Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
09/11/2010 20h59
REINAÇÕES E PIRAÇÕES
REINAÇÕES E PIRAÇÕES
®Lílian Maial


 
Não poderia deixar de escrever alguma nota acerca da denúncia da Secretaria de Promoção de Igualdade Racial sobre o livro “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato, um dos maiores autores de literatura infantil brasileira, de que teria um cunho racista.
Precisamos avaliar com muito cuidado esse tipo de coisa, aqui no Brasil, para não se criar um clima de rivalidade e instigar atitudes mais apaixonadas.

O Conselho Nacional de Educação (CNE) deu parecer favorável à denúncia e, segundo a Secretaria de Alfabetização e Diversidade do MEC, a obra só deve ser usada "quando o professor tiver a compreensão dos processos históricos que geram o racismo no Brasil".  Ora, será que o MEC não confia nos professores que credita?

O livro já foi distribuído pelo próprio MEC a colégios de ensino fundamental pelo Programa Nacional de Biblioteca na Escola (PNBE)!
Publicado em 1933, o livro narra as aventuras da turma do Sítio do Pica-pau Amarelo em busca de uma onça-pintada. Conforme o parecer do CNE, o racismo estaria na abordagem da personagem “Tia Nastácia”. Um dos trechos que sustenta a argumentação do CNE diz: "Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão". Outro diz: Não é a toa que macacos se parecem tanto com os homens. Só “dizem bobagens.”

Para a autora do parecer - Nilma Lino Gomes - professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o livro deve ser banido das escolas ou só poderá ser adotado caso a obra seja acompanhada de nota sobre os "estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos raciais na literatura". Muito barulho...

Naturalmente, qualquer pessoa afro descendente pode se sentir magoada, se apontada como macaco, carvão, urubu ou qualquer menção pejorativa de sua cor. Contudo, há que se entender que o livro foi escrito num contexto completamente diferente do de agora, e que tal situação fica clara na leitura contextualizada do livro.

Se fôssemos censurar a leitura de todos os livros que ferissem minorias, não se poderia conhecer a História! Livros sobre judeus, muçulmanos, índios, ateus, evangélicos, orientais, todos seriam banidos. Não se poderia estudar a Alemanha nazista, por exemplo, em sala de aula!

Entendo que o racismo de qualquer espécie não tem cabimento, é um absurdo, mas precisamos tomar cuidado para não levarmos a coisa a extremos perigosos, a atitudes revanchistas e separatistas, que só poriam a perder todos os avanços sociais e legislativos que a população, como um todo, vem alcançando, a duras penas, ao longo dos anos.

O retorno de qualquer tipo de censura fere a democracia e atropela obras atemporais, como esta. Seria um retrocesso! E pior desigualdade é ainda termos milhares de crianças sem acesso a obras literárias do nível das de Monteiro Lobato.

Censurar Monteiro Lobato é como censurar nossa cultura, é como censurar Macunaíma, Saci Pererê e tantos outros personagens riquíssimos do nosso rincão.

Enquanto esses representantes pensam em censurar Monteiro Lobato e todo o seu mundo de fantasia genuinamente brasileira, vemos nossos filhos serem massacrados por uma mídia norte-americana recheada de violência, pornografia, palavras de baixo calão, transformando crianças brasileiras em escravos estúpidos da telinha, tenham a cor ou o credo que tiverem.

Não podemos permitir que afastem nossos filhos cada vez mais da inocência, da decência, do conhecimento, da literatura e do ensino de qualidade. Nossas escolas, ao contrário, deveriam introduzir toda a coleção do Lobato no ensino fundamental, para que nossas crianças pudessem brincar no Reino das Águas Claras e se sentirem acalentadas pelos conselhos de Dona Benta e as reprimendas de Tia Nastácia.

Nossos Pedrinhos e Narizinhos merecem e agradecem.

 
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Publicado por Lílian Maial em 09/11/2010 às 20h59



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