Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Textos

Um pouco sobre cordel, a pedido de Jorge Aílton
Principais classificações dos gêneros de Poesia Popular:

a) SEXTILHA:

Pertencente à família dos versos setessílabos (redondilha maior), e usada geralmente nas aberturas das apresentações e programas de cantorias, a Sextilha, apesar de ser o gênero mais comum, é considerada a “deusa inspiradora dos poetas repentistas”. A Sextilha é uma estrofe com rimas deslocadas, constituída – conforme a própria denominação – de seis linhas, seis pés ou seis versos de sete sílabas (a métrica é fator muito importante para a beleza final da composição). As rimas nesse gênero de seis versos acontecem nas linhas pares (2ª, 4ª e 6ª), conservando-se as demais (1ª, 3ª e 5ª) em versos brancos (sem rima).

Esquema rimático: xbybzb - Exemplo:

Está com mais de cem anos
A nossa Literatura
De Cordel, que no Brasil
Já é parte da Cultura;
Seu legado traz renovo,
Qual chama ardente e pura!

® RUBENIO MARCELO


b) SETILHA, Sete Linhas ou Sete Pés:

Sendo uma adaptação da sextilha, criada pelo cantador Manoel Leopoldino Serrador, o estilo Sete Linhas caracteriza-se também por versos em redondilha maior (sete sílabas) com rimas nos versos pares até o quarto, como na Sextilha; o quinto rima com o sexto; e o sétimo com o segundo e o quarto. Esquema rimático: xbybzzb

Difícil? - Não, fácil! Veja nesta estrofe de minha autoria, que cito como exemplo:

Está vivinho da silva
O nosso belo Cordel;
Já é tema de mestrado,
Estudado com laurel;
Cada dia aumenta mais
O prestígio, o cartaz,
Do cantador-menestrel!

® RUBENIO MARCELO


c) DÉCIMA:

A Décima, embora de origem clássica, é um estilo muito apreciado tanto pelos poetas cantadores como pelo público que assistem aos inesquecíveis encontros e festivais de cantoria. Como o próprio nome diz, as Décimas são estrofes ou estâncias de dez versos, assim distribuídos rimaticamente: o primeiro verso ou linha rima com o quarto e o quinto; o segundo rima com o terceiro; o sexto, com o sétimo e o décimo; e o oitavo verso rima com o nono. Esquema de rimas nos versos: abbaaccddc. - Exemplifico com uma das estrofes do meu elegíaco "Cordel Da Saudade":

Era manhã, brisa mansa,
Quando deixei Fortaleza,
Com um misto de tristeza,
Calma, fé e esperança...
Trago tudo na lembrança,
Jamais pude apagar
Três faces a acenar:
Meu pai, minha mãe, meu irmão.
Foi com dor no coração
Que deixei o meu lugar.

® RUBENIO MARCELO

Obs: A Décima, também denominada Glosa, é o gênero escolhido e apropriado para os chamados “motes”, onde os cantadores fecham cada estrofe com os versos da sentença dada ou pedida pelo público.

Mote é um pensamento formado de um ou dois versos, com que se finalizam as estrofes (as Décimas). Os motes de dois versos são os mais usuais, como, por exemplo o meu "Foi com dor no coração / Que deixei o meu lugar", que fora recentemente "pedido", a Geraldo Amâncio, pelo nobre companheiro poeta/cantador e ativista cultural José de Souza Dantas, numa recente cantoria em João Pessoa (PB), e o exímio repentista menestrel Geraldo Amâncio assim improvisou numa das suas belas estrofes:

Minha mãe cortou a fala,
Quando eu disse: eu vou partir.
Porém antes de eu sair,
Botou a roupa na mala;
Depois veio até a sala,
Só para poder rezar;
Pra Deus me acompanhar,
Ela fez uma oração.
Foi com dor no coração
Que deixei o meu lugar.

Já o grande poeta e amigo Almir Alves Filho, em Teresina (PI), honrou-me com este meu mote plangente, cantando assim:

Sei que o Rubenio passou
Pela triste experiência;
O Dantas me deu ciência,
Geraldo Amâncio cantou;
E meu Cordel aprovou
Esta canção de ninar
Que vai alguém embalar,
Superando a inquietação...
Foi com dor no coração
Que deixei o meu lugar.



d) MARTELO AGALOPADO

O Martelo Agalopado atual, que é um gênero variante da Décima, é uma criação do violeiro paraibano Silvino Pirauá. Pois originalmente o Martelo - que ganhou esta denominação devido ao seu criador, o diplomata francês e professor de literatura Jaime de Martelo - era composto em estrofes de seis versos com rimas cruzadas (ababab).

Estilo extremamente fascinador e de pegada assaz difícil - a "pedra na garganta" dos fracos repentistas -, e, por outro lado, a consagração dos bons menestréis - o nosso Martelo Agalopado (Décima de versos compridos) é cantado em estrofes de dez versos rigorosamente decassílabos. O esquema rimático é o já mencionado abbaaccddc. Segue, como exemplificação, uma das estrofes do meu Martelo "Marcelo em Martelo agalopado":

Certa vez eu subi no infinito,
Peguei duas estrela só c’uma mão;
Passeei de Mercúrio a Plutão,
Derrubei dois cometas só c’um grito.
E São Pedro já foi ficando aflito,
Indo logo a Jesus, preocupado...
E o Mestre, em tom equilibrado,
Disse a Pedro, ouvindo cantilenas:
– Fique calmo, amigo, isto é apenas
O Marcelo em Martelo agalopado!

® RUBENIO MARCELO



e) GALOPE À BEIRA-MAR:

Também um estilo em forma de Décima de versos compridos, o Galope à beira-mar é outro belo e dificílimo gênero de improviso. Criado na beira da Praia de Iracema, pelo violeiro cearense José Pretinho, e assim chamado em virtude de ser abordado em temas praianos, o Galope à beira-mar é constituído por estrofes de dez versos de onze sílabas (ou de Arte Maior), sempre constando no final do estribilho a palavra mar.

Ilustro estas considerações, com uma das estrofes do meu poema elegíaco-telúrico "Meu Canto do Exílio", que escrevi em Galope à beira-mar:


Tocando meus dedos nas cordas plangentes
Da minha viola, velha companheira,
Relembro os dias com mamãe na feira,
Brincando, fagueiro, ao som dos repentes;
Saudosos instantes, distantes, ausentes,
Que a minha memória não pode olvidar,
Pois foi esse carme que fez germinar
A paz verdadeira no meu coração;
Com ele cresci, em inspiração,
Cantando galope na beira do mar.

® RUBENIO MARCELO



f) PARCELA:

Conhecida também pela denominação de Décimas de versos curtos, a Parcela é gênero de cantoria constituída por estrofes com versos de quatro ou de cinco sílabas. Destacaram-se neste estilo os cantadores Pedra Azul, Manoel da Luz Ventania, José Félix e o cego Benjamim Mangabeira, este último recentemente falecido em Fortaleza.

Como é outra variante das Décimas, o esquema de distribuição rimática das Parcelas é abbaaccddc. Ilustrando estas considerações, enfoco abaixo uma das estrofes da minha Parcela "Insólito Prelúdio" (págs. 39, 40, 41 e 42 do meu Livro Estigmas do Tempo):

Quero viajar
Nas crinas do vento
Sem planejamento
Meu afã traçar
Por onde apontar
Meu baço nariz
Minh’ausente cerviz
E o vago coração
Pra além de Plutão
Pro "Planeta X"

® RUBENIO MARCELO



g) QUADRÃO:

De todos os gêneros de poesia popular e cantoria, o Quadrão, que tem a terminação das suas estâncias sempre com o estribilho da sua denominação, tem sido aquele estilo que talvez tenha mais sofrido alterações e adaptações na sua estrutura geral ao longo do tempo. Originariamente, os Quadrões eram compostos em estrofes de oito versos setessílabos, onde rimavam o primeiro com o segundo e o terceiro versos; o quarto com o oitavo; e o quinto verso com o sexto e o sétimo.

Após modificações no universo multifacetado da cantoria, os Quadrões foram incluídos nas Décimas e hoje temos quatro modalidades deste gênero com dez pés, todos mantendo o estribilho na última linha das estrofes.

Além dos cantadores Antônio Batista Guedes, Simplício Pereira da Silva e Manoel Furtado, os saudosos irmãos Batista (Dimas, Lourival e Otacílio, este falecido agora no dia 06/08/2003), foram os grandes mestres deste estilo especial de cantoria, inclusive tendo sido (os Batista) os criadores do famoso “Quadrão Perguntado”, que recebeu esta denominação por ser uma espécie de diálogo constituído de perguntas e respostas intercaladas, obedecendo a métrica e a rima, pelos dois cantadores.

A seguir, à guisa de exemplificação, transcrevo duas das estrofes de Quadrão arquitetadas pela verve sagrada do improviso da laureada dupla composta pelos excelsos bardos Geraldo Amâncio e Moacir Laurentino, quando se apresentavam para grande público na capital paraibana, agora no dia 6/4/2003, e me homenagearam com vários versos de repente, dentre os quais os seguintes:

GA - RUBENIO MARCELO mora
ML - Num lugar meio distante,
GA - Campo Grande é importante,
ML - Sem Fortaleza e Aurora;
GA - Do Ceará foi embora,
ML - Só tem a recordação,
GA - Que um filho longe do chão
ML - É mesmo que estar amarrado.
Isso é quadrão perguntado
Isso é responder quadrão.

ML - RUBENIO lembra daqui
GA - E nós mandamos um abraço;
ML - Da vida o repente eu faço,
GA - De DANTAS, de mim de ti;
ML - Incumbência eu recebi
GA - De todos que aqui estão,
ML - Da gente os repentes vão
GA - Dizendo muito obrigado.
Isso é quadrão perguntado
Isso é responder quadrão.



h) MOURÃO ou MOIRÃO:

Os Moirões são estilos de Poesia Popular dos mais difíceis, onde os cantadores também se alternam dentro da mesma estrofe. Aqui, neste gênero, que possui várias modalidades, deve haver uma interação muito afinada dos dois poetas/repentistas, vez que a articulação das estâncias cabe à criatividade de ambos, revezando-se nos versos e nas estrofes.

Nesta categoria, temos os "Moirões de Seis Pés", os "Moirões de Sete Pés", o "Moirão Trocado", o "Moirão Que Você Cai" e o "Moirão Voltado".

Nos Moirões de Seis Pés (Seis Linhas), no processo métrico-rimático das sextilhas, um cantador lança dois versos, o parceiro intercala mais dois, e o que iniciou encerra a estrofe, procurando manter o sentido principal da oração. *® Exemplo:

Cantador A - No ano setenta e sete,
Por uma Lei Federal
Cantador B - O Mato Grosso do Sul
Fora criado, afinal.
Cantador A - Campo Grande é nomeada
Para ser a Capital.

*RUBENIO MARCELO


Nos Moirões de Sete Pés, que é o mais divulgado atualmente, as estrofes de sete linhas são formadas da seguinte maneira: o cantador que inicia forma cincos versos da estrofe, ou seja, os dois primeiros (1 e 2) e os três finais (5, 6 e 7); enquanto o segundo cantador articula dois versos (os versos das linhas 3 e 4). *® Exemplificando:

Cantador A - A partir desta conquista,
Campo Grande, a Capital
Cantador B - Do Mato Grosso do Sul,
Estado do Pantanal,
Cantador A - Acelerou os motores
Da Economia e os setores
Político e Cultural.

*RUBENIO MARCELO




® RUBENIO MARCELO
Membro e Secretário-Geral da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras
Um dos vencedores do I Concurso Paulista de Literatura de Cordel
Contato: rubeniomarcelo@hotmail.com e rubmarcelo@bol.com.br

Lílian Maial
Enviado por Lílian Maial em 30/11/2005


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