19/03/2009 20h50
SCENARIUM
SCENARIUM
® Lílian Maial
Hoje me dei conta de que não possuo mais a poesia de arroz com feijão.
Eventual salmão grelhado, regado a um doze anos, não verei teu despertar dos sonhos, e meu pesadelo é não saber de teus cuidados.
O cenário é outro. Sou proibida de te afagar as dores, de te acalentar os medos ou de apenas atenuar a febre.
Teu balbuciar, ao acordar da anestesia não me pertence, como não é meu nome que tua voz pronuncia, nem é minha a alegria dos teus olhos a cada nova conquista.
Percebi o grão de areia no vasto oceano das lembranças, levado pelas ondas que nem se dão ao trabalho de perceber a sílica. Areia despercebida numa praia onde o velho sol nasce e se põe, sem nem se importar se há ressaca.
De repente a finitude se amontoou no horizonte das palavras. Os versos enrubescem ante a inocência tola de uma rima equivocada, e o verbo perde a ação depois de tantas desinências.
Os dias passam sob narcose e a incisão profunda nem sempre dói.
Mas o tempo brinca de roda com a solidão do dia seguinte, e um fio de ontem se esparrama nos lábios, com gosto de surpresa.
A madrugada revela que não é ilusão a dor fantasma da amputação insidiosa.
O ar existe, a chuva cai, o vento venta, o sol se ergue e se esvai, o mar se encrispa, a flor se abre, o pássaro canta, o pinho chora.
Só que hoje me dei conta de que não poderei velar teu corpo.
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Publicado por Lílian Maial em 19/03/2009 às 20h50