Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
09/06/2007 17h28
O que leva as pessoas a se tornarem amigas ou inimigas?
Lílian Maial



O que leva as pessoas a se tornarem amigas ou inimigas?
Entre casais, depois de duas ou mais décadas de convivência, descobrir que o parceiro de toda uma vida não é mais amigo, não lhe quer bem, e que, por qualquer rusga, se esquece de anos de dedicação, carinho e cuidados, e deixa o outro sozinho, abatido, doente e sem recursos. Busca se vingar, seja na sua família, nos seus amigos e até nos filhos, mesmo que de maneira inconsciente.

As relações humanas deveriam se basear em confiança, respeito, bondade, porém, de uma hora para outra, transformam-se em desconfiança, mágoas, ressentimentos e, em alguns casos, desejos de vingança.

Pobre daquele que acredita no ser humano!

Não sei se alguém já disse isso, mas certamente já sentiu na pele. Juras, promessas, encantamento, uma vida construída juntos, para, de repente, virar uma guerra impiedosa, onde vencerá o mais forte (ao menos o de estômago mais forte).

Onde foi parar aquele anjo, aquela pessoa forte, protetora, amiga, que fez promessa solene proteger o amor de tudo e de todos, e nunca o magoar? Onde foi parar a amizade de todas as horas, o apoio, o suporte, o amor?

Num eventual rompimento, ou numa situação crítica, tais sentimentos dão lugar a ódio, vingança, desejo de destruir e contribuir para o sofrimento e a infelicidade.
E ficam, lá no cantinho, as lembranças de um tempo que agora parece tolo e desperdiçado. As trocas, as esperas, as surpresas, as alegrias, as vitórias, as lutas todas. Uma vida inteira sufocada por atitudes negativas de não mais querer bem. Tudo bem não se querer mais, mas deixar de querer bem?

O que leva as pessoas a se tornarem amigas ou inimigas?
Como desconfiar de que o pacto vai se acabar? Quais os sinais? Sim, porque os sinais de uma sociedade no fim são relativamente fáceis de se identificar, até mesmo por quem está de fora, mas sinais de não mais querer bem? Quais são? Como evitá-los? Melhor seria não evitá-los?

As pessoas são todas feitas do mesmo material, crescem com as mesmas regras e conceitos, mas em algum lugar da estrada os caminhos se dividem e os passos se quedam por atalhos ou desvios, e o cansaço e o orgulho impedem que se pare e retome a caminhada em terras conhecidas e firmes.

E agora, ainda pelo meio do caminho, elas vêem as rosas plantadas por elas murchando de sede e frio, ante a indiferença da raiva e da frustração. Aas mesmas rosas cor de chá despetalando, como um coração despedaçado, de raízes arrancadas do solo fértil da amizade.

O que leva as pessoas a se tornarem amigas ou inimigas?
Eu não sei, mas se deveria nascer sabendo, para que não se representasse esse papel tosco de adultos isolados pela incompreensão e a teimosia, pela falta de diálogo e a ocultação, pelo fingimento e as lágrimas sem destino.

Todas as afinidades se dissolvem ao sabor das palavras mal ditas. Todas as promessas se descumprem imersas em rancor. E aquele fio de aço que prende um ao outro, companheiros de longas jornadas, se parte em cada ausência, em cada manifestação de ira, em cada sentimento trancado e dilacerado pelo amargor.

Eu me recuso a me tornar inimiga do meu melhor amigo. Posso até seguir amiga sem amigo, mas não deixo as rosas cor de chá serem maltratadas, abandonadas por falta de amor. Eu as recolho e as mantenho num vaso delicado, e as rego a cada vez que olhar para os filhos e frutos, sabendo que, em mim, nada do que vivi será morto.


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Publicado por Lílian Maial em 09/06/2007 às 17h28



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