22/01/2007 21h32
CHUPANDO BALA COM PAPEL
®Lílian Maial
Não, caro leitor, não se trata de artigo sobre a nossa atual situação político-social, nem com o poder aquisitivo da classe média, como bem poderia o título levar a pensar. Infelizmente é mesmo sobre o velho chavão dos machistas de plantão. Mas o assunto é sério e é mundial. O assunto é AIDS.
A AIDS, na terceira idade, vem avançando de forma alarmante em todo o mundo e, em nosso país, as causas são fáceis de apontar, mas difíceis de combater. Vários fatores contribuem para isso, porém os mais destacados são as alterações no comportamento sexual, surgidas com o lançamento de drogas para disfunção erétil, associado à falta de informação sobre a doença nessa faixa etária, além da cultura vigente nos idosos de que preservativo é apenas contraceptivo ou para uso com prostitutas.
Para confirmar o avanço da doença, o Ministério da Saúde realizou uma pesquisa, em 2002, que revela que cerca de 67% da população entre 50 e 59 anos se diz sexualmente ativa, e 39% naqueles acima de 60 anos. Esses resultados levam à necessária e urgente discussão sobre o avanço da AIDS nesse público tão esquecido pelas campanhas de prevenção e visivelmente discriminado pela sociedade.
Nas propagandas publicitárias o grande enfoque de alerta para a AIDS é dirigida para adolescentes, ao passo que a propaganda de medicamentos que prometem acabar com a impotência sexual é voltada para a terceira idade. Ora, enquanto o Governo enfoca a prevenção nos jovens, são os idosos os mais esquecidos e teimosos na hora de decidir pelo uso do preservativo. Os jovens já crescem educados com a nova cultura, ao contrário das pessoas da terceira idade, que desconhecem até mesmo o modo correto de usar o preservativo.
E quando se pergunta a um idoso a razão do abandono do preservativo, em detrimento da própria saúde, vem o velho chavão de que não tem graça chupar bala com papel. Peraí! Não estamos falando de crianças inconseqüentes, muito menos de uma doença rara, que confira imunidade. Estamos falando de AIDS! AIDS, meus caros! Não cabe aqui esse discurso machista e ultrapassado de bala com papel! Estamos falando de vida, e vida não tem embalagem, não tem quentinha, não tem microondas!
As campanhas veiculadas pela mídia para conscientização da necessidade de sexo protegido foram de fundamental importância na modificação de práticas sexuais nas várias categorias de exposição, notadamente os homossexuais, que modificaram seus hábitos, passando a usar preservativo e a reduzir o número de parceiros, com declínio no número de novos casos. Por outro lado, houve elevação do número de contaminados de outras categorias, como os heterossexuais, que se consideravam distantes dos riscos, por acreditarem se tratar de doença relacionada à homossexualidade (a AIDS era considerada inicialmente como sendo “epidemia gay”). Isso resultou na necessidade de readequação das campanhas publicitárias, expondo claramente os riscos também para os heterossexuais.
Atualmente, a utilização de jovens nas propagandas impede que o idoso entenda que também ele tem risco de contrair o HIV, afastando-o dessa grave realidade. De certa forma, isto acontece pela dificuldade de se mencionar publicamente questões de sexualidade do idoso, como suas preferências e práticas sexuais. Vivemos um imenso tabu, que esbarra no preconceito, não só da sociedade geral, como por parte dos próprios idosos.
A reação da família ante o conhecimento da positividade do HIV em um de seus integrantes idosos gera, num primeiro momento, indignação e surpresa, especialmente por se ter revelado hábitos até então desconhecidos, geralmente fora do âmbito conjugal. Segue-se, então, a aproximação, traduzida pela preocupação e o envolvimento dos familiares no tratamento, naqueles que tinham laços de afetividade bem solidificados antes da notícia, diferentemente daqueles cujos relacionamentos já eram precários, que tendem ao abandono.
A pessoa idosa, em nosso país, já sofre com a discriminação, independente de ter ou não saúde, imagine se considerarmos um idoso doente, mormente decorrente de relações sexuais ou do uso de drogas. Os preceitos da ética, moralidade, religiosidade e dos padrões de bons costumes deveriam vir à tona para serem discutidos. No entanto, é mais fácil para a família e a sociedade ignorar, resultando no afastamento do meio social e até mesmo familiar, postura muitas vezes adotada pelo próprio paciente, a fim de se resguardar.
Para o idoso soropositivo a situação é mais complicada do que para os demais portadores do HIV, porque eles não possuem ambulatórios especializados em tratamento de pessoas idosas com HIV, nem grupos de auto-ajuda. Além disso, há maior dificuldade de tratar este grupo etário, pela presença de doenças metabólicas e do próprio envelhecimento, que comprometem a escolha da terapêutica adequada (anti-retrovirais), por conta dos efeitos colaterais, que agravariam as alterações preexistentes. Alia-se o fato que muitos pacientes têm seu diagnóstico estabelecido tardiamente, apresentando-se com doenças oportunistas, elevando-se a dificuldade de controle da doença.
A resistência das pessoas idosas em usar preservativo está relacionada com o medo de perder a ereção. Alguns ainda acreditam que só é necessário usar com prostitutas. A falta de informação, diálogo e discussão na mídia, torna a situação angustiante e o idoso prefere calar e correr riscos, muitas vezes sem saber que está correndo e expondo outras pessoas.
Para as mulheres, os especialistas alertam que fazer sexo sem camisinha é mais arriscado ainda depois da menopausa, porque nessa fase as paredes vaginais estão mais finas e ressecadas, favorecendo o surgimento de ferimentos, que abrem caminho para o HIV.
É bom que prestemos mais atenção a esse grupo, que incentivemos as campanhas de uso de preservativos, que conversemos com nossos pais, tios, avós, porque certamente teremos uma elevação do número de casos de pacientes da terceira idade, o que se deve não somente ao aumento da expectativa de vida da população geral, como também ao aumento da expectativa de vida dos pacientes soropositivos, decorrente dos avanços das terapêuticas anti-retrovirais. Desta forma, pacientes na quarta e quinta décadas atingirão a sexta década, colaborando, infelizmente, para a elevação das estatísticas de AIDS nos idosos.
No mais, que se passe a encarar o “papel de bala” como salvador de muitas vidas, que se exalte suas qualidades, e que se ensine a usá-lo com o mesmo prazer e infinitamente mais segurança.
Aqui damos muita ênfase nos cuidados com as crianças, pois que todos já fomos um dia, o que é louvável, mas não podemos nos esquecer dos cuidados com os idosos que, afinal, todos nós desejamos um dia ser.
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Publicado por Lílian Maial em 22/01/2007 às 21h32