enterros, despedidas. Vimos o olhar de desesperança daqueles que levaram uma vida inteira de trabalho para construir um lar e seus pertences, e verem tudo ser levado pelas águas, incluindo seus bens mais preciosos: a família.

Agora vemos um pequeno e pobre país devastado por terremotos, onde milhares de vítimas - mortas, desabrigadas, feridas ou órfãs - aguardam um milagre que não virá, estupefatos, ainda, e sem terem aonde ir.

Não há como não sentir! Não há como não nos colocarmos em seus lugares, imaginar o que estarão passando e o que a vida ainda lhes reserva.

Por isso relutei tanto em escrever sobre o Haiti, porque, de verdade, não há como não me ver nos olhos daquele menino sujo de cimento e sangue, sentado na calçada dos escombros, com o olhar num horizonte fictício, atônito, sem chão e sem nada, nem mesmo a morte.

Hoje eu também estou no Haiti, como estive em Angra e na Ilha Grande, que, como o Meu Coração, estão de luto pela perda de seus filhos, meus irmãos.

Sei que nada posso fazer para impedir a dor de todos os que ainda sentirão dor, os que ainda mendigarão, os que ainda implorarão pelas vidas dos seus filhos, os que ainda tirarão a vida de outros irmãos, os que contribuirão para a dor alheia, porém, posso elevar meu pensamento, espalhar a palavra e entoar uma prece, um cântico, um acalanto.

E que a Grande Mãe se apiede de seus filhos e de nós, mães de todos eles!
 
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Publicado por Lílian Maial em 16/01/2010 às 00h23
 
01/01/2010 20h49
A RESSACA DO DIA PRIMEIRO – VERSÃO 2010
A RESSACA DO DIA PRIMEIRO – VERSÃO 2010
® Lílian Maial 

 
Dois mil e dez já começou muito bom, e promete... Era prevista uma virada de ano com chuva, e o tempo deu um tempo para os cariocas, e conseguimos chegar em 2010 com alegria e sequinhos. Champanhe excelente - rapidamente esvaziada - fogos coloridos e, para fechar o ano com chave-de-ouro, ou melhor, de prata, uma lua azul, que é como é chamada a segunda lua cheia num mesmo mês.

Após um pequeno tempinho para lembranças (dos meus mortos e de alguns vivos), não houve mais lugar para nada, que não fosse positivo, esperançoso e otimista.

Acordei tarde, lânguida e feliz, num ano regido por Vênus, Oxalá (auxiliado por Iemanjá),  e do Tigre, no horóscopo chinês, que promete que tudo acontecerá com maior intensidade, tanto para o bem, quanto para o mal. Ele representa a coragem, a potência, a ousadia e a paixão, e pode significar superação.

Já Oxalá promete encher o ano de 2010 de beleza, amor, evolução e tendência à perfeição, em resumo: progresso. E Iemanjá, orixá adjunto em 2010, auxilia nos casos de saúde, e tende a trazer fartura, paz e amor.

Sob a regência de Vênus, o toque especial do ano será a busca do entendimento, paz e divisão com o semelhante, isto é, altruísmo, sem falar no prazer e satisfação.

Assim, já me levantei consciente de que o ano de 2009 trouxe muita apreensão, escândalos, corrupção, gripe suína, crise mundial, e que 2010 não será muito fácil, porém, se mantivermos a postura otimista e de colaboração, de amor e fraternidade, este poderá ser o ano de união, reorganização e ultrapassagem de obstáculos.

E, surpreendendo a todas as previsões, o sol surgiu para alegrar o primeiro dia do ano, num prenúncio de coisas boas e iluminadas.
Como no início de 2009, não me perdi em "balanço" do ano que terminava, nem senti que houve interrupção em nada na minha vida. Foi apenas um dia de festa, de brilho e sorrisos. Não fui à praia, imaginando que fosse chover, mas descarreguei todo o tipo de pensamento negativo, apenas deixando-me tomar pela alegria e gratidão por estar viva por mais um ano, por poder abraçar meus filhos mais uma vez, sentindo seu amor e confiança, e por ainda ter minha mãe comigo, mesmo que com todas as restrições que a idade lhe impõe.

Agradeci, ainda, o novo amor que entrou na minha vida, que é minha futura nora, atenciosa, carinhosa e que vem contribuindo para a felicidade de meu primogênito, e a minha, por tabela.

Sem que eu tivesse provocado, fui invadida por um gostoso sentimento de plenitude, de satisfação pela capacidade de administrar as intempéries que sempre surgem sem aviso, além da inesgotável fonte interior de amor e alegria com os valores mais simples.

Apesar de todas as mazelas nacionais, senti um imenso orgulho de ser brasileira, de pertencer a esse povo forte, resistente, bem-humorado e feliz. Orgulho de nos superarmos nos esportes, mesmo sem grandes incentivos e patrocínios. Orgulho por termos conseguido superar a crise mundial, se não como uma lagoa de águas plácidas, ao menos como um mar de ondas pouco assanhadas. Orgulho por termos sido escolhidos para sediar as Olimpíadas de 2016, após já termos sido agraciados como sede da Copa de 2014. Um orgulho danado de ter visto o presidente do meu país, a despeito de toda a algazarra acerca de seu pouco estudo, ter superado em carisma e eloqüência, nas reuniões em Copenhague, para a defesa do meio-ambiente e combate ao aquecimento global, o próprio presidente dos EUA – tão aclamado como esperança pelo mundo.

Sei que 2010 será um ano de luta, de aperto financeiro para o crescimento necessário, de combate à corrupção e ao tráfico de drogas, de união para fazer valer nossa voz nas conquistas sociais e na busca tão propalada pela paz.

 Mas nada disso poderá ser realizado, se não começarmos a nos organizar dentro de casa, na criação dos filhos, com valores justos, no nosso prédio, na nossa rua, no bairro, na cidade. É preciso que tenhamos consciência de que “uma andorinha só não faz verão”, ou melhor, o individualismo não nos leva adiante.

Este é o momento de tomarmos iniciativas e partirmos para atitudes e ações. Os planos já tiveram muito tempo. É hora de agir. Para isso, temos que nos dar as mãos, porque somente a união será capaz de gerar frutos. Até a natureza sabe disso!

Este ano, ainda não passei a minha agenda a limpo. É uma tortura necessária, que adio o mais que posso, porque sei que vou encontrar aqueles nomes que eu deveria ter visto mais, aqueles que deveria esquecer, e alguns que sei que me esqueceram, além daqueles que terei de apagar, por não estarem mais entre nós. No entanto, passei a computar com mais alegria os novos nomes, aqueles que não estavam na agenda do ano passado e, certamente, deixarei bastante espaço para os nomes de quem ainda conhecerei.  

Em 2009, tive a oportunidade de viajar bastante, a trabalho, e travar muitas novas amizades com meus alunos. Foi uma dádiva, que pretendo continuar em 2010, preenchendo a agenda com nomes de todos os cantos do país, que tem um povo maravilhoso, tão rico em semelhanças e diferenças.

Nesse momento, vou até minha varanda, cheia de plantas e flores, e verifico que quase não há pessoas nas ruas. Todos em suas casas, em suas vidas, em suas letras, num retiro voluntário. É quando meu pensamento se volta para os plantonistas, que deixam suas famílias e seus lares, para que outras famílias tenham o alento de alguém que cuide de seus amados. São médicos, enfermeiros, auxiliares, recepcionistas, bombeiros, policiais, farmacêuticos, cozinheiros, garçons, repórteres, fotógrafos e tantos outros profissionais dedicados, que cuidam dos doentes, dos desabrigados, das vítimas de incêndios e desabamentos, além daqueles que trabalham para que tenhamos lazer.

Meu pensamento também voa para junto dos idosos em asilos, dos doentes em instituições, dos presidiários arrependidos, dos órfãos, dos pacientes terminais, dos deprimidos, dos solitários. Talvez eles não tenham sorrisos, e eu tenho tantos...

Mais uma vez percebo que, apesar do calendário e da tecnologia me dizerem o contrário, nada realmente mudou, no mundo, em mais de dois mil anos, a não ser os ponteiros da balança, depois das festas...
Feliz 2010 para todos nós, com amor e generosidade!
 
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Publicado por Lílian Maial em 01/01/2010 às 20h49
 
27/12/2009 17h45
E LÁ SE FOI O NATAL...
E lá se foi o Natal...
®Lílian Maial

 
Desperto cedo, no entanto, a casa dorme. É dia 27 de dezembro, mas ainda há resquícios do Natal: tudo meio bagunçado, como que arrumado às pressas, e com cheiro diferente, numa mistura de tender, peru e rabanada.

A rua já esboça certo movimento preguiçoso e até o sol demora a sair de trás das nuvens, num ato de rebeldia por ter que raiar.

Circulo pelos cômodos e percebo o tanto de energia que foi gasto para aquela noite especial, que embute um misto de surpresa, expectativa e comunhão. Nesse dia, há uma necessidade de se agrupar, de reunir a família, mesmo aqueles que não se dão o ano inteiro, de ter a casa cheia, de mostrar a cristandade que habita a todos nós, incluindo os ateus de todas as religiões. Todo mundo parece fazer questão de brindar pela paz, pelo amor, pela igualdade. E isso gera uma energia e, no pós-Natal, um cansaço, como se toda a energia do ano tivesse sido gasta ali.

Será assim em todo o mundo? Será isso mesmo o que acontece por todos os povos?

Nada como um dia pós-Natal para se pensar essas coisas. Mas, aí, abro o jornal e leio que um grupo de brasileiros fora atacado na véspera de Natal, com inúmeros mortos, feridos, desaparecidos e mulheres estupradas na fronteira do Brasil com o Suriname, e por razões obscuras, por medição de forças. Será que por lá não é Natal?

Leio sobre atentados em aviões, sobre disputas internacionais por uma criança, quando há tantas crianças sem ninguém que lhes dirija sequer um olhar... O que deu errado? Por que Papai Noel não visitou essas criaturas? Por que o “espírito de Natal” não baixou no Suriname? O que há com essa turma?

Está certo que o Natal não modifica as pessoas, não muda a situação social, política, econômica de ninguém, mas até nas guerras, no dia de Natal, sempre houve um cessar-fogo, uma trégua, um certo respeito, se não ao menino aniversariante, ao menos a tudo o que simboliza o humano que há em cada um de nós.

Deveria ser uma data símbolo de bondade, de fraternidade, de altruísmo. E não, não é o que as manchetes apontam. Virou coisa careta, démodé, ultrapassada se acreditar na humanidade e na generosidade. Hoje em dia, somente os interesses contam. Natal virou comércio, disputa pelo melhor presente mais barato, ou apenas mais um feriado, em meio a tanta corrupção, mandos e desmandos da politicagem.

Este ano, para alguns, o Natal foi Fatal. Como em 2006. Lembro-me bem, há três anos, por essa época, quando uma onda de terror se instalou no Rio de Janeiro e ações criminosas incendiaram ônibus, com mais de 20 carros lotados de bandidos, armados com fuzis e granadas, em razão de brigas entre “comandos coloridos”. Como ficaram as famílias dessas pessoas que mataram e morreram tão cruelmente? O que se passa na cabeça de quem arquiteta uma ação desse tipo?

Ah! Dias que se seguem ao Natal e prenunciam o Ano Novo sempre me fazem escrever essas coisas. Reflexão é o tipo de coisa que não cai bem em dia de ressaca de festa.

Francamente, seria tão melhor que cada pessoa fizesse um balanço das atitudes que assumiu durante o ano e registrasse o saldo positivo, planejando aumentar esse saldo para o ano vindouro, com posturas decididas e corretas... Sonho? Talvez. Mas ainda há tempo. O ano ainda não acabou, e cada um de nós pode reunir as forças e gritar, mexer, agitar, fazer alguma coisa para que seu ano possa realmente ser novo.  

De nada adianta reclamar, esbravejar, falar mal e fazer ironia sobre fatos que nós mesmos deixamos acontecer. Nós mesmos fomos responsáveis por inúmeras desgraças que, hoje, criticamos. Quem sabe Papai Noel não esteja justamente esperando o nosso sinal verde para entregar os verdadeiros presentes? Ou, melhor, o verdadeiro futuro?

Que 2010 – ano regido por Vênus – ano do Tigre – venha com a beleza e a força unidas para remodelar nossas mentes e nossos corações, para que – juntos - possamos fazer um mundo melhor, cuidando do meio ambiente, cuidando uns dos outros, resgatando a família, investindo na educação, no amor e no carinho com os nossos filhos, nossos velhos e nosso próximo!

Feliz 2010, mundo!
 
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Publicado por Lílian Maial em 27/12/2009 às 17h45



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