Meu pai vendia tecidos,
de porta em porta oferecia texturas,
história e sianinhas,
e nunca se vestiu de triste.
Trazia o dia num ombro,
o cansaço pendurado no outro.
A noite vinha numa caixa de saudade.
Outrora vendia bíblias.
Não sabia orar para deuses,
mas fazia preces para seus botões,
pedia pão e voz para o irmão.
Gostava de preparar a janta
e as filhas para a vida;
pouco sabia de nosso sangue e humores,
cortava cebolas com a palavra afiada,
entoava cantigas de ninar resistência.
Meu pai adorava fazer rir
e seus pequenos dentes mordiam as cordas e os panos,
sua boca soletrava medos
e beijos de boa noite.
Não entendia direito a luta,
não dominava punhos e engodos,
nem tinha os braços fortes.
Mas quando ele abria um sorriso,
e seus olhos se apertavam,
a terra brotava futuro,
o mar se abria em certezas,
a chuva primaverava e soltava pingos de aves livres.
Ele se foi do jeito que veio,
desconhecendo o ofício de rês.
Fugaz e mudo,
não sabia arrancar mordaças,
nem viu seu amanhã prometido.
Menino tolo,
só entendia de recomeços.