Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
16/06/2010 21h57
O SAL DA TERRA
®Lílian Maial


 
O choro de Jong Tae-Se, o jogador camisa 9 da seleção norte-coreana, comoveu  Johanesburgo e o mundo. O moço, de 26 anos, japonês de nascimento, de pais sul-coreanos, naturalizado norte-coreano por convicção, parecia drenar um sentimento que não cabia em si e cascateou pela face do rapaz.

Com um regime político extremamente fechado, seu país, que já admitiu possuir bomba nuclear, num momento de crise com a Coreia do Sul, após o afundamento de um navio sul-coreano, em março deste ano, matando 46 marinheiros, e com seu ditador adoentado e idoso - Kim Jong-il - não permitiu que os cidadãos saíssem do país, que tem cerca de 24 milhões de habitantes. Por conta disso, sua torcida foi forjada.

Na verdade, chineses contratados, recrutados pela empresa China Sports Management Group a pedido do Comitê de Esportes da Coreia do Norte, que forneceu cerca de mil ingressos para que ocupassem uma pequena parte das arquibancadas do estádio em Joanesburgo, formaram um animado grupo, com bandeiras e cachecóis nas cores vermelha e azul, apoiando a Coreia do Norte, ou seja, um bando de atores chineses contratados pelo regime norte-coreano.

O uso dos esportes pelos políticos, notadamente os autoritários, é bastante conhecido e usado para conquistar espaço junto à população, ou melhorar sua imagem no exterior, ou ainda exibir a “eficiência” de seu regime (lembram da antiga União Soviética nas Olimpíadas?).

E o choro de Jong Tae-Se, no momento do hino de seu país, traduzia a emoção de estar ali, na Copa do Mundo, com a oportunidade de jogar contra os pentacampeões, mas também era um choro de represa rachando o coração, lágrimas pelo povo oprimido, que sequer pôde acompanhar seu time em tempo real.

Foi noticiado que a TV estatal adquiriu os direitos de transmissão na última hora, mas que nem cogita passar as partidas ao vivo, para evitar que se vejam quaisquer imagens de protestos contra o líder Kim Jun-Il nos estádios da África do Sul, ou eventual vexame da equipe em terras africanas.

Assim, apesar da derrota, o jogador que marcou o único gol da Coreia do Norte festejou pela importância e pelo simbolismo daquela marca sobre os pentacampeões mundiais.

Voltando ao Jong Tae-Se, não houve quem não se emocionasse ao ver aquele rapagão chorar com cara de criança. Quem sabe por qual motivo? Se pela honra, se pelo medo, se pelo orgulho, se pelo povo sofrido que, além de tudo o que já suportam, não teriam nem o enlevo de usufruir de um congraçamento esportivo.

Embora adversários, os coreanos do norte cativaram um espaço terno em nossos corações, um misto de simpatia, solidariedade e conhecimento de causa, ou, talvez, apenas a identificação da liberdade das lágrimas, do breve direito de mostrar os sentimentos em público, custe o que custar.

Não houve maior representatividade do povo norte-coreano do que a explosão daquelas águas represadas, que inundaram de beleza e esperança o peito de todos os povos do planeta. 

 

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Publicado por Lílian Maial em 16/06/2010 às 21h57



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