INTIMORATA

                     Para Dulceneri

São milhares as vozes

e incontáveis os rostos.

Teu é o olhar que importa!

Tuas são as palavras que dizem!

Respirar a poesia dos pulmões dos pássaros,

sorver a seiva do colo da mãe!

Cada dia tem seu preço e sua recompensa.

Eu quero mais um minuto no canto do teu olho,

quero a filha crescendo flor,

sentir os dedos enraizando,

deitar ao relento, entregue à terra,

sem pressa e sem medo.

Fera domesticada, cabrestos de mazelas,

deixei meus bichos adormecendo.

Que se libertem das ampulhetas!

Fujam do cotidiano!

Vivam livres!

Tronco frondoso, arranco as ervas daninhas com os dentes.

Quero clorofilar, permitir que o sol me doure os sonhos.

Ainda tenho sonhos.

Embalo-os em pétalas com laços da poesia da fé.

Deixo-os descansar para crescer.

Quero que o amanhã venha sereno.

Beber o orvalho e mastigar auroras.

Nunca havia reparado nas gotas escorregando nas flores pela manhã.

Dão cócegas, certamente. Sorrio.

Quero sentir cócegas!

Teus dedos cutucando minhas costelas e meus medos.

Caio no barranco sozinha.

Em meio à solidão dos espinhos,

tremo e temo.

Jorro meu sangue na escalada.

Calada choro.

Caio de novo.

Todos os dias no chão.

Ardo pela poesia do dia seguinte.

Tantos rostos e mãos!

Câmaras escuras, becos, vielas.

Muito medo do vazio.

Muito medo da espera.

Mas teus olhos meninos me chamam.

Meus olhos meninos querem ver mais.

Eu quero! Eu sei!

Fico enjoada de tanto pavor!

A dor pode te convencer a desistir.

Nem pensa nisso!

Há que cuidar dos sonhos!

Aqueles embrulhados pra futuro!

Mangas arregaçadas,

Lanças empunhadas,

Lá estava o dia seguinte!

E o outro, e mais outro!

O cansaço é tanto!

Quase derruba.

Não me permito dormir.

Atraso todos os relógios.

Quero tempo!

Hoje não acredito mais no tempo.

Ele passa.

Leva a cor dos meus cabelos

e deixa uns traços no rosto,

mas passa.

Eu fico, não importa onde.

Eu amo, não importa quem.

Eu estou viva e plena de mim!

********