"DANCING QUEEEN"
por Lílian Maial
Nessa mesa de bar, enquanto espero, sinto o faro dos homens tolos, dos solitários, lobos desdentados, leões grisalhos, e a matilha de infelizes, que nem sabem da alegria de esperar o amor.
Não há ponteiros no meu relógio, só uns ouvidos atentos, em meio ao caos urbano.
Sou vítima e vitrine. Sou o próprio tempo e todos os dias que ainda não fui.
Mais um gole de guaraná. Conversas e espreitas. A oportunidade de tocaia.
Sem os meus sinais, nada do que entendo é real. Sou uma fagulha de existência, nesse imenso universo de mim.
Tenho tempo de me perceber e aos outros rostos.
Vejo a fome da alma, a tentar devorar a carne, através de uns olhos baços, cintilantes de colírios, que não escondem a solidão dos nossos dias.
Vejo um desfile de agonias, abafadas pela música alta, disfarçadas pelos níveis de álcool no sangue, dribladas por torpes galanteios sem intenção de afeto.
Sangue. Eu quero o sangue. Quero o vermelho da paixão, a ingenuidade dos olhares plenos, a delicadeza dos toques preocupados, a singeleza de pedir por carícias sem palavras.
Carne. Sim, também quero a carne, mas não essa carne de liquidação, de ponta de estoque, mais barata por pequenos defeitos de fábrica. Eu quero a carne fresca, tenra, rosada. A carne regada a vinho, o vinho que vem da sede, sede de amor, sede de entrega, sede de cumplicidade.
Alma. Nada de sangue e carne sem alma, ou estaria falando de corpo, não de gente. Uma alma limpa. Uma alma desse mundo. Uma alma que abraçasse a minha, entendesse a linguagem dos homens e dos deuses. Uma alma que me tomasse pela mão, que me fizesse esquecer do tempo, que me trouxesse a infância em cada passo, em cada beijo, em cada afago.
Aqui, nessa mesa de bar, enquanto espero, sinto a solidão de purgatório, a que os homens se impõe. Uma pena, um auto-flagelo, uma confusão desnecessária. Bebe-se muito, come-se muito, dança-se muito, fuma-se, cheira-se, pica-se muito, faz-se muito sexo, faz-se muita ironia, muito desdém. Mas faz-se pouco amor, pouca doação, fala-se pouco, ouve-se pouco.
Não há folhinhas em meu calendário. Os dias passam em minha mente, de trás para a frente, de frente para trás, ao som de rock, blues, techno. Boleros, tangos, minuetos. Minha vida seria um soneto, um terceto, uma trova. Por ora, um verso inverso, uma prosa, uma drusa.
Já me sinto confusa, talvez do vinho que não fui bebida. Talvez da espera ao longo da vida.
Vida... longo...
Não! É curta e passa, está passando, estou passando.
É quando o homem de terno branco e pele negra me sorri pérolas e me oferece a mão rochosa. Nele, o tempo é verso e prosa.
Levanto-me canção e bailo descalça, imersa em saudade. Danço a música que me orquestra. Deslizo em tapetes de metas, planos e vontades. Decido doar o relógio e o calendário. Ouço as notas que ninguém percebe. Ali, num segundo, eu sou eterna.
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