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05/04/2007 20h03
DE VAGA-LUMES E DE AGÁS
Lílian Maial
No dia 26 de março, fui ao lançamento de mais um livro de crônicas de uma amiga querida, inicialmente amiga virtual, depois amiga real, agora amiga etérea (e-terna). Pessoa positiva, bem humorada, bonita, inteligente, culta, porém, como eu, de carne, osso e sentimentos.
A festa de lançamento estava linda, ela estava radiante e irradiando; o livro, de uma sacada genial, e tudo muito bem cuidado. Ela cuidou tanto desse "filho-livro", que se vestiu dele.
E gente, muita gente conferindo o sucesso dela. Ui!
Passou a semana e, um dia, recebo um desabafo em forma de crônica, uma tristeza, onde deveria haver apenas alegria. Ligo para a amiga, procurando entender a razão, e dou de cara (ou de ouvido) com uma "mãe" abatida, pois descobrira que seu rebento nascera com alguns pequenos "defeitos". Chorosa e magoada pelo destino, ela lamentava pelos defeitos, com a desolação de quem nada mais poderia fazer, e a decepção de perceber que os defeitos (mínimos e poucos, afinal) faziam mais sucesso que seus inúmeros maravilhosos textos, que tanta alegria traziam a milhares de leitores assíduos, e tantas horas de trabalho haviam despendido.
De repente, exclamo: pombas! Mas que meleca! O livro é lindo! É moreno, forte, saudável, pronto para cair no mundo, passar de mão em mão, trazendo tanta luz, e você vai reparar em acentos e agás? Caramba! E você acha que notórios escritores não tiveram pequenos deslizes ortográficos ou gramaticais, ou ainda imperceptíveis escapes revisivos? Pros diabos se isso não ocorre com todos!
Agora, cá entre nós, quando se lê um livro, para que procurar erros, se estamos diante de tantos acertos?
Quando se lê um livro, o que se busca, afinal, não é a essência, o espírito do autor?
Que tipo de leitor lê um livro procurando erros?
Que tipo de amigo visita um bebê recém-nascido conferindo o número de dedinhos dos pés?
Francamente, o que importa num livro é a confissão do autor, sua alma exposta, suas opiniões, suas dúvidas, suas certezas, sua nobreza, sua fragilidade.
O que importa num livro é a identificação que se tem desde a capa, a primeira página, até o índice e contracapa.
O que importa num livro é o cheiro, a textura, a beleza e, principalmente, todo um código de signos que ele representa para nós, como o que se sente pelo autor e, mais ainda, o quanto se ama a palavra.
Quem ama a palavra, a leitura, a escrita, não procura defeitos num novo livro lido, mas o enaltece e guarda para sempre na memória o prazer que ele lhe deu.
A identificação de erros de impressão, de revisão, de escrita, cabe ao revisor apontar, ou aos professores indagados pelo autor. Aos amigos, cabe a alegria do sucesso de vendas, e a gratidão da amizade de alguém tão especial.
Vaga-lumes não incomodam aos seus iguais.
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Publicado por Lílian Maial em 05/04/2007 às 20h03
27/03/2007 19h12
EU SOU MARGINAL!
®Lílian Maial
Acabei de fazer uma descoberta avassaladora: eu sou marginal!
As pessoas perderam o hábito de verificar os significados das palavras, deixando apenas um único signo para definir cada uma delas. A leitura dos dicionários é salutar, até mesmo para não gerar mal-entendidos.
Marginal, por definição, é aquilo ou aquele que fica à margem, que está de fora, que não faz parte, que não pertence a um determinado grupo. Como margem de rio, que não está na correnteza.
De maneira geral, a sociedade entende o marginal como bandido. É certo que o bandido é marginal, uma vez que está de fora do seleto grupo de pessoas de bem, muito embora atualmente fique difícil saber quem é de bem só pelo nome, pela cara, pelas roupas, pela lábia, pelo poder aquisitivo... Como também fica difícil reconhecer quem não é de bem. Aliás, os valores enlouqueceram tanto, que eu realmente me sinto de fora desse grupo social que domina a massa, daí eu ser e me sentir verdadeiramente marginal.
O curioso da questão é que, hoje em dia, o marginal verdadeiro - o que fica à margem - é justamente quem é de bem, quem tem princípios sólidos, quem não se vende, quem não aceita baixar o seu nível em troca de qualquer coisa que seja. São os “tolos”, os “otários”, os “idealistas”. Se assim for, sou marginal, e com muito orgulho!
Um dos líderes do “movimento marginal” de Curitiba, Muller Barone, dono do sítio na Internet “Palanque Marginal”, é uma pessoa simples em sua complexidade cósmica, dona de uma insensatez lúcida, amante das letras, da música, da natureza, do esoterismo e da meditação, ao mesmo tempo em que arrecada fundos para ações beneficentes em sua cidade, torna-se amigo de ex-esposas e ex-namoradas, é um pai que dá conselhos pra lá de modernos à filha adolescente, pessoa, enfim, absolutamente do bem e, por isso, marginal! E foi essa pessoa que me disse, com todas as letras, que Lílian Maial é marginal.
E adorei! Não pela rima, que é pobre (hehehe), mas pelo sentido generoso embutido na palavra e na intenção. Pela definição e pelas circunstâncias, ser marginal, hoje em dia, é ser legal, e legal no sentido mais jurídico da palavra, além do sentido positivo que ela carrega.
Já subi no “Palanque Marginal” e soltei o verbo. Lá eu grito, choro, agito, reivindico, reflito, conflito, aflito, faniquito! Não suporto ser normal! No meu desajuste emocional, social, têmporo-espacial, nada melhor que ser marginal!
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Publicado por Lílian Maial em 27/03/2007 às 19h12
24/03/2007 19h33
QUANTO VALE UM AMOR?
por Lílian Maial
Você mal nasce e já começa a descobrir o mundo através das grades do berço. Vai crescendo, enfrenta a separação inevitável dos braços da mãe, enfrenta seu primeiro tombo, seu primeiro choque, seu primeiro dia de aula. Faz amigos (e alguns desafetos), aprende a ler e a escrever, aprende a defender suas idéias, aprende que somos feitos da mesma matéria, mas com valores e vivências diferentes.
Continua crescendo e aprendendo.
Tem crise de identidade na adolescência, descobre a diferença de sexos e oportunidades para cada um, descobre que o mundo sempre foi dos homens, porque as mulheres deixaram. E que os pais não são heróis.
Tem crise de escolha de carreira, crise de primeiro emprego (ou desemprego).
Defende seu time de futebol, seu partido político, sua forma de encarar a vida, suas convicções.
Está pronta, está formada, talvez tímida, talvez extrovertida, mas é você inteira.
Aí conhece o amor. Encontra aquela pessoa especial, aquela que não acreditava que existisse, aquela face inesperada, aquela voz, aquele beijo...
Aquele que desperta em você as sensações mais loucas, mais lindas. Aquele que ensina a você o que é poesia.
Tudo lindo, tudo novo, tudo maravilhoso.
Mas... a pessoa querida, amada, idolatrada, salve, salve, não tem lá as mesmas idéias que você. Pior! Não aceita, de maneira alguma, que você as tenha diferentes das dele. Vive desconfiado, inseguro, tentando depreciar o que você faz, diz e pensa, supervalorizando o que não tem tanto valor assim, para disfarçar suas próprias falhas.
E você sofre, ah, como sofre!
Sim, porque, em nosso meio, "ser mulher é ser renúncia, é aceitar aquilo que o parceiro oferece e ainda dar graças pela oportunidade de ter encontrado alguém tão incrível".
Coitadas dessas “zinhas” por aí, que ousam impor seu ponto de vista! São consideradas pessoas que não valem nada, mulheres mal amadas, insatisfeitas sexual e afetivamente, frias, desequilibradas. Até o século passado, eram loucas, mentalmente perturbadas, devendo ser afastadas do convívio de pessoas “normais”.
À custa do sacrifício dessas e de outras tantas, que pagaram com o ostracismo, a difamação e, até mesmo, com a vida a ousadia de ter idéias e defendê-las, é que hoje posso escrever sobre esse tema, sem incorrer em abusos da lei dos homens (ao menos, sem ser penalizada).
Bem, voltando ao amor, e aí? O que acontece?
Você o ama, o quer, não pode ficar sem ele. Ele ama você, quer você, mas não aceita você. Agride e fere você em cada oportunidade que você lhe apresente sua maneira independente de ser.
Vai colocar na balança? Vai ceder e anestesiar a imensa ferida que irá se formar?
Não se iluda que essa anestesia nunca vá acabar. Vai sim! Mas, talvez, deixando seqüelas irreversíveis na sua alma de mulher.
Por um lado, você: mulher livre, independente, dona do seu nariz, acostumada a decidir, a trabalhar e ganhar seu sustento, habituada a comandar os rumos da sua vida, escolhendo o que serve ou não para si.
Por outro: ele, o amor, o fascínio, a aura de felicidade que você sempre sonhou.
Está disposta a pagar por ele qualquer preço? O quanto ele vale? Vale sua liberdade? Vale seu passado, suas vivências, suas amizades, seu próprio governo? Vale a troca do certo pelo duvidoso?
Ou você acredita no “felizes para sempre”, numa época em que já somos carecas de saber que o máximo que vamos conseguir é o “que seja infinito enquanto dure”?
Pense bem, pese prós e contras.
Nada, mas nada mesmo, vale você.
Você é a coisa mais importante da sua vida.
E você é isso, esse conjunto de características. Se mudar uma delas, seja pelo que for, já não é mais você.
E não se trata de ceder uma coisinha, para obter outras tantas. Trata-se de calar, de amordaçar, de abrir mão de toda uma luta de tantas mulheres que padeceram por seus ideais, para que você pudesse hoje chegar aonde está.
Então, toda vez que o amor bater à sua porta, cordeirinho, mas avançando lentamente, causando um desconforto que você não sabe explicar, mas que sente, e sente bem, investigue o lobo por baixo da pele desse cordeiro, veja suas reais intenções, antes de abandonar o projeto de mulher feliz e plena, para tornar-se companheira de conveniência, escrava pseudo-contemplada com a sorte grande.
Se o sacrifício não for tão grande assim, e a promessa de felicidade for, para você, palpável, tente fazer a escolha certa.
Mas, se a dor da perda da sua condição de livre e autêntica não tiver uma retaguarda que valha muito a pena, tenha consciência disso e a dignidade de dar a volta por cima e dizer NÃO.
Por que é que é você quem deve sempre ceder? Se ele a ama tanto assim, por que ele não aceita seu modo de mulher século XXI?
Quem sabe, com esse não, você não conquiste um espaço importante para as mulheres que ainda virão?
Dorian Gray vendeu a alma ao Diabo, pela juventude eterna (“O Retrato de Dorian Gray” – de Oscar Wilde). Você vai vender sua liberdade?
O amor vale muito sim, vale quase tudo, só não vale que você venda sua condição de MULHER, e com todas as letras em maiúsculo.
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Publicado por Lílian Maial em 24/03/2007 às 19h33
18/03/2007 20h00
O BODE VEXATÓRIO (EXPIATÓRIO?)
® Lílian Maial
Era uma vez uma montanha de ricos comerciantes e abastados figurões, ocupada por um grupo imenso de trabalhadores, compostos de gado dos bravos, resistentes, mas muito distraídos, ligados na aparência, no corpo, na educação dos filhos, num futuro melhor. Sua preocupação era tanta com seus próprios umbigos, que não percebiam que a qualidade do futuro dependia da atenção no presente, da memória, da história, da irmandade.
“O homem não nasceu para ser sozinho.”
“Homem nenhum é uma ilha.”
“Uma andorinha só não faz verão.”
Todas máximas, minimamente compreendidas pelos habitantes da montanha.
Quando esses moradores começam a pensar, se organizar e comentar muito determinados desmandos dos ricos senhores, seus comparsas tratam de trazer para a montanha atrações imperdíveis, promoções, descontos, eventos, pequenas neoliberações fiscais, e o gado imediatamente se volta ao umbigo, imaginando-se muito esperto (e experto), pois acabara de “levar vantagem” sobre os tolos “desatentos”.
Os ricaços também entendem de massa, e providenciam feriados prolongados, para alívio dos cansados trabalhadores daquela montanha de dimensões continentais; e quase todas as medidas devastadoras, coincidentemente, são tomadas às vésperas de alguns feriadões desses. Depois da volta da região dos lagos, cansados e felizes, quem há de se revoltar com alguma coisinha à toa?
Ao redor dessa montanha vivia um grupo de porcos e um grupo de bodes e cabras. Os porcos fediam, comiam lixo, misturavam-se ao lixo, eram o lixo. Mas sempre davam bons pratos para os ricaços. Por isso, para sua porcaria, era feita “vista grossa”, e esses porcos se infiltravam na montanha, chafurdando junto aos abastados senhores da montanha. Montanha essa que só existia graças ao trabalho árduo da população bovina produtiva.
Os bodes andavam em cima dos muros, porque nem eram trabalhadores inseridos, nem donos de coisa alguma, mas também não eram porcos e se recusavam a serem porcos, até por conta de uma estirpe diferente, de aspirações opostas, de noções de civilidade e irmandade, haja vista que os bodes e cabras sabem muito bem viver em sociedade caprina organizada, embora também fedessem eventualmente.
Pois bem, um belo dia os porcos são incomodados com lumas mudanças que lhes foram impostas (ou a alguns de seus membros) e decidem provar o poder, dar as ordens, falar mais alto, mostrar a que vieram. Só que, como são porcos, só sabem fazer porcaria, e não poderia ser diferente. Então, se utilizam de alguns abastados senhores para viabilizarem seu intento. E tais senhores “permitem” certas “regalias” ao porcos, para que eles ajam conforme lhes aprouver, uma vez que não querem perder as facilidades e delícias que tais porcos sabem muito bem proporcionar a eles, sem falar no certo “controle” que esses porcos fazem na sociedade bovina.
Mas e aí, como ficam os ricos senhores, sendo desmascarados pelos porcos, como os responsáveis por sua permanência e sua arrogância, perturbando a “tranqüilidade” quase que simbiótica dos trabalhadores da montanha? Por mais que haja vaquinhas de presépio, a sociedade bovina poderia, de uma hora para outra, perceber que é maioria, que tem o verdadeiro poder das massas, e virar o jogo...
Muito simples: os bodes! Basta eliminar alguns bodes e apontá-los como os verdadeiros porcos. Afinal, bodes mortos não falam, bode bom é bode morto, e também fedem, e ainda assustam as cabras cegas, e geram nos trabalhadores todo um ufanismo contra bodes, cabras, porcos e animais de toda espécie. Então o gado pensa que, eliminando todos os animais, assim os porcos não teriam como perturbar a santa paz dos homens-boi de boa vontade...
Esses bodes começam a ser eliminados, vestidos com mortalha de porcos, para alegria geral da montanha que, no dia seguinte da porcaria, já encontrara um apaziguador para sua ansiedade social e moral: o bode expiatório! Que vexame!
Só tem um problema: nem todos os trabalhadores são iguais, nem todo o gado gosta de presépio. Nem todos os boizinhos são castrados, assistem TV de maneira automática, sem juízo crítico, sem discernimento do que é empurrado goela abaixo e o que deve ser regurgitado. Há os touros, que pensam, ponderam, e percebem que os bodes foram usados para calar a boca da população montanhesa insatisfeita, que precisava de sangue de algum culpado, para voltar à sua “normalidade” de gado. E nada melhor do que bodes, que vivem junto aos porcos e não interferem com os ricos senhores e em com o gado – ou seja, não servem para nada!
Então os touros, que são poucos, tentam e tentam mostrar ao gado a verdade por trás de tanta porcaria, e tentam ligar os porcos aos senhores da montanha. É claro que há os senhores sem relação alguma com os porcos, mas que pecam por omissão, por aceitarem comer da carne vermelha, por fingirem não ver o envenenamento do gado, por se excluírem de culpa e, assim, se enxergarem acima do mal.
O clima é tenso na montanha. Aproxima-se a eleição dos novos senhores (entre eles mesmos), mas a aceitação da população trabalhadora parece ser importante, até para não gerar greves, passeatas e abalar a estabilidade da montanha.
Vaquinhas se assustam e aceitam logo o primeiro bode como culpado, para poderem voltar ao horário nobre, às novelas e aos BBB. O que é que aquele bode estava fazendo ali, onde foi fuzilado, bem na área dos porcos? Se moram lá, é porque gostam e usufruem... Certamente têm culpa no cartório, mereciam mesmo morrer.
Boizinhos se entusiasmam com a seleção canarinho, com a possibilidade de encherem a cara, fazerem sexo sem graça, baterem em alguém, contarem vantagens, matarem trabalho, e deixam alguns bodes pra lá, afinal, são bodes, ora! Se ainda fossem bezerrinhos, mas são bodes... argh!
E os touros, amordaçados pela falta de respaldo, de mídia, de oportunidades para expor seus pontos de vista, sem condições de sacudir essa vida de gado, esperneiam, bufam, dão chifradas, que fazem parte da sua condição taurina.
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Agora vamos falar sério, como disse Maria Rita Kehl, em seu artigo recente “A Morte dos Suspeitos”: alguém acredita que a rebelião do PCC foi realmente controlada pela polícia de São Paulo? Houve alguma evidência de que a quadrilha foi desbaratada? Quem estava por trás? Não quebraram o sigilo dos celulares das penitenciárias, para revelar os nomes de quem estava trabalhando para o Marcola aqui fora?
E agora, estamos preparados para novas investidas, novos ataques? Então estamos nas mãos deles? Caso mexam com eles, eles matam, invadem, fazem o que querem e o que não querem e temos que aceitar?
A matança em São Paulo ganhou os noticiários nacionais e internacionais, mas e a matança lenta e continuada do dia-a-dia das grandes metrópoles? E as mortes por encomenda? As invasões e expulsões de trabalhadores de suas residências nas favelas e periferia das cidades? Pessoas que passam a vida trabalhando para conquistarem algum conforto mínimo, de repente têm seus parcos bens confiscados pelo tráfico, são expulsos de suas residências com a roupa do corpo, isso quando não têm seus filhos mortos e suas filhas estupradas, ou levadas para a perdição, com a promessa de serem a “mulher do dono da boca” (geralmente mocinhas entre 12 e 14 anos).
Essas perdas nenhum jornal contabiliza. Afinal, não estavam invadindo o nosso jardim, não é mesmo (citando Eduardo Alves)? E se foram pegas essas pessoas, é porque “alguma elas fizeram”, como os bodes do texto acima.
Na verdade, estamos todos na situação do “cada um por si”, situação essa incompatível com a sociedade, uma vez que sempre precisamos e precisaremos do outro. Só que o outro está com medo de mim. O outro tem medo da polícia. A polícia tem medo da polícia (e dos bandidos). Não se consegue mais reconhecer quem é bandido, essa é a questão principal.
Então, fingimos que os suspeitos mortos tinham mesmo que morrer, que era sua sina de bode, que eram perigosos, que suas mortes trouxeram de volta a paz, e calamos a consciência acreditando nos noticiários da TV e no bom desempenho dos governantes e policiais, pobres policiais.
Vida de gado. Zé Ramalho já havia literalmente “cantado a bola”.
Enquanto isso, alguns senadores, deputados e vereadores cheiram o puríssimo pó da vitória nas urnas, assistem à Copa do Mundo de camarote na Alemanha, custeados pelo povo, assim como estrategicamente a final da Copa do Brasil ficou para depois da Copa do Mundo, porque o show tem que continuar.
Outro Big Brother Brasil entrou em cartaz, gerando uma renda de cerca de R$ 8.700.000 em ligações (por paredão), mais um bando de desempregados vai engrossar as calçadas como abrigo, meninos continuarão equilibrando bolas nos sinais de trânsito e o descaso de seus futuros toscos, meninas se confundirão com cachorras, meninos se confundirão com porcos, e tudo volta ao normal... afinal, na próxima Copa, o hexa é nosso!
* Lílian Maial é médica, escritora, poeta e brasileira
Publicado por Lílian Maial em 18/03/2007 às 20h00
11/03/2007 13h40
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Lílian Maial
Quisera ter o dom do entendimento do ininteligível, da intimidade com os sentimentos humanos, da habilidade de driblar questões de ordem no coração. Não precisava ser profética, ou milagreira, apenas poder compreender o fluxo dos pensamentos e sentimentos, e conseguir filtrá-los.
Aonde é que se muda de repente? O que se faz de um dia para o outro, que nos afasta tanto das pessoas que até ontem conviviam conosco? De um dia para o outro se deixa de ser o que se era ontem? Por que diabos todos desaparecem? Qual a razão de longos dias em silêncio, extenuantes horas de espera pelo que não vem?
O tempo passa. Ponto. E nós passando, nos esvaindo, atordoados com o mundo que nunca nos interessou antes, mesmo sendo preocupados com as coisas do mundo o tempo todo.
Vivemos num mundo reservado para famílias, casais com filhos, vida tradicional, preocupações rotineiras, ansiedades corriqueiras, bandeiras hasteadas pela justiça, pelo equilíbrio, pelo meio ambiente. Não sabemos da existência de outro mundo, um mundo paralelo, onde, de súbito, você é jogado sem querer e sem saber como se defender. Um mundo onde precisa disputar espaço, atenção, amor, companhia. Mendigar olhares e gestos. O curioso é que antes se vive sendo convidado para novas aventuras, parceiros de momento, companhias que não se precisava e não se quer. E de repente, do nada, esse vazio.
As pessoas deveriam receber um manual de separação, ou fazer “curso de separados”, como fazem “curso de noivos”.
O casamento é um baque, uma reviravolta na vida dos recém-casados, que deixam o ninho e voam com suas próprias asas, mas juntos e para uma vida que escolheram, que sonharam. Então se ajudam, se cuidam, se completam, mesmo nas dificuldades.
E os separados? O impacto é muito maior, pois eles eram o ninho. E o ninho acabou. E aí? Para onde voar? Onde depositar os sonhos, as construções, os alvos, os planos de futuro? O que fazer das lembranças, das fotos, das viagens e os lugares visitados, das datas comemorativas, dos aniversários, das simples, mas fundamentais e aventureiras idas ao supermercado para as compras de mês? O que fazer nas noites de tempestade, de medo e de dor, nos dias acamados, nas tardes enfermas, nas madrugadas insones?
Ah! Deveria existir um “manual de saudade” ou “tudo o que você queria saber sobre separação, mas sempre teve medo de perguntar”. E eu pergunto: por que tanta gente buscando tanto, e tanta solidão ao cair da tarde?
As coisas deveriam ser contratuais sim, mas não só separação de bens, mas separação de almas, de corações e de vida. Deveria vir explicadinho como as coisas ficam depois. Como são as etapas. Deveriam vir os diagnósticos diferenciais, se cada sentimento, cada reação é normal, ou é mico, ou paranóia, ou reação esquizóide, ou TPM, ou ciúme, saudade, imaturidade, medo, costume, vazio no peito, tristeza, luto, alívio... Seria mais fácil administrar tantas contradições, se alguém nos contasse por que não aparece ninguém na sexta à noite, ou por que não há programas para sábado, ou por que os Domingos ficam tão longos, depressivos e sem graça.
As pessoas não estão preparadas para perdas, sejam elas quais forem. E não há cartazes em cada esquina apontando o endereço dos “S.A” (separados anônimos), ou “D.A.” (divorciados anônimos), onde se deveria aprender a viver um dia de cada vez, trabalhar um sentimento de cada vez, equilibrar as emoções e entender que só depende da gente mesmo “não beber o primeiro gole” de tristeza.
Perder é ruim, é difícil. Separar é rotura, é cisão. É uma mastectomia de corpo inteiro, seguida de radioterapia de choque, e quimioterapia por alguns anos, com todas as suas seqüelas temporárias e algumas permanentes. Mas... Há luz no fim do túnel, e se consegue sobreviver. E se existe a reconstrução mamária, por que não reconstruir esse imenso naco de vida amputada? Não há prótese, mas há sol, há o mar, há os sorrisos dos filhos, há a palavra: “essa coisa toda minha, que ninguém mais pode ser”, como diz Vinícius, em “Minha Namorada”. Namorar a palavra, noivar com o pôr-do-sol, tornar-se amante das ondas e conchas do mar. Deixar baixar a maré e perceber que nunca se deixou de ser rochedo.
Enfim, quisera poder ser doutora, entender de todos os males que afligem ao homem, mas tudo o que aprendi estava escrito nos livros e nos olhos, e estes piscam...
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Publicado por Lílian Maial em 11/03/2007 às 13h40
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