MINHA MÃE
®Lílian Maial
Lendo o texto de um querido amigo, ele dizia que nada o incomoda mais, do que idealizações em relação à maternidade. Disse, com muita propriedade, que mãe é uma mulher, ser humano, sujeita a fazer bobagens e também a amar.
Nada mais justo. A maternidade é uma fase do ciclo evolutivo da mulher – fêmea – que cumpre seu papel na perpetuação da espécie. Mas, calma! Não é isso o que distingue a mãe do pai que, afinal, também entra na história da tal perpetuação.
Mãe não tem a ver com rosas, anjos, nuvens e céu. Não! Mãe não é uma coisa estática ou delicada. Começa que mãe é casulo. Seu útero envolve e protege. Seus líquidos acolchoam. Seu calor conforta. Seu sangue nutre, feito seiva que fortalece as árvores. Mãe é frondosa, tem braços de mil galhos, faz sombra e afasta o perigo. Está mais para jequitibá.
Não sei de onde mãe tira tanta energia, muitas vezes deixando de se alimentar, para cuidar da cria, e ainda se desdobrando sempre mais e mais. É um bicho engraçado, que tem mais mãos e colo, do que nervos. Tem mais olhos e ouvidos, do que estresse. E quanto mais dá, mais tem para dar.
Mãe está em todo o lugar!
Meu filho caçula está na fase de temer a minha morte, e eu sempre repito que, enquanto ele viver, eu estarei viva nele, pois em suas veias corre meu sangue, em suas células há meu DNA, e em seu coração há meu sorriso.
Nem sempre mãe tem a paciência que a mídia apregoa, uma tolerância insuperável, que, eu diria, chata. Às vezes, tem também uns acessos de raiva (que ninguém é de ferro), dá bronca, se sente vítima, se faz de vítima.
Algumas são muito solitárias, tanto, que fazem, dos filhos, os cônjuges, no que concerne às preocupações e divisão de responsabilidades, por vezes, vindo a causar atraso na independência deles, sempre com doces desculpas e verdadeiras ameaças, como bandidos, tarados, balas perdidas, más companhias. Acontece, sim, mas ninguém deixa de levar a vida adiante.
Mães, em algumas ocasiões, se esquecem que também já foram filhas, e que o que mais queriam, então, era que suas mães as libertassem do jugo e da desconfiança em sua capacidade de andar com as próprias pernas.
Não se pode escolher a mãe ou o filho que se vai ter, porém só se é o que se é, em consequência do que se recebeu, seja em atenção, construção, educação. E não há faculdade, pós-graduação ou emibiei em maternidade ou paternidade.
Muitos pais confundem respeito com medo, educação com maus tratos, amor com submissão.
Lembro-me bem que fui, por muito tempo, a filha malcriada, respondona, rebelde “do contra”, tipo ovelha negra, mesmo. Essa pecha me foi importante, de certa forma, para me dar os instrumentos necessários à independência, o aprender a me virar, o assumir responsabilidades pelos meus atos mais cedo, sem o passar a mão na cabeça, que a maioria dos filhos muito paparicados acabam por não ter.
Hoje, além do amor natural que nutro por minha mãe, há o reconhecimento e, por que não dizer, a surpresa dela, ao me ver preocupada e assumindo os cuidados com sua saúde e seu bem estar, sempre ao seu lado e enchendo-a de carinhos e mimos. Ela parece não se reconhecer na pessoa que me tornei. E eu sou toda ela.
Ser mãe não é um clichê vulgar.
Ser mãe não é padecer no paraíso, como se fora um castigo. Quem pensa assim, nunca foi mãe. Ser mãe é uma experiência inigualável, uma função vital a mais, e, como brinde pelas dificuldades, uma dádiva indescritível, pois que é toda uma existência rica em signos, sentidos, verdades, e é única, mesmo que os filhos sejam muitos.
Hoje, quando olho para trás, se colocar na balança tudo o que minha mãe fez ou deixou de fazer, vejo que o lado positivo venceu fácil. Sei que me transformei na mulher que sou, graças ao que aprendi com seu exemplo, com sua força e determinação, com sua dedicação ao lar (com inúmeros sacrifícios pessoais), e com sua firmeza de caráter, e sua fé em mim. Ela soube esculpir, em mim, seus melhores traços, e sente, agora, a confiança no meu amor e gratidão. Tem a certeza que nunca seria abandonada, enquanto eu estiver por perto.
No dia de hoje, trago, ainda, uma outra mãe no meu coração: minha avó materna, de quem herdei o nome, e que ajudou mamãe a me criar até certa idade, enquanto trabalhava para nosso sustento. Dela eu adquiri o gosto pela carreira de cuidar dos outros, a generosidade, a meiguice, a simplicidade e a resignação com o que não pode ser mudado.
Tive, também, a bênção de ter tido uma mãe postiça, uma mulher engraçada, que passou a trabalhar lá em casa, quando eu estava na transição de criança para mocinha, e que me deu o colo virgem, em momentos que minha mãe não podia estar presente, e que, como mamãe, me ensinou outras coisas, como o gosto pelos trabalhos manuais e a brincadeira de criança (ela fazia roupinhas para minhas bonecas e para mim).
Por último, já mais na idade adulta, meu pai, que foi, mais no final de sua vida, meu filho, também já foi minha mãe, me deu colo, acordou muito para me cobrir à noite, foi meu companheiro, confidente e meu chapa.
Mas o dia de hoje é das Mães, e a minha mãe, com seus 78 anos, já muito ferida pelas doenças crônicas, permanece a minha ídola: mulher guerreira, independente, ativa, altiva, amiga, que até hoje erra e acerta, e que está lá para mim, pro que der e vier.
Vejo-a como a via quando eu era pequena: linda, exuberante, maquiada, elegante, perfumada, batalhando pelo ninho, pelo parceiro e pelos filhotes, ou seja, uma D. Quixote de saias. E me espelho naquela que me traduziu e me adivinha, bruxa fantástica que é, sempre com uma poção mágica para curar minhas dores.
Hoje, que tenho meus próprios filhos, entendo seu medo, suas rezas e promessas, seu cerceamento, sua ansiedade, porque me vejo com as mesmas reações, quando meus filhotes estão longe de mim.
Continuo a aprender com ela, tentando me aperfeiçoar para os meus, sabendo que, como ela, não sou perfeita, mas sou o que eles têm. E tenho a certeza que, como aconteceu comigo, melhor, eles nunca teriam.
As crianças nascem e os médicos cortam o cordão umbilical deles, mas o nosso, das mães, nunca mais será cortado, nem mesmo pela vida.
************