30/12/2006 16h43
O Rio de Janeiro em Chamas
® Lílian Maial
Quando criança, lembro-me bem dos dias que se seguiam ao Natal. Era comum se sair às ruas, todas as crianças, mostrar os brinquedos novos, andar de bicicleta em grupo, sair de manhã e só voltar para o almoço, para depois sair de novo e retornar ao anoitecer, exaustos, imundos, felizes.
Hoje, por conta da violência, nossos filhos são obrigados a serem criados em apartamentos e em shoppings, mal sabem andar de bicicleta, são limpinhos, quase assépticos, e não possuem a cara rosada e risonha do nosso tempo de molecagens. Os dias seguintes ao Natal se passam em salas de Chat, em mensagens do “orkut”, ou simplesmente no quarto, com os fones de ouvido do novo MP3 ou 4.
O que mudou? O que aconteceu com os valores, com a moral, com o respeito e a bondade das pessoas?
Recuso-me a acreditar que o sistema repressor da ditadura proporcionava uma vida melhor. Não pode existir felicidade sem liberdade. Mas acredito que a repressão, a censura, o medo pudessem ter um efeito inibidor da violência, posto que a maior violência de todas governava.
As drogas, sim, as drogas! O tráfico gerou uma disputa de pontos, uma tentativa dos sem oportunidade de enriquecimento rápido, ilícito, arriscado, porém com poder, fama e usufruto de coisas antes apenas sonhadas entre os de baixa renda. E tudo coincidindo com a abertura política, de comércio (importados), de consumo, a liberação sexual, o lançamento de jovens despreparados e alienados no mercado de trabalho, que converteu-se, de uma hora para outra, na maioria de informalidade, tanto pelo despreparo dos jovens, quanto pela má qualidade do ensino, como pelo pouco incentivo ao investimento nacional na educação, saúde, indústria, comércio e agro-pecuária.
Miséria na terra natal, migração, superpopulação nas grandes cidades, redução da oferta/procura, miséria na cidade, vícios, fome, humilhação, crime.
No entanto, a raiz verdadeira da violência desmedida, do terror, da crueldade reside na quebra dos valores, desde a família, passando pela mídia (a nova escola da vida), até os (des)caminhos, atalhos e percalços da nossa ultrapassada e extremamente remendada legislação.
Sem lei, não há ordem. Qualquer criança testa isso e aprende na carne desde a tenra infância. E a sociedade é uma criança insatisfeita, que testa os poderes de todas as formas, e infiltra todas as camadas com novos conceitos deturpados, todas as vezes que a lei dá brechas.
Nosso Código Penal precisa de uma reformulação urgente, de medidas drásticas, de ser enxuto e preciso, sem margem a interpretações dúbias e a ciladas que os advogados aprendem a driblar ou provocar.
Um julgamento não deveria ser uma encenação de teatro, onde o ator mais tarimbado e mais amigo de diretor ganha o papel principal e leva a melhor. Não é ficção, é realidade. Não são personagens, são vidas!
Agora vejamos um condenado a 444 anos (outro dia deu no noticiário), que só pode ser condenado a 30, e sai por “bom comportamento” aos 10... Como isso é possível?
Nós trabalhamos no nosso dia-a-dia como condenados! Isso era uma expressão utilizada por um bom motivo: porque os condenados faziam trabalhos diuturnos para seu sustento e para o benefício de comunidades. Hoje, em nosso meio, o que verificamos? Presos em extremos opostos: ou os cheios de regalias, verdadeiros comandantes do crime organizado de dentro de celas de luxo, em oposição a miseráveis acumulados como animais enjaulados, nem sempre por crimes merecedores de tanta punição.
E quem determina isso? Quem fiscaliza? Quem desenvolve projetos? Estão todos largados à própria “sorte”. Vemos facínoras misturados a ladrões. Criminosos reincidentes convivendo com pessoas que cometeram pequenos delitos. E sofrem todo o tipo de humilhação, sevícia e abuso moral, transformando-se eles também em futuros assassinos.
Há que se fazer uma reforma legislativa urgente, uma reforma penitenciária, com a criação de “fazendas modelo”, mas não antros de bandidagem, mas instrumentos para trabalho sustentável, ocupação das mentes, trabalhos comunitários e uma verdadeira reintegração do preso.
Enquanto advogados de matadores impiedosos conseguirem burlar a lei e livrá-los das devidas penas, ou atenuar os infortúnios por trás das grades, essas cabeças continuarão a arquitetar o terror comandando lá de dentro os asseclas aqui de fora, perpetuando o tráfico de drogas, armas, violência e agora o terror.
Ao mesmo tempo que nós trabalhamos feito condenados, os condenados bolam, deitados em suas camas, assistindo a seus DVDs, recebendo parceiros em celas especias, os novos ataques a cidadãos comuns, a policiais civis e militares, apenas por terem sido contrariados, em represália a operações nos morros, ou apenas porque acordaram com vontade de churrasco.
A população precisa entender e se mobilizar para mudar a lei e a ordem das coisas, modificar os valores, não com falsos moralismos e ataques a pessoas de bem, mas com a seriedade que o assunto merece e a ação popular, que recentemente impediu que parlamentares aumentassem seus salários em quase 100%, enquanto que o povo não tem nem 10% há anos.
Não tenho como descrever o que senti ao saber e ver meu Rio de Janeiro em chamas, ônibus incendiados com pessoas comuns, idosos e crianças em seu interior, sem chance de escaparem. Não tenho como detalhar o que me percorreu pela espinha e pelas veias ao me sentir tão vulnerável numa cidade que me viu nascer, e para a qual trabalho com amor e dedicação. Não posso contar o que meu coração chorou ao me colocar noi lugar da mãe que morreu baleada, ao abraçar e proteger seu filho de 6 anos do tiroteio, nem o rapaz de 31 anos, policial militar, recém-promovido a cabo, que foi executado sem razão na Barra da Tijuca.
Precisamos falar, escrever, comentar com amigos, vizinhos, parentes, nos mobilizar para a tomada de atitudes que possam mostrar aos legisladores que exigimos a PAZ!
E é essa PAZ que desejo a todos, pois que é direito da humanidade, independente de raça, credo, poder aquisitivo.
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Publicado por Lílian Maial em 30/12/2006 às 16h43