Tudo começou quando lhe disseram que a língua não cabia dentro da boca, que era uma língua de trapo. Aquilo virou obsessão, entre o fascínio e a vergonha. Tinha uma língua enorme, que batia no queixo.
Fazia caretas inimagináveis, fazia música com a língua, provocava. Nas festinhas, exultava se ganhasse uma língua de sogra.
Ainda criança, gostava de brincar de falar a língua do “pê”.
Um dia começou a lamber e não parou mais. Lambia os beiços, lambia a borda do prato, a borda dos copos, lambia os lábios. Era mestre em lamber.
E adorava língua de gato!
Desde que começou a lamber a pele, nunca mais teve sossego. Havia filas de tudo que é tipo de gente. Todos queriam ver a língua, sentir a língua, beijá-la. Depois que casou, passava horas lambendo a cria.
Resolveu estudar línguas. Fez inglês, francês, espanhol, alemão e italiano. Era muito simples, dominava a língua como ninguém. Ocupava alto posto na diplomacia, graças à lábia e às línguas.
Tudo ia bem, até que passou a não falar a mesma língua.
As más línguas mandaram que dobrasse a língua, mas não era de seu feitio engolir a língua. Tinha tudo sempre na ponta da língua.
Deu com a língua nos dentes.
Morreu com a língua de fora.