DEFINIÇÃO DE AMOR
®Lílian Maial
“Lembra quando esteve aqui no meu apartamento e falou um tantão de coisa? Uma eu não esqueço: esse armário de casal é só seu, logo estará preenchido do outro lado. Acertou! Tudo passa. Só que perdi a definição de amor”.
Lucilaine
Perder a definição de amor soa como uma coisa grave.
Mas qual seria a definição de amor?
Seria algo envolto em inocência, com promessa de eternidade, passando pelo crescimento, pela construção de um futuro e um “colher frutos” juntos?
Seria a incondicionalidade do sentimento, com a necessidade de cuidado, de compartilhamento e cumplicidade?
Seria o depositar da esperança, numa conta conjunta de confiança com o outro?
Seria a entrega de todos os sonhos, esparramados aos pés da pessoa amada, contando com os passos macios?
No fundo, é tudo isso. Talvez nada disso. Quem sabe apenas a nossa própria identificação no outro?
E, se é assim, como alguém pode perder a definição de amor? Como perder algo que está dentro de nós?
Sim, porque sentir amor pelo outro é possuir um amor dentro de si, que se doa ao outro. O outro desperta em nós essa vontade, mas é de dentro de nós que surge o amor.
O problema é que nós idealizamos e antecipamos, em projetos, o amor. Já imaginamos, no primeiro ano de vida em comum, como será cinquenta anos adiante, e vamos, lentamente, passo a passo, construindo essa certeza.
Aí, de repente, se está novamente sem o objeto do amor e se perde o chão. Não porque se perde a definição de amor, mas porque já não se é mais adolescente em busca de um parceiro de sonhos. Já somos adultos com uma bagagem de vida, com boa dose de amargura, decepções e cicatrizes. E, apesar de já possuirmos a plena consciência da maturidade, que se nos foi imposta pelo tempo, atavicamente ainda procuramos, no possível novo alguém, aquele adolescente que encontramos há anos, com as mesmas tolices, as mesmas certezas, planos e afinidades. Esquecemos que já não somos a menina, somos agora a mulher.
É por isso que se tem a sensação de perda de definição do amor, embora o que se perca seja a ilusão de menina, a inocência do amor eterno, o aprendizado de quem nada sabia da vida. Isso não tem volta, e não se acha mais em mais ninguém, nem em nós. Isso era uma coisa só daquela etapa da vida, daquele casal.
Faz-se necessário aceitar as fases da vida, como capítulos de um longo e surpreendente livro, onde somos autores e protagonistas. Tem o capítulo do nascimento, o da infância, da adolescência, do casamento, da maternidade, do mercado de trabalho, das dificuldades em criar filhos, dos filhos adolescentes, do adoecimento dos pais e sua ausência muito sentida, e tem o capítulo das separações e do recomeço. Nesse meio-tempo, o capítulo, não menos importante, das muitas cabeçadas, noites insones, lágrimas incoercíveis e lembranças dolorosas. Tem o capítulo dos Natais e Reveillons de solidão, o das datas marcantes, como de aniversário de namoro, noivado e casamento (onde muitas vezes se contam as bodas disso e daquilo – pura tortura do nosso subconsciente masoquista).
Nossa! São tantos capítulos de ponta-cabeça!
Contudo, há o capítulo da independência, o da vota por cima, o da descoberta da força, por baixo de todas as fragilidades, o do autoconhecimento, o do altruísmo e da bondade. Ué... Mas isso tudo não é amor?
Viu só? Não se perde a definição de amor, pois em tudo o que se faz, se coloca amor. Tudo o que nos cerca, nos locupleta dele. O que precisamos é identificá-lo nas pequenas coisinhas do nosso dia-a-dia, e deixarmos aflorar, para nós mesmos, essa incrível capacidade de amar e perdoar, mesmo àqueles que nos trouxeram esse novo capítulo, do nosso livro da vida, chamado dor.
Eu acredito, piamente, que só podemos começar um novo capítulo, quando conseguimos perdoar. Mas não perdoar da boca pra fora e, por dentro, ainda se remoer de “por que” e “como seria”. Falo de perdoar de verdade, a ponto de torcer para que o outro reencontre seu caminho e consiga prosseguir. Isso é o mais difícil de tudo. E o mais profundo. E é quando se está só, num cantinho do quarto, que se sabe se houve ou não o perdão.
Talvez, quando alcançarmos esse patamar, e só então, tenhamos reencontrado aquela definição de amor perdida lá atrás. Aí, finalmente, é hora de escrever mais um capítulo, que é o “vou ser feliz novamente, de um jeito diferente daquele que já fui um dia, porém não menos grandioso e gratificante”. Até lá, não há o que se assustar com as águas que rolarão, com as olheiras que surgirão, ou com a sensação de vazio. Isso é um percurso comum a todos os que já amaram demais, e com plena definição de cada minuto desse amor.
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