14/01/2007 19h41
Aonde foi parar a inocência perdida?
®Lílian Maial
O brasileiro estava acostumado a observar as grandes catástrofes mundiais de camarote, muito embora sofresse mazelas endêmicas, como fome, má distribuição de renda, corrupção, seca e outras tantas que, por serem crônicas, não pareciam desequilibrar a resistência e a natural alegria dos brasileiros.
No entanto, de uns tempos para cá, o cenário mudou. De tanto criticarmos o mundo inteiro, parece que a vingança veio, se não a cavalo, certamente na revolta dos rios e das matas, na zanga de Gaia, que resolveu mostrar do que é capaz, quando instigada ou relegada a segundo plano.
Os últimos acontecimentos de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro corroboram o raciocínio. Escavar, ferir a terra, desmatar, alterar o curso dos rios, essa mania de grandeza do homem – senhor de todos os grandes feitos – vai levar a raça humana à extinção em breve, de acordo com o cientista inglês James Lovelock, em seu livro “A Vingança de Gaia”.
Lovelock, que acredita na Terra como um organismo vivo, compromissada com o equilíbrio, comenta que o superaquecimento global é irreversível, mesmo que, de agora em diante, todas as medidas fossem tomadas para tentar impedir a subida da temperatura da Terra, com suas devastadoras conseqüências para os seres vivos, notadamente a nossa espécie. Ele prevê que, por volta de 2040, a vida se torne insuportável no planeta.
Nós, que há alguns anos pensávamos que nossas dificuldades eram apenas a ditadura, o governo e a distribuição de renda, nos deparamos com situações de vulto mundial, e ficamos estarrecidos com nossa ignorância e incompetência para lidar com o que vem ocorrendo.
Dia após dia, novos fatos trazem à tona essa incapacidade. Grandes catástrofes começaram a ocupar os noticiários nacionais, como inundações, desabamentos, rompimento de barreiras, de conseqüências avassaladoras, com inúmeros desabrigados e a perda de vidas inocentes.
A irresponsabilidade do lidar com a terra é de todos, mas notadamente daqueles que detêm o conhecimento e a noção tecnológica dos riscos. Infelizmente os ambientalistas sempre foram vistos com desconfiança e certo desprezo, como um grupo de pessoas sem representatividade técnica, como meros sonhadores exagerados e alienados. O mundo confundia ambientalistas com adoradores do verde, misturavam ativistas ambientais com grupos de desocupados ou drogados acomodados.
Hoje o que se vê é que esse grupo – muito pequeno para enfrentar a mídia e os grandes interesses mercantilistas – está em evidência, valorizado pelo desconhecimento do resto do planeta, mas provavelmente de maneira tardia, já sem muito poderem fazer.
Sem dúvida tivemos alguns avanços, com reduções de 5, 10 e até 15% na emissão de gases tóxicos, que aumentavam o buraco de ozônio. Mas e quanto aos desmatamentos inconseqüentes de séculos e séculos a fio? E a destruição das florestas, para cultivo de alimentos e criação de gado? Pois se é a floresta a responsável pela manutenção da saúde da Terra, como sobreviver num planeta mortalmente doente?
Hoje choramos consternados sobre os corpos das vítimas do vultuoso desabamento nas obras da estação Pinheiros do metrô da cidade de São Paulo, que formou uma cratera gigantesca, como a engolir a ambição do homem e seu acotovelamento nas grandes cidades.
Lamentamos, solidários, os desabrigados de todas as cidades afetadas pelo rompimento da barreira da empresa Mineradora Rio Pomba Cataguases, em Miraí, na Zona da Mata, em Minas Gerais, que contaminou os afluentes do Rio Muriaé, que abastece diversos municípios de Minas e do Rio de Janeiro. Além dos estragos nas cidades, com lama e sujeira, corte de abastecimento de água, gastos absurdos com aumento no tratamento de águas, há um risco de adoecimento, quer pela lama e inundação de algumas localidades, quer pela possibilidade de algum grau de toxicidade, uma vez que houve derramamento de sulfato de alumínio, segundo reportagens anunciadas há dias.
Essa empresa, em março de 2006, já havia tido um vazamento para o rio Paraíba do Sul, quando foram detectados níveis acima do aceitável do elemento cromo, demonstrando um descaso do homem com a natureza.
Assim, vemos que Gaia está se manifestando. Não podemos pensar em vingança, mas já percebemos que mexemos onde não deveríamos ter mexido, sem os devidos cuidados.
Está na hora da geração atual sair dos cueiros e tomar as rédeas da situação, ler mais, se inteirar mais e partir para ações que, se não impeçam, ao menos adiem um pouco mais a mudança crucial que está por vir e por mudar radicalmente a vida dos habitantes da superfície da Terra.
A inocência dos velhos tempos de Brasil já era. Não cabe mais pão & circo. Não cabe mais fingir que não é conosco. Precisamos acordar, que o futuro está passando sob nossos narizes, e não estamos nos dando conta. Se não abrirmos já os olhos, amanhã pode não ser.
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Obs: Foto extraída do site de notícias da Globo.com
Publicado por Lílian Maial em 14/01/2007 às 19h41