®Lílian Maial
Apesar de suspeita para falar sobre a mulher, por ser autêntica representante da espécie, sinto-me confortável em discorrer sobre o tema, tão complexo e delicado (como nós), num mundo, até bem pouco tempo, só de homens.
A coexistência pacífica e complementar entre homens e mulheres sempre foi um ideal, mote favorito para crônicas e artigos, verdade absoluta e incontestável. No entanto, de uns tempos para cá, venho olhando por outro prisma, observando o comportamento, tentando compreender a razão dessa cisão, dessa separação desnecessária e infeliz, de maneira mais abrangente e menos radical.
Percebo que a cultura de um povo determina, na maioria das vezes, o comportamento social. Historicamente isto é bem evidente. Há uma necessidade vital de sempre existir um comandante e um comandado em qualquer relação, e isso se perpetua através dos séculos, não obstante todo o conhecimento adquirido, todas as lutas travadas, todo o pseudo-abolicionismo.
O ser humano sente imenso prazer em dominar, conquistar, usurpar, como um desafio que o homem assumiu desde os primórdios da civilização, pela força física privilegiada em relação à mulher. Esta, por sua vez, pelas vicissitudes anatômicas (ciclo menstrual, gravidez, lactação), acabou por acomodar-se na postura de frágil, delicada e submissa.
Se analisarmos friamente, não tem nada a ver a submissão, pois essas tarefas naturais da mulher (gestação, parto, amamentação) homem nenhum poderia assumir, ao passo que ela, com algum esforço e treinamento, poderia desempenhar qualquer atividade masculina.
Contudo, o homem sempre se prevaleceu de sua força física e teve nela sua maior habilidade, sem muita capacidade para a argumentação, compreensão lógica das idéias e vontade de dividir espaço (o que é facilmente observado nos meninos, diferentemente das meninas, sem que nunca ninguém os tenha ensinado). Daí, que ele gostou da posição confortável de caçar, pescar, proteger, mandar e ser obedecido.
A mulher, por seu lado, cedeu com a maior facilidade, pois era difícil gestar, parir, alimentar a cria, cuidar da prole, e ainda ter de combater, defender o clã, caçar, pescar e estar bem e refeita para o encontro com seu macho.
E essa conversa veio se perpetuando ao longo dos milênios, sendo modificada de acordo com cada cultura, região, religião.
Artistas pintaram, cantaram, recitaram, enalteceram a mulher, não por seus feitos, sua força interior, sua luta, sua capacidade de resolver questões e propor medidas que mudariam o mundo. Não! Adoravam a mulher por suas formas e sua maternidade. Ora, isso não é qualidade de mulher alguma, é genético, é obra da natureza. Não há o que enaltecer. A mulher tem essas formas, com seios e curvas, porque é a fêmea da espécie. Tem útero e pode engravidar porque é a fêmea da espécie e isso é característico, não é mérito.
Deveriam pintar a mulher e o homem, ambos caminhando e trilhando o sucesso e o fracasso da mesma maneira, tanto profissional, quanto pessoal e familiarmente falando.
Como os homens adoram conquistar e disputar seu poder, as guerras foram inevitáveis e as mulheres precisaram exercitar as artes de defesa, o comando, a organização do clã, e notaram que podiam perfeitamente conciliar tais tarefas com as suas habituais.
Aos poucos, o retorno dos homens - vitoriosos de suas conquistas - levou as mulheres de volta à condição anterior, o que começou a incomodar a muitas, aquelas mais dinâmicas, mais esclarecidas, mais dotadas de iniciativa, passando a aceitação da submissão a ficar intolerável.
Ameaçadas de perder o papel de donzelas frágeis e indefesas, e invejosas da inteligência, coragem e aptidão das guerreiras, as mulheres acomodadas deflagaram batalhas subliminares àquelas revolucionárias, unindo-se silenciosamente aos homens na manutenção do domínio, num machismo cruel, insidioso e profundamente marcado na educação dos filhos.
Por conta disso, implanta-se essa divisão desnecessária e imbecil entre homens e mulheres, numa disputa incessante, numa violência subentendida, numa discriminação camuflada em pequenos detalhes, numa total falta de lógica e adaptabilidade.
Se homens e mulheres se percebessem iguais, com as mesmas possibilidades de carreira, de vida familiar, de respeito e felicidade, apenas com responsabilidades da natureza um pouco diferenciadas (maternidade x força física), seriam infinitamente mais felizes, haveria menor incidência de crimes, de drogas, de guerras, de fome, de abandono, de desamor. O homem contribuiria em casa normalmente, como se não houvesse mulher, a mulher batalharia na rua, para o sustento, como se não houvesse homem, e ambos curtiriam as gestações, a família, a criação dos filhos, com o mesmo orgulho, disposição e disponibilidade.
Com a divisão absurda de homem provedor e mulher dona de casa, a própria sociedade passa a impor à mulher tarefas (as quais ela mesma não se enquadra) e rejeita que ela almeje “coisas de homem”.
Então, somente aquelas que decidem não se acomodar e tomar para si o que sempre foi seu, que é a liberdade de escolher ser o que tem vontade de ser, sem ter a obrigação social de “agir como mulher”, somente elas atingem a verdadeira liberdade interior, muitas vezes à custa de uma sobrecarga de responsabilidades, já que dificilmente encontrará um homem que naturalmente divida sua total liberdade com uma mulher, abdicando do poder e do domínio social, para aprender a compartilhar e ser cúmplice.
A essas mulheres, e somente a elas, eu dedicaria um “dia internacional”, porque essas são mais corajosas e honestas que outras da espécie, inclusive mais que muitos machos, que se acovardam por trás da força física, completamente temerosos de compartir com mentes lógicas, de sentimentos nobres, humor delicado, passos incertos, mas determinados, rompendo a casca do ovo, abrindo as asas e se lançando ao novo.
A essas eu dedico meus textos, meus versos, meus sonhos. Sim, porque elas são eternas sonhadoras, românticas, femininas, que sabem muito bem o seu papel na vida, como companheira, guerreira, doce, cheirosa, harmoniosa, e também decidida, atrevida, voraz, objetiva, cheia de vida e mulher.
O “Dia Internacional da Mulher” não é um tributo à beleza ou à maternidade, que isso é natural, por obra e graça da genética. A homenagem é justa, mas se pelos motivos certos, ou seja, a força interior, o espírito de luta, a busca da verdade, da igualdade entre os seres humanos, da autêntica fraternidade, sem discriminação, sem submissão, sem falso-moralismo, sem hipocrisia, sem camuflagem.
O “Dia” é bem-vindo e adequado, mas para lembrar aos homens o quanto foram injustos desde o início dos tempos, isolando num altar, redoma ou ostracismo aquela que é sua metade, seu complemento, para a razão de ser da humanidade.
É bem-vindo para lembrar às mulheres o quanto tantas outras tiveram que lutar, que morrer, que perder tudo, simplesmente para que hoje pudéssemos galgar a posição na vida que sempre deveria ter sido nossa e que nos foi negada.
Nunca houve motivo lógico e real para essa divisão homem/mulher, pois que sempre fomos necessários, as duas metades, de maneira igual, para a perpetuação da espécie. Não há vida se não houver a união igualitária de cromossomos de um homem e uma mulher, 50% de cada.
Então, mulheres, sejam apenas mulheres, mas não aceitem ser menos que isso!
Não aceitem a submissão, escravidão, mesmo que disfarçados de ciúme, de amor, ou seja lá do que for, porque isso seria um desrespeito à memória daquelas que lutaram pela igualdade, pela justiça social e pelo verdadeiro amor.
Não há mérito algum em ser bonita, ter curvas perfeitas, ser mãe zelosa, porque isso é atributo da natureza, já veio de fábrica.
Há mérito, sim, em criar homens e mulheres iguais, com as mesmas normas, mesmas oportunidades, mesmos direitos. Há mérito em admirar as mulheres que conseguem isso.
Há mérito em aceitar o homem que sabe compartilhar, e rejeitar o que nos rejeita livres, o que nos diminui, o que não nos quer iguais em tudo.
Há mérito, enfim, em viver e deixar viver livre, batalhando para que todos possam usufruir a liberdade, mesmo que a sua opção, por livre arbítrio, tenha sido a de cuidar da casa e dos filhos, e que esteja inteiramente feliz com isso, afinal, você é livre para escolher a maneira de ser feliz.
Rio de Janeiro, 08 de março de 2005.
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SER MULHER
Lílian Maial
Nasci mulher, é fato
Gameta indiscutível,
Cometa irremediável,
Soneto jamais escrito.
Cresci menina, concordo,
De pernas cruzadas,
Cabelos alinhados,
Pelos depilados.
Vivi madura, é certo.
Aprendi a traçar os olhos,
A disfarçar as lágrimas,
A não borrar a maquiagem.
Sonhei criança, feliz.
Escrevi meus passos,
Acreditei nos planos,
Colhi meus frutos.
Provoquei emoções, faz parte.
Ensinei meus truques,
Repiquei batuques,
Batalhei com arte.
Briguei na vida, gritei.
Enfoquei os problemas,
Resolvi os teoremas,
Me entreguei a poemas.
Quebrei espelhos, de raiva.
Escondi a dor,
Distribuí amor,
Superei o tempo.
Amei demais, está em mim.
Mulher sem amor não existe.
Atraí desejos, por capricho,
Ou não, por pura paixão.
Caminhei e caí, me ergui.
E não pretendo mudar.
Arregacei as mangas tantas vezes,
Que já nem sei desenrolar.
Mas...quer saber?
É uma delícia ser mulher!
Não troco por nada, por ninguém.
Volto assim mil vezes, se puder.
E quando o véu da noite,
De inveja e despeito me levar,
Que o amor que distribuí,
Os frutos que plantei, venham, enfim, me regar.
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