Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
23/10/2007 21h19
EU NÃO QUERO MORRER EM DOIS ANOS...
®Lílian Maial 


Você leva a sua vida tranqüilamente – ou melhor, a g i t a d a m e n t e – e nem se dá conta da enorme quantidade de pessoas que sofrem com as mais variadas moléstias, as mais cruéis privações, os mais dilacerantes traumas, as mais aviltantes notícias, e as mais terríveis perdas. Vivemos sem nos darmos conta de que, a cada dia, estamos mais próximos da morte, até que nos deparamos com ela. 

“Eu não quero morrer em dois anos” foi a frase que me chamou a atenção para isso. 

Uma amiga, que soube ser portadora de uma doença consumptiva, no auge de sua angústia, de seu medo, isolamento e desamparo, de maneira simples e sofrida comentou que um conhecido tinha tido mal semelhante e morrera em dois anos, e que ela não queria morrer em dois anos. Não falou em um ano, em três anos, ou em apenas não querer morrer, mas usou o tempo de dois anos. 

No fundo, não queria morrer nunca. Sempre adiamos a morte.
Quando estamos com 18 anos, imaginamos que seremos velhos aos 28, e que não nos importaríamos se, até lá, ficássemos doentes, ou gordos, ou feios. Aos 28, imaginamos que aos 38 não importará muito se estivermos doentes, ou gordos, ou feios. Aos 38, nos sentimos com 28, e não ligamos muito se aos 48 estivermos, aí sim, doentes, ou gordos, ou feios. Aos 48, percebemos que não há muita diferença dos 38, e então adiamos para os 58 o fato de ficarmos doentes, ou gordos, ou feios. E por aí vai, até que nos damos conta que doença, gordura ou feiúra não tem idade. E que o digam as vítimas de acidentes nas estradas, voltando de um final de semana maravilhoso, ou as vítimas de acidentes de aviação. 

Ninguém quer envelhecer, adoecer, morrer.
E ninguém está realmente preparado para isso. Por mais fé que se tenha, por mais cabeça feita, por mais que a vida não lhe tenha sido muito sorridente, o fato é que ninguém quer morrer nunca. 

Eu lido com pessoas que vão morrer de doenças graves diariamente. 
Há várias etapas pelas quais essas pessoas passam, já amplamente descritas pela psicologia, como a negação do diagnóstico, a possibilidade de erro de laboratório, a sensação de não merecer (por que eu?), a tristeza de deixar o convívio dos familiares, o apego às coisas e objetos, a contagem do tempo, o desespero a cada novo exame, e finalmente a aceitação e a luta para sobreviver.
E isso não tem idade. 
O jovem age da mesma maneira do idoso, que consegue ter a mesma garra de um leão para enfrentar os tratamentos, que muitas das vezes são mais torturantes que a própria doença em si. 

Eu não quero morrer em dois anos, nem em três, ou quatro, ou dez, ou trinta! Eu quero criar os filhos, os netos, ver bisnetos.
Na verdade, imaginar não ver mais o pôr-do-sol, não sentir mais o vento no rosto, não receber mais um sorriso de criança ou um olhar de agradecimento, não sentir o toque do amor, o cheiro do desejo, o suspiro do gozo. Não dá pra pensar em perder tudo isso. Quando lembro que, todos os dias, temos tudo isso e desperdiçamos... 

Dizer que o tempo é curto ou extenso é bobagem, porque para quem está tendo um derrame na hora, a idéia de cinco minutos é uma eternidade, que dirá dois anos! 
Mas para quem tem uma vida feliz, dois anos passam num piscar de olhos. 

Então, o que fazer, o que pensar, como se confortar? 

Não há conforto no tempo. Um mês, dois anos, dez dias, quatro horas, é tudo muito relativo, é tudo muito, ou é tudo pouco. 

O conforto também não está nas palavras, que os ouvidos são moucos para tentativas de amenizar a dor e o medo, a menos que sejam palavras de um especialista com novidades sobre o tratamento. 

O conforto está no calor dos entes amados, no amparo, na presença constante e protetora dos seres preciosos, como cônjuge, filhos, pais, irmãos, amigos queridos. O conforto está na nossa casa, nosso cantinho, em poder compartilhar nossa ansiedade, medos e fantasmas, e dividir o peso do fardo que virá. 

O conforto está também na força interior, na confiança no profissional escolhido, na compreensão da doença e no entendimento dos caminhos para combatê-la, ajudando o organismo nas batalhas a serem travadas, mantendo a energia positiva, com a certeza de que você conseguirá sair disso como uma pessoa vitoriosa, mesmo que machucada, cansada e doída, porque aí não terá dois, nem três, nem quatro anos, mas uma vida inteira atemporal. 

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Publicado por Lílian Maial em 23/10/2007 às 21h19



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