Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
19/11/2008 20h54
NEGRICE
NEGRICE
Lílian Maial


Papai me chamava carinhosamente de "petinha", que é o jeitinho tatibitáti para "pretinha". Ele já me adivinhava um arco-íris, um caleidoscópio, uma nebulosa.
Cresci incolor, transparente, imperceptível, sem máculas ou nódoas, sentindo na pele apenas o vento a eriçar pelos, ou o sol a dourar a alegria.
Foi quando me deparei com o mundo e essa coisa maluca de dividir em nuanças: claro e escuro, branco e preto, feio e bonito, macho e fêmea.
Bolas! Que diabos! Por que alguém deveria ser separado de outro alguém da mesma espécie, quando seres de espécies diferentes se dão bem? Se o homem possui animais de estimação para quem devota carinho, tempo, atenção e energia, por que não despende cotas semelhantes aos seres humanos que, afinal, são todos iguais na maneira de nascer, no DNA, na constituição física, nas sensações e sentimentos, nos potenciais?
Nunca aceitei discriminação de espécie alguma.
Um absurdo alguém se achar diferente de outro alguém (melhor ou pior), quando por dentro é igualzinho! Posso afiançar que somos todos iguais, eu já vi! Querem ver? Basta assistirem a uma cirurgia em indivíduos de cada região do mundo, e verificar que não dá pra identificar a “raça” por dentro.
Se eu tenho olho azul, não sou diferente de quem tem olho verde, ou castanho, ou preto. Meu olhar, sim, pode ser diferente do seu, do que carregamos em nossos corações.
Meu sangue é vermelho, e se esvai como o seu, numa hemorragia.
Minhas lágrimas são cristalinas como as suas.
Meus dentes são brancos, como os seus.
Meu corpo se deteriora a cada dia, em direção ao prazo estabelecido de validade, como o seu.
A dor da perda não é diferente. O riso da alegria também não. O amor, menos ainda. A esperança, essa é verde e universal.
Então, é por isso que sou negra, como sou amarela, vermelha, azul, violeta, verde, rosa, roxa, marrom, bege, lilás, grená, e todas as cores que o pintor do universo resolveu misturar na aquarela da vida.
Até hoje me lembro da brancura do sorriso de meu pai, e da negritude de seus olhos, que se misturaram no vermelho do meu sangue e na miscigenação do meu coração.
Não tenho cor e sou todas as cores, pois pinto meus dias de liberdade e de amor à vida. Todas as vidas. De todas as cores.
Enquanto houver necessidade de um dia de consciência negra, ou amarela, ou vermelha, ou branca, não haverá paz, e não haverá o verdadeiro amor no mundo.

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Publicado por Lílian Maial em 19/11/2008 às 20h54



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