Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
25/02/2009 20h09
QUARTA-FEIRA DE CINZAS
®Lílian Maial
 
 
Depois da tempestade, a bonança. Foi como acordei hoje, meio quarta, meio cinza, inteiramente calmaria.

Em dias normais, diria que calma demais pra meu gosto. Numa quarta-feira-pós-terça-gorda, apenas ressaca de pretensa euforia.

Enquanto muitos ainda insitem em perpetuar o feriado e uma estranha alegria, seja torcendo na apuração das escolas de samba, seja pegando uma corzinha na praia, seja num cineminha, eu encaro o fim com um certo marasmo, talvez o mesmo com que venha encarando os últimos tempos.

Ah! Não é depressão, não. É que fiquei assim desde que a linha que tracei para minha vida foi desfeita por quem eu mais apostei. As coisas não fazem mais sentido, não me encaixo em mais nada, ou nada mais se encaixa em mim.  
Como bem disse Cecília Meireles, não sou alegre e nem sou triste: sou poeta.

Que merda!
Ser poeta numa quarta-feira de cinzas é um saco! A gente olha prum lado e tudo dói, olha pra outro, e tudo foge. O verde é cinza, o azul é chumbo, o vermelho é olho que chorou. Cinza é morno, e morno sequer é tormento. Chumbo nem é dia e nem é noite, nem é brisa e nem é vento. E o olho vermelho é sangue de uma hemorragia que nunca que estanca.

O tempo que me resta é composto de um enfileirado de quartas-feiras de cinzas, até que eu mesma me transforme em pó. Em pó cinza.

É, Cecília, como você, eu também passo. E canto. E sei que a canção é tudo, embora a voz tremule e a melodia se esqueça das notas.

Desde que a poesia se foi porta afora, levando as malas e o meu chão, que as minhas asas perderam a capacidade de voar. Ela, a poesia, era meu alicerce, era a corda que me permitia ir além, era meu sonho e minha realidade.

Hoje só faço despencar todos os dias e esperar, com as portas abertas, que meu poema retorne, e me pegue pela cauda (já que sou cometa), revelando todas as verdades que vinha me ocultando, me encarando de frente, de igual para igual, de peito aberto, ou ainda escondendo mais mentiras e me poupando do aborrecimento que é cantar.

A quarta-feira de cinzas ainda não me queimou a vontade de ouvir a música dos teus lábios, aquela que fará enredo novamente no meu peito.
 
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Publicado por Lílian Maial em 25/02/2009 às 20h09



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