10/02/2008 12h40
SE VOCÊ SOUBESSE QUE IA MORRER...
Lílian Maial
No dia-a-dia de tantos atropelos, as pessoas por vezes nos tratam com arrogância, indiferença, intransigência, frieza, agressividade, enfim, uma série de sentimentos negativos, que muitas das vezes nem sabemos a razão.
Porém observo que, quando sabem que alguém tem algum problema sério e que vai morrer em breve, as pessoas se modificam, e mostram uma certa tolerância e benevolência com quem já está destinado a partir dessa pra melhor.
Seria pena? Seria medo de ser o próximo? Medo de enfrentar suas próprias fraquezas? De questionar a morte? Ou seria apenas o caso de ter deixado aflorar sentimentos bons, diante da possibilidade de perda daquela pessoa que sempre fora importante, mas que de uns tempos para cá não satisfazia plenamente as exigências de nosso egoísmo?
E quem sabe que vai morrer? Também modifica seu comportamento em relação às pessoas? O que será que toma conta de suas mentes e corações? Teria inveja dos que ficarão aqui? Teria despeito? Pena, remorso, tristeza? Ou teria a tolerância dos que não têm mais nada a fazer, tipo “perdoa, que eles não sabem o que fazem”?
Me peguei pensando nessas coisas (minha cabeça viaja por pequenas situações do cotidiano) e não sei qual seria a minha reação diante de um diagnóstico de gravidade, na medida em que tenho muito ainda o que viver e de quem cuidar, coisinhas que sempre adiei, por ter prioridades com a família, lugares que não vi, sonhos que não pude concretizar, pensamentos que ainda nem tive! Deve ser muito duro abrir mão de tanta coisa, saber de um limite.
Talvez por entender tal limite e a nossa própria humanidade e finitude, é que acredito que as pessoas se modifiquem, quando se deparam com alguém que sabe que vai morrer. Nossos instintos de preservação da vida são primitivos e se alastram para o outro.
Isso é bastante comum nos corredores da morte de penitenciárias onde existe a pena de morte. Até direito a uma última refeição caprichada os presos têm, e parece que, de repente, todos os crimes e abominações daquele indivíduo passam a ter um peso menor, diante da finitude e de seu significado em cada um de nós.
As pessoas não ficaram boas de súbito, mas, em nós, a morte tem sempre prioridade em nossos sentimentos. É como se esquecêssemos tudo de ruim que temos contra aquela pessoa, e a perdoássemos. O chato é que a pessoa perdoada não vai aproveitar esse perdão. Já que é perdão, e se tem a capacidade de perdoar, por que não fazer uso dele bem antes de se saber que alguém vai morrer?
Nos nossos relacionamentos com pessoas amigas e familiares, será que agiríamos da mesma maneira que agimos, se soubéssemos que fulano ou sicrano não teria mais muito tempo de vida? Será que abandonaríamos antigos amigos, que guardaríamos rancores desnecessários e viraríamos o rosto? Penso que não. Imagino que teríamos a condescendência que recebem os condenados, que seríamos carinhosos e mais presentes, como se querendo aproveitar cada minuto com aquela pessoa que em breve não teremos mais à nossa disposição.
Se é assim, não seria melhor fazer uma reorganização de nosso organograma interior e aprendermos – enquanto é tempo – a administrar melhor nosso narcisismo?
Saúde!
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Publicado por Lílian Maial em 10/02/2008 às 12h40