NO MEIO DO MEU CAMINHO TAMBÉM TINHA PEDRAS...
No meio do meu caminho também tinha pedras...
®Lílian Maial
Era um frasco branco de tampa vermelha. Na verdade, translúcido o suficiente para me permitir vislumbrar os contornos das infelizes. Sonsas! O tempo todo trabalhando em silêncio, me apunhalando pelas costas (na barriga, mas irradiando para as costas). Três pedras escuras, sombrias, lamacentas. Ficaram para trás.
Todo ano, naquela época, a mesma coisa: mamografia, ultrassonografia, exames de sangue e urina. Fazemos os exames, sim, mas com a certeza de que nada vai aparecer para estragar a festa. Este ano, no entanto, foi um pouco diferente...
Na hora da ultrassonografia, uma imagem estranha. A médica pergunta:
- “Você tem ou teve endometriose?”.
Frio na barriga...
– “Não, por quê?”
- “Nada de mais, mas apareceu uma imagem no ovário direito, que poderia ser um cisto hemático, ou algo parecido”.
Algo parecido? O que poderia ser algo parecido? Tumor? Câncer?
Resumindo a ópera: correndo fazer uma Ressonância Nuclear Magnética, que só o nome já dá calafrios. A maldita RNM confirmou imagem, não só no ovário direito, como também no esquerdo, e mais um cálculo renal à esquerda e pedras na vesícula! Raios! De onde veio isso tudo, se nunca sentira nada? Mentira! Sentira, sim, mas não dera valor. Achava que era algo sem importância e resolveu de forma caseira, mesmo, aliada à coragem de suportar umas dores na boa.
Enfim, os ovários deram mais medo do que qualquer pedra idiota. E faz exame daqui, faz exame dali, dezenas de marcadores tumorais. Nada de maligno. Ufa!
As pedras passaram, então, a ter maior importância, pelo potencial de complicações que traziam embutidas. E como não se deve deixar para amanhã o que se pode fazer hoje, cirurgia marcada de imediato.
Aí entra uma fase engraçada, a da negação: - “Não é nada, gente, só uma pequena cirurgia por vídeo”... No fundo, um medo peculiar, aquele de deixar os filhos sem amparo, sem caminho, sem futuro. Coisa de mãe. E o neto a caminho? Não seria melhor esperar para vê-lo, ao menos, uma vez? Gargalhadas no eco. Tolinha. A ideia era justamente operar logo para estar em forma para a chegada do neto, e assim será.
E assim foi.
Hospital, cheiro de hospital, cama de hospital, enfermeiros, nutricionistas, atendentes simpáticas, tudo um horror! A visão da anestesista parecia mais a visão do inferno. Seria minha algoz? (Ei, mulher, eu tenho asma, viu? E me dou mal com Tramal®, Juvenal!).
O médico entusiasta me prometia alta no mesmo dia. – “Isso não é nada. Uma cirurgiazinha ridícula” (é porque não é na barriga dele...). – “Só tem um porém: não pode ir para a sala de cirurgia sedada, tem de ir acordada”.
Está aí algo que não recomendo. Se você tem que operar, que tenha o mínimo de desconforto possível. E entrar na sala de cirurgia, como se fosse um abatedouro, não é a melhor situação de alento. Horrível ficar analisando cada azulejo, cada instrumento de tortura, cada tudo: fio, pano, metal, lâmpada, enquanto a equipe fala umas gracinhas sem noção. Melhor ir dormindo e assim permanecer, até estar na caminha junto à família de novo.
Mas não, sou médica, tinha que ser forte e também tinha que dar algo errado.
Não vou entrar em detalhes do desconforto de perceber a medicação anestésica começando a fazer efeito de maneira desagradável e agoniante, nem do despertar confuso e com o mesmo mal estar respiratório. Não houve erro, apenas engano no cálculo do tempo de ação do raio do opiáceo. Mas continuo recomendando que se vá sedada para a sala de cirurgia.
Voltei para o quarto muito sonolenta e mal pude observar as pedras enormes! Ficou para depois. Deixaram o frasco de tampa vermelha lá num canto. Só que os enfermeiros acabaram colocando lençois e toalhas em cima e, na hora de ir embora, não vimos o potinho, deixando as pedras no caminho.
Não tem problema, que fiquem por lá! As impressões que elas deixaram estão marcadas na pele, tatuadas como mais um capítulo.
Tudo é fugaz, nada tem tanta importância, quanto a que nós mesmos damos, de acordo com nossos valores.
No mais, é repouso e poesia, que o neto não tarda a chegar, e o colinho já vai estar pronto para recebê-lo, forte e aconchegante, com umas reticências engraçadas para ele brincar na barriga da vovó.
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