Sobre essas coisas que batem à nossa porta, sem mais, nem menos...
Sobre essas coisas que batem à nossa porta, sem mais, nem menos...
®Lílian Maial
É estranho ainda pensar em nós depois de tanto tempo. Inevitável, quando já se comemorou tantas e tantas vezes a mesma data, que se anseia por ela, contando orgulhosamente os anos.
Vem aquela dor fantasma, que nem a que um amputado sente muito tempo depois da cirurgia. Não consegue entender o membro ou órgão operado. Sabe apenas que algo não está mais lá. E que dói, lateja, pulsa e não deixa esquecer que, um dia, já foi inteiro.
Esquisito por demais acordar pela manhã e precisar ocupar o dia de tarefas importantes, de atribuições imprescindíveis, de um cotidiano que não faz muito sentido, somente para passar o tempo, enquanto algo não acontece. Algo que não se sabe.
Lá pelo meio da tarde, quando as maritacas fazem algazarra e o dourado toma das folhas das árvores, nos damos conta da distração que foi o dia e do cansaço, sem muita explicação, sem exercícios, sem trabalho pesado, que se abate sobre nossos ombros. Um peso sem dor. Uma dor sem agonia. Uma agonia familiar, acostumada a incomodar sem muito estardalhaço.
Casa. Família. Cachorro. Noite. Novela. Internet. Mobília. Retratos. Velhas músicas e antigos livros. Mesmo endereço. Triste sina de passarinho.
Quem sabe não me bata à porta, dia desses, a simples libertação, numa surpresa que me traria alguma paz?
Não há como ter paz sem arrancar o espinho. Esse que fica cutucando a ferida de propósito. Essa gaiola de concreto, imposta pelo capricho do espinho que espeta e também se fere, pela simples necessidade de se fazer presente em dor.
Dia desses há de bater à porta a liberdade: azul, definitiva, suave e perfumada...
Hora de acordar e perceber que o dia já vai adiante, tantas coisas por fazer, o tempo urge, ruge e foge. Não era sonho mais uma vez. Preciso preparar o café da manhã do meu filho.
****************