Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
04/01/2007 12h02
Discutimos idéias ou pessoas?
Sou freqüentadora da internet desde os primórdios de sua criação, inicialmente para pesquisas, depois para exposição de meus trabalhos, e também para formação de grupos de bate-papo.

Em todas as minhas passagens, sempre percebi a vaidade, os interesses pessoais, a necessidade de atenção e afeto predominarem em relação ao apuro técnico-científico, ao aprofundamento do conhecimento, ao crescimento do ser humano com a informação.

E vejo que a internet não traz melhoras ou pioras a ninguém que já não possua a semente dentro de si; ela apenas detona, deflagra, torna mais evidente as qualidades e, principalmente, os defeitos e vícios.

A convivência virtual leva a uma certa comodidade nos relacionamentos, pois que vence a barreira da timidez e, infelizmente, a barreira social direta, ou seja, o conjunto de normas implícitas em relacionamentos interpessoais, que determinam até onde cada um pode ir.

Assim, uma pessoa pode maquiar sua personalidade e seus modos (virtualmente falando), intensificando as características interessantes e apagando (ou reduzindo) aquelas reveladoras dos defeitos indesejáveis.

De um modo geral, os sites de interesses comuns atraem todo tipo de freqüentadores, inclusive os sites de literatura, e verificamos um leque de faixas etárias, faixas de conhecimento geral e específico, e faixas de capacidade de convívio social.

É de praxe, num ambiente literário não virtual, que se discuta técnicas, gêneros, vanguarda, que se exponha trabalhos na intenção da crítica, e que se entenda a crítica como ao trabalho apresentado, e não à pessoa.

Num ambiente literário virtual, dada a imensa gama de freqüentadores anônimos, vão se formando pequenos grupos de amigos, o que é bastante salutar para o aspecto social, mas um tanto danoso para o aspecto técnico.

Quando se faz amigos, se procura manter um nível de relacionamento agradável, notadamente até se ter a certeza da amizade inabalável, quando então se passa a expor a verdadeira opinião de tudo (até então, as opiniões eram recobertas com uma camada de glacê, para não acabar abruptamente com a amizade em fase inicial, por uma palavra mal empregada).

Daí, uma amizade literária pode comprometer a crítica. Vc pode não gostar dos trabalhos de seu amigo, mas aí, como dizer-lhe sem feri-lo? Acaba-se por elogiar gratuitamente algo que não tem real valor, deixando nosso amigo com a falsa impressão de que fez um bom trabalho e, por conta disso, perpetuando seu erro e/ou sua mediocridade.

Ao contrário, se a discussão fosse somente do trabalho e não da pessoa, ele saberia que seu trabalho, aquele, foi medíocre, e se aprimoraria, tentando melhorar e alcançar uma crítica mais favorável e verdadeira futuramente.

Então, o que fazer? Não ter amigos em sites literários, ou se conformar em não ter uma crítica sincera?

Se as pessoas se preocupassem mais em discutir idéias do que a elas próprias, se fossem mais seguras de suas potencialidades e cônscias de suas limitações, tudo seria mais simples.

No entanto, o anonimato, a virtualidade mancha e mescla as duas coisas, e um não consegue se libertar do outro.

Desta maneira, quando recebemos uma crítica a um texto ruim (que qualquer um pode cometer), a crítica é tomada como à nossa pessoa, e sobrevem uma mágoa, uma necessidade de "retaliação", uma antipatia gratuita, em relação a alguém que apenas deu sua opinião SINCERA, ao contrário das 99% de críticas benevolentes em noma da amizade.

Chego à conclusão absurda de que a verdadeira crítica literária não tem espaço nos sites de literatura, sob o risco de se cometer pecados mortais.
E então é cometido o maior de todos os pecados, que é o da atrofia do crescimento.
Uma pessoa com certo talento, que poderia crescer muito, estudar, se aprimorar, vai acabar estacionando, achando que está muito bem, pelos comentários sempre positivos a textos ruins.

Eu realmente sinto falta de crítica sincera e mais aprimorada nos sites de literatura que, afinal, não são de literatura?

É claro, óbvio e ululante que pessoas com características afins acabam por se aproximar, e as amizades são inevitáveis. Mas, que se entenda que tal amizade não deve ser usada para elogios gratuitos e desmerecidos. Que se aprenda a elogiar em separado a bondade, beleza, sentimentalismo da pessoa, e a qualidade literária do seu texto. São duas coisas diferentes e não necessariamente coabitam.

E que quem receba uma crítica ao texto, não entenda como um juízo de valor pessoal, e não saia dando tiro pra todo lado e esperneando porque alguém achou um de seus textos ruim.

Estamos todos nesses sites para ler e sermos lidos, e para sabermos do nível de qualidade dos nossos trabalhos.

É falso quem diz que escreve por escrever. Mentira! Quem escreve, o faz para ser lido e para o outro conhecer suas idéias e sinceramente debatê-las. Naturalmente que preferimos as críticas favoráveis, mas precisamos aprender a lidar com as desfavoráveis também, sem que com isso corramos o risco de perder a amizade.

É como um filho, vc não o tem por ter. Vc quer que ele estude, cresça, se aprimore e venha a ser feliz, se possível recebendo críticas favoráveis quanto á educação que lhe foi dada.

Assim é a palavra, o verbo, a escrita: vc quer que saia de vc e ganhe o mundo, que seja feliz e que faça feliz, se possível recebendo críticas favoráveis quanto à sua criação.

Para isso, precisamos todos os dias nos exercitar, estudar, ler os clássicos, trocar IDÉIAS com os colegas, saber nosso nível através do melhor termômetro que possuímos, que são nossos iguais.

Vamos fazer uma campanha para a discussão de idéias, não de pessoas, pq pessoas morrem, idéias ficam. Poetas se vão, poemas se eternizam. Um livro pode até ser queimado, mas a idéia que ele implantou, essa atravessa milênios.

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Publicado por Lílian Maial em 04/01/2007 às 12h02



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