Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
20/12/2012 19h04
Maia versus Maial (ou: “acostumados ao fim do mundo”)

 

Maia versus Maial (ou: “acostumados ao fim do mundo”)

                                                                                                                                     ®Lílian Maial

 

Com a proximidade do “fim do mundo” na previsão dos maias, venho pensando na quantidade de fins de mundos que minha família - Maial - já enfrentou, sempre recomeçando, muitas vezes do zero.

Meus ancestrais do lado de papai – origem desse meu Maial – eram da Síria, mais precisamente de Damasco, e vovô veio muito jovem, ainda, rapazote, para o Brasil, a fim de se casar com vovó, menina de quinze anos, a quem nunca vira na vida, que residia em São Luís do Maranhão, também descendente de árabes (filha de pai sírio e mãe de origem francesa).

Ao vê-la pela primeira vez, vovô se apaixonou pelo tipo faceiro, mignon, cabelos cacheados, na altura do queixo, bem diferente das sírias de cabelos negros, longos e lisos de sua terra natal.

Vovó, por sua vez, namorava (e era apaixonada) por um vizinho, e nem passava por sua cabeça casar-se com vovô. Só que esses arranjos familiares, ultrapassados nos dias de hoje, naquela época, início do século XIX, eram comuns e obrigatórios. Então, para casar, vovô logo se estabeleceu como comerciante, como todo bom árabe, com negócio de tecidos finos, como sedas e assemelhados.

Minha pequena avó se viu em maus lençóis e combinou de fugir com o namorado, que lhe deu um bolo e desapareceu, deixando vovó desolada e sem saída. Não me perguntem o paradeiro do rapaz, pois o que sei me foi contado por vovó, que nunca mais soube dele.

Casaram. Vovó não gostava de vovô, mas ele era completamente louco por ela, enchia-a de mimos, fazia-lhe todas as vontades. Mudaram-se para Teresina (Piauí) e, lá, ele desenvolveu seu negócio com um sócio, servindo à sociedade abastada do local. Prosperaram.

Quando vovó estava grávida de papai, seu segundo filho, a mãe dela contraiu tifo e ficou muito mal. Então, vovó viajou para São Luís, para cuidar de minha bisavó, que se recuperou, porém, vovó foi derrubada pela doença, aos 7 meses de gestação.

Vovô, ao saber do risco de vida de vovó, largou tudo aos cuidados do sócio e foi ficar com sua amada. Ela, felizmente, sobreviveu e voltaram para Teresina, tão logo se sentiu forte para enfrentar a viagem.

Ao chegarem, o sócio havia limpado a loja, o estoque e deixado dívidas incalculáveis, levando a família à ruína, com um filho pequeno no colo e o meu pai, que nasceu logo depois de chegarem. Um verdadeiro “fim do mundo”.

E aí vem a saga de recomeço dos Maial. Vovô pegou a mulher e os dois filhos pequenos e veio para o Rio de Janeiro, tentar a vida do início. Conseguiu trabalhar numa loja de tecidos, agora não como dono, mas como simples vendedor, para dar sustento à família e, aos poucos, foi juntando aqui e ali, com paciência, dedicação e afinco. Depois de um bom tempo como empregado, conseguiu comprar uma barraca de feira e foi vender roupas, que era seu ponto forte. Acabou expandindo o negócio, com um tino incomparável para o comércio, a ponto de poder comprar apartamento e dar bom estudo aos (agora três) filhos.

Bem mais tarde, casado e com filhos, meu pai também veio a perder tudo e ter de recomeçar quase do zero, e só não afundou de vez, porque mamãe trabalhava e segurou o rojão, até ele conseguir dar sua volta por cima, com muita luta e à custa de uns bons anos de sua vida. Veio a falecer precocemente do coração, mas já com a vida da família garantida.

Encurtando o assunto, toda a família Maial tem uma história particular de fim de mundo. Todos, sem exceção, tiveram diante de si, de uma forma ou de outra, em algum momento de suas vidas, um “fim de mundo”.

Portanto, onde quer que haja um fim de mundo, seja inca ou maia, maranhense, piauiense ou carioca, sempre haverá um recomeço Maial.

Feliz Mundo Novo para todos!

 

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Publicado por Lílian Maial em 20/12/2012 às 19h04



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