20/10/2009 20h14
CAUSA & EFEITO
Causa & Efeito
®Lílian Maial
Venho de uma estirpe de cegos, desses que não querem ver, enlevados por canções de ventos longínquos. Desde menina, tento imitá-las - as canções – nos bicos dos pássaros, afinar estações, verdejar caminhos, mas as folhas secas e os gravetos esquálidos me apontam outonos.
Tenho a marca de nascença dos versos gravados em sangue, vertendo anêmicos desejos e tímidos planos, frutos de uma sede atávica de um sertão de vozes. Não há migalhas nas rimas do tempo. Não há pistas de estrofes a sinalizar a volta.
Trago um código genético indecifrável, por mais que as letras me devorem. Há um embaralhador oculto entre as cordoalhas que me sustentam de poesia, que mexe e remexe e soterra as poucas palavras que ouso.
Carrego a tradição de séculos de moribundos, deambulando pelas noites sem lua, qual nosferatu que sabe o sol. Erro pelos cantos escuros, ávida de artérias pulsantes em páginas emboloradas.
Sustento o peso dos rostos, os lanhos dos olhares e o desprezo dos ancestrais que não honrei, que me deixaram, em testamento, os tomos que me escrevi. Reviro a expressão da última vontade de um homem dentro de todos os homens. Em escrita formal, a herança é a solidão.
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Publicado por Lílian Maial em 20/10/2009 às 20h14