14/04/2007 18h02
O ANEL QUE TU ME DESTE...
®Lílian Maial
“O anel que tu me deste
era vidro e se quebrou;
O amor que tu me tinhas
era pouco e se acabou.”
Assim falava a velha cantiga de roda, que muito já cantei, como todos, sem prestar muita atenção ao significado real por detrás das palavras. Agora, alguns bons anos mais tarde, já não danço a ciranda, cirandinha, mas recebi um anel, que não é de vidro, que não se quebrou, mostrando que esse amor nunca há de se acabar.
Interessante como o anel é símbolo de algo interminável, um círculo, sem começo, nem fim, algo que se perpetua. Representa união, aliança, cumplicidade.
Há muitos anos, fui trabalhar em um ambiente hostil, de pessoas ambiciosas, na busca do poder. Esse tipo de poder nunca me encheu os olhos, então me sentia deslocada - uma estranha no ninho - um alguém sem referências ali, naquele local.
Foi quando encontrei essa mulher, essa pessoa delicada e, ao mesmo tempo, determinada. Essa criatura doce e meiga, sensível e lúcida, com uma visão absolutamente altruísta, sinalizando inúmeros pontos de identificação comigo, a começar pela maneira holística de ver a vida.
Essa amiga me fez gostar de ir trabalhar naquele lugar lúgubre, me devolveu a esperança de que nem tudo estaria perdido, e que se pode amar as pessoas pura e simplesmente por se sentir amor por elas.
Os anos foram passando, a vida foi fluindo, as divisórias de “eucatex” separavam nosso espaço físico, mas não conseguiram afastar nosso espaço interior e nossa imensa afinidade.
Um dia fui transferida, e minha amiga ficou, com todos os seus rosas, seus corações, papeizinhos e canetinhas coloridas, com seus quadros na parede e sua moldura no peito. Ficou desfalcada da poesia dos dias insossos, como fiquei amputada das surpresinhas das manhãs, das confidências dos corredores, das peraltices indizíveis e adivinháveis nos sorrisos e olhares apertadinhos compartilhados.
A saudade batia, mas a vida corria mais que os pensamentos, que as lembranças, que os desejos de nos mantermos ligadas. Só que já éramos irremediavelmente atadas a esse sentimento irmanado, imantadas dessa admiração e carinho mútuos, dessa amizade sincera e desinteressada, que só duas almas atormentadas pela verdade e pelo amor incondicional poderiam entender.
E como a vida dá muitas voltas, voltei. E reencontrei minha amiga, embora não a tivesse reconhecido nela. Estava diferente, talvez mais amarga, quem sabe mais sofrida, ou apenas mais só. Eu também havia mudado, como mudam todos os que passam pela vida, deixando que ela lhes penetre as entranhas, com todos os prazeres e todas as dores que essa interminável viagem pode proporcionar.
Vivemos, então, lado a lado, porém ainda distantes, como se nossa amizade não tivesse sido nossa, como se nossas lembranças tivessem sido apagadas. Estranhamente vivemos um bom tempo nesse estado de suspensão, até que um fato novo veio modificar tudo: ingratidão. A dor da ingratidão foi visitar minha amiga, após tantos anos de dedicação ao trabalho. Sim, ela seria forçada a se mudar dali, seu trabalho não recebera o reconhecimento que ela tanto esperava, e estaria sendo transferida. A notícia causou-lhe desespero tal, que abriu-lhe todas as feridas que um peito pode suportar, trazendo à tona os questionamentos de uma vida inteira, as oportunidades desperdiçadas, os degraus galgados, os atalhos não tomados, enfim, uma retrospectiva unilateral e solitária de toda uma labuta diária, que agora teria de deixar para trás, e pior, teria de iniciar em outro lugar, outro ambiente, outras pessoas.
E foi em meio a esse caos que nosso elo foi acionado, e nos celebramos novamente, com amparo, carinho, presença, apoio.
E trocamos anéis. Não nos demos conta, mas nos presenteamos com anéis, com círculos, com aliança, com cumplicidade.
E esse anel que ela me deu me serviu como uma luva, como o que eu dei também serviu como que por encomenda, sem uma saber a medida do dedo da outra. Coisas de ciranda, de cantiga. Coisas de roda. Roda da vida. Anel.
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Publicado por Lílian Maial em 14/04/2007 às 18h02