QUANDO MEUS OLHOS MAREJAM*
Lílian Maial
Quando meus olhos marejam,
não é pela chuva devastadora, que arrasta as casas,
ou pelo sol causticante, que redesenha o chão,
mas pela terra que se abre em chaga, sem que eu tivesse feito nada para minimizar o dano.
Quando meus olhos marejam,
não é pela fome ou sede que o meu irmão amarga,
mas por não ter trabalhado mais arduamente para repartir o pão que me foi dado.
Quando meus olhos marejam,
não é pela dor de um arranhão na pele ou um hematoma na face,
é pela ferida no peito, que sangra incessantemente, sem que eu tenha me mexido para estancar.
Quando meus olhos marejam,
não é pela criança perdida,
ou pelo velho sem vida,
mas por não ter tocado em seu rosto ou ofertado um abraço.
Quando meus olhos marejam,
não é por te ver partir, nem pela injustiça ou pela orfandade,
mas por não ter erguido a voz em tua defesa,
por não ter feito nada para impedir que fosses.
Quando meus olhos marejam,
não rolam lágrimas de guerra ou de ódio,
nem de tristeza por um só,
ou um milhão,
caem gotas ácidas
de lembranças de um tempo doce,
em que se quis, tão-somente,
viver, cantar e dançar,
e que deixei escapar
por entre os dedos de uma mão apática.
*poema ainda em construção