16/01/2010 00h23
HAITI, ANGRA, ILHA GRANDE E MEU CORAÇÃO
Haiti, Angra, Ilha Grande e meu Coração
®Lílian Maial
Relutei muito, antes de escrever sobre essas tragédias que nos chocaram desde o final do ano passado. A dor do outro é a minha dor. Posso sentir o cheiro da morte, as cores do desespero, o gosto de desamparo.
As fotos dos desabrigados, feridos e órfãos de esperança se assemelham em qualquer parte do mundo. Somos calejados, lutando arduamente contra a mortalidade infantil, a violência, a fome, a miséria, tragédias não menos graves e desalentadoras, por serem endêmicas, crônicas, e não mobilizarem o mundo todo, como as catástrofes amplamente noticiadas.
A dor da perda não tem etnia, credo ou classe social. É universal.
Todas as vezes que me deparo com notícias de mortes, sejam por fenômenos devastadores da natureza, sejam por crimes violentos, por acidentes de trânsito, passionais, justas ou injustas, sinto como se fosse eu a perder. E, no fundo, é assim.
Fazemos parte de um coletivo indivisível, raciocinamos, vemos, falamos, amamos e odiamos, de maneira geral, da mesma forma, entendendo o que significa cada um desses sentimentos.
Quem não consegue entender o que seja saudade?Pode até não haver palavra em outra língua que traduza o mesmo significado, mas todo ser humano sabe o que é e já sentiu.
Quem não sabe o que é medo? Qual ser humano não aprende seu significado logo na tenra infância?
Quem não compreende o que seja proteção? Afeto? Amor?
E o que é feito de nós, quando perdemos o chão, o teto, o aconchego?
Há pouco vimos famílias inteiras dizimadas pelos desabamentos e alagamentos provenientes das chuvas, em diversas cidades do país. Acompanhamos entrevistas doridas, enterros, despedidas. Vimos o olhar de desesperança daqueles que levaram uma vida inteira de trabalho para construir um lar e seus pertences, e verem tudo ser levado pelas águas, incluindo seus bens mais preciosos: a família.
Agora vemos um pequeno e pobre país devastado por terremotos, onde milhares de vítimas - mortas, desabrigadas, feridas ou órfãs - aguardam um milagre que não virá, estupefatos, ainda, e sem terem aonde ir.
Não há como não sentir! Não há como não nos colocarmos em seus lugares, imaginar o que estarão passando e o que a vida ainda lhes reserva.
Por isso relutei tanto em escrever sobre o Haiti, porque, de verdade, não há como não me ver nos olhos daquele menino sujo de cimento e sangue, sentado na calçada dos escombros, com o olhar num horizonte fictício, atônito, sem chão e sem nada, nem mesmo a morte.
Hoje eu também estou no Haiti, como estive em Angra e na Ilha Grande, que, como o Meu Coração, estão de luto pela perda de seus filhos, meus irmãos.
Sei que nada posso fazer para impedir a dor de todos os que ainda sentirão dor, os que ainda mendigarão, os que ainda implorarão pelas vidas dos seus filhos, os que ainda tirarão a vida de outros irmãos, os que contribuirão para a dor alheia, porém, posso elevar meu pensamento, espalhar a palavra e entoar uma prece, um cântico, um acalanto.
E que a Grande Mãe se apiede de seus filhos e de nós, mães de todos eles!
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Publicado por Lílian Maial em 16/01/2010 às 00h23