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22/10/2007 20h19
Logomarca vencedora!!!
Essa é a logomarca vencedora do concurso para criação de uma figura que representasse o Movimento Internacional Poetrix. (MIP).
E eu sou a autora!
Entrei no concurso meio que displicentemente, uma vez que não tenho formação em design ou publicidade, muito menos arquitetura ou desenho, mas tenho uma paixão pelo poetrix, e o 3 - três - trix - está incorporado no meu sangue.
Assim, no dia que foi aberto o concurso, há quase 1 ano, resolvi inventar um "selinho" que, no meu entender, tivesse a cara do poetrix.
E aí está ele!
E fiquei satisfeita de saber que a comissão julgadora entendeu meu recado.
Agora convoco a todos os que não conhecem ou não dominam a arte do pooetrix, para entrarem no site, no intuito de se familiarizarem com essa paixão minimalista:
www.movimentopoetrix.com
Publicado por Lílian Maial em 22/10/2007 às 20h19
16/10/2007 21h21
SÓ VOCÊ
Hoje não vou postar um texto meu, mas esse belo poema que recebi de um amigo poeta, que insiste que não é. Deixo aqui o testemunho de que ele é:
SÓ VOCÊ
Dacio Helene Júnior
Ainda te procuro,
dou golpes na lembrança,
mil deles na memória,
que faz por te esquecer...
Te prendi na igreja,
no forte,
no local da execução.
Caíste, mas como esteio
arrastaste a ira,
a dor
e o desamor...
Caíste, mas ao cair deixaste
o calendário ferido,
os dias tintos
e o instinto molhado...
Caíste com o pensamento livre,
com a alma insana,
com a dor latente,
com a saudade demente...
Não sei das tuas dores,
nem dos teus desamores,
sei apenas das pontas
que sobraram do teu silêncio bravio...
Sei apenas que transpiras por trás da nuca,
rodopias e giras, silêncio e recordação,
poeira, vento e verão...
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Publicado por Lílian Maial em 16/10/2007 às 21h21
18/09/2007 19h39
DE LUTOS E RESSUSCITAÇÕES
®Lílian Maial
Conhecemos como “luto” o estado de lamentação e sofrimento pela perda de parentes próximos, como pais, filhos, cônjuges e irmãos.
“Fulano está de luto”, e entende-se que faleceu alguém da família. Nem sempre. Lutos podem estar relacionados a crises, e sem a necessidade de um óbito.
As perdas, de maneira geral, desencadeiam nas pessoas um processo semelhante, onde a idealização (depois da perda) leva a crer que, antes, tudo era perfeito.
Falso isso. Na maioria das vezes, o que se perdeu – excluindo aí as perdas trágicas – se foi perdendo ao longo de um vasto caminho. A perda foi gradativa, foi negligenciada, foi, em alguns casos, desejada, porém, por conta de inúmeros sentimentos arraigados, tende a ser idealizada como algo que era bom e que nos foi tirado.
A perda de status, perda de função ou cargo de confiança, perda de investimentos, perda de um grande amor, a separação conjugal, a saída dos filhos de casa, a perda da fertilidade (nas mulheres, com a menopausa) e da virilidade (nos homens, com o fantasma da impotência), a aposentadoria, a limitação física, a perda a juventude, são também lutos a serem trabalhados, sempre com todo o cortejo de dor e dilaceração do peito.
A mulher, de maneira geral, tende a vivenciar o luto com mais entrega, com mais paixão, e é algo bastante compreensível, pela emotividade exacerbada.
Uma amiga querida está atravessando um desses lutos. Jovem ainda, se viu diante de uma separação conjugal, que, por si, já é um luto, porém esse veio ladeado por outros. Essa amiga se dedicava quase que integralmente à família, deixou de trabalhar, deixou de realizar atividades sociais sozinha, cuidava do esposo e filhas, trazia a casa sempre um brinco. Vivia com folga financeira, uma vidinha estável, até mesmo um tanto monótona, como a ouvi algumas vezes reclamar. De súbito, a separação inesperada e a dor da perda do homem amado. Do homem com quem se acostumou às qualidades e defeitos, ao companheiro de quem tanto reclamava, e que, de repente, passou a ser o homem ideal.
Junto dele, a perda da casa, onde morou todos os anos do casamento, a perda do status de casada, a perda dos amigos comuns, do clube, perda financeira. E tentar se acostumar com a cama vazia, o armário vazio, a casa vazia.
Essa amiga chorou todas as lágrimas que julgava ter, rasgou cada fibra de que imaginava ser feito seu coração, lamentou cada palavra não dita, cada carinho deixado para depois. Apavorou-se com a responsabilidade de criar as filhas sozinha, fazer compras sozinha, planejar a vida sozinha. Entrou em pânico com a possibilidade de adoecer sozinha. Foi ao fundo do poço, se isolou, se maldisse. Depois criou coragem e amaldiçoou seu homem, seu ex. Daí imaginou outra em seus braços e se olhou no espelho. Viu-se feia, sem atrativos, mal cuidada (o espelho é cruel nessas horas). E chorou mais lágrimas guardadas não sabia onde.
Como todo luto, o tempo trata de amenizar a dor, e os caminhos vão se abrindo, o céu vai clareando, e tudo tende a tomar seu rumo e seu lugar. No entanto, o luto é uma ferida que não fecha completamente. Ou melhor, fecha, mas a cicatriz vai estar para sempre lá, à mostra para quem quiser ver, e geralmente quem vê é quem perdeu.
Não se pode esquecer de um filho, só porque ele se foi. Pode-se até ter mais meia dúzia de filhos lindos e queridos, mas o que se foi nunca deixará de ser um filho que se foi. A perda deixa cicatriz para lembrá-lo.
Assim são todos os lutos. Não adianta tentar arrancar um amor perdido do coração, que a cicatriz das doces lembranças vai se aguçar a cada música dos velhos tempos, que tocar em alguma rádio desavisada. Ou a cada cheiro conhecido. Ou a cada paladar familiar. Ou a cada lugar antes freqüentado a dois.
A vida é a busca eterna da felicidade, obstruída pelas perdas.
A felicidade é algo que normalmente só se dá conta depois que se perde.
A perda é a constatação de que se era feliz, ou a ilusão de que se foi feliz alguma vez.
No fundo, a felicidade não pode estar atrelada a uma outra pessoa, ou a uma condição social. A felicidade é um estado de autoconhecimento e auto-satisfação, que só pode ser alcançada pelo próprio indivíduo e suas realizações. Uma pessoa feliz pode atrair e se sentir bem ao lado de outra, mas essa outra nunca poderá ser a responsável pela felicidade de seu par.
Ou seja, a felicidade é individual, o bem-estar é coletivo.
E o luto só é trabalhado e resolvido, se a perda for entendida como sendo de um fato, uma situação, uma companhia (mesmo que da vida toda), e não da pessoa em si. Aí, é o momento de se suturar, fazer curativos diários, até que só reste a cicatriz risonha e corrosiva, aquela que irá relembrar fases boas e ruins, mas que pertencem ao passado e assim devem permanecer. É como a infância, que perdemos e sentimos muito, mas deixamos para trás, apenas como boas lembranças, para abraçarmos o futuro, seguirmos adiante e ganharmos uma nova condição de vida, com novos horizontes e novas chances de recomeçar.
Então, é entender a perda, assimilar e guardar as boas lembranças, agradecer a oportunidade de ter vivido aquilo tudo, e ceder lugar à nova pessoa que ressuscitará daquela perda, para avançar na caminhada, ousar novas conquistas, sem medo das perdas futuras, que inevitavelmente virão, pois que a vida é uma gangorra, onde devemos usufruir os “altos”, porém entendendo que há os “baixos”, e depois novos “altos”, e novos “baixos” e por aí afora.
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Publicado por Lílian Maial em 18/09/2007 às 19h39
01/09/2007 12h20
A CRISE
®Lílian Maial
De uns tempos para cá, tenho ouvido falar muito em crise. É crise de adolescência, crise dos trinta, crise dos quarenta, dos cinqüenta, crise de identidade, crise existencial, crise por não ter nenhuma crise!
É quando se nasce que deve acontecer a maior de todas as crises. Imagine só: a gente lá dentro, protegidinho, no quentinho, acolchoado, recebendo tudo que é tipo de carinho, ouvindo aquela vozinha doce... de repente: opa! Uma tal de luz invade os olhinhos, vêm os barulhos todos de uma vez e, para nos receber ao mundo, um sonoro tapa no bumbum. Isso é que é crise! Não há neném que não pense: “Quero voltar!”.
Depois vem a crise das descobertas do mundo, quando se aprende a andar (não sem antes levar alguns belos tombos), quando se aprende a falar, e a palavrinha mais ouvida passa a ser NÃO. Não pode isso, não pode aquilo. Não há criancinha que não entre em crise, ainda mais se tiver um irmãozinho ou irmãzinha com quem dividir os carinhos da mamãe e do papai.
E a crise do primeiro dia na creche ou escola? Ser abandonado completamente só e indefeso, ver a mãe virar as costas e simplesmente ir... e o pobre nenê ficar lá, à mercê daquelas tias horrorosas, daquelas crianças perversas, daquela cozinheira que só sabe fazer legumes, verduras, saladas sem graça... Nem uma batatinha frita... buá!!!
Aí começam as crises inerentes à infância: escola, provas, amiguinhos (nem sempre tão amiguinhos assim), professores cruéis e predadores, competições, curso de inglês, natação, balé, judô, e nem um tempinho pra brincar de ser criança...
Pensam que esqueci da puberdade? É quando nem bem se é adulto, e já não se é mais criança. Aparecem espinhas, mudança na voz, mudança no corpo, falta de vontade pra qualquer coisa, sonolência, indisciplina, descobre-se que pai e mãe são – pasmem – humanos! Aí vêm os pêlos indesejáveis, a menstruação, a ereção, a ejaculação, a masturbação, um não se saber o que fazer com essa tempestade de hormônios, e ainda ter de se afirmar, buscar uma identidade. Realmente, uma das piores crises. Isso sem falar em ter de aprender como lidar com drogas, preferências sexuais e violência.
Alguns passam pela adolescência sem, de fato, a viverem, sem provar das delícias de se cometer loucuras em nome de uma rebeldia de quem se sentiu traído pela vida, pelos pais, por Deus. E isso pode se dar por uma série de razões, inclusive pela assunção – voluntária ou não - de compromissos precoces. Esses, possivelmente, terão necessidade de vivenciar sua adolescência bem mais tarde...
Muito bem, de repente se fica adulto, mas ninguém avisou nada. Foi assim, de repente: ontem se era um moleque ou uma moleca, no dia seguinte se é adulto, responsável, com uma espécie de peso sobre os ombros. E é quando surge o tal do medo. Mas não o medo de escuro, o medo de bicho papão. Antes fosse! É o medo do fracasso, o medo da escolha errada, o medo dos medos do mundo, das doenças, da competição, da desumanidade. É quando se toma conhecimento mais aprofundado sobre a morte e seu real significado, sem o romantismo das historinhas infantis.
Nisso, os novos adultos entram para a faculdade, o mercado de trabalho, casam, têm filhos, e a vida vai passando, dia após dia, numa roda-viva que não dá tempo pra se ter ou perceber crise alguma. São jovens, saudáveis, lutam e se ocupam de tantas responsabilidades e infinitos prazeres também.
Só que, num belo dia, o trabalho se estabiliza, os filhos crescem, saem de casa (ou tornam-se absolutamente independentes) e aquelas férias que tanto adiamos parecem, subitamente, enfadonhas. O que fazer com os dias livres? Aonde ir? Como se divertir? O que nos diverte mesmo? Quem somos nós de verdade? O que há por trás desse rosto, desse corpo (que já não é o mesmo), dessa alma (que nunca foi tateada antes)? Surge uma tristeza, que não se sabe de onde vem, como que uma incompletude, uma irrequietude. De pronto, as coisas tão certas, tão arraigadas, tão verdadeiras, perdem o sentido, a razão, e as verdades passam a não parecer tão firmes assim. Vem a necessidade de viver tudo de uma vez, de viver cada dia como se fosse o último, ou o único que se teria pra viver. Há pressa em ser feliz, como se até então nunca se tivesse realmente sido.
Essa é a famosa crise dos quarenta, quando o medo do envelhecimento, da doença, da limitação, da morte, começa a chegar cada vez mais perto, a povoar um percentual cada vez maior dos nossos pensamentos. Essa crise é das mais cruéis e difíceis, justamente porque se dá com o crescimento dos filhos e sua separação dos pais (seja física ou apenas emocional), coincide com a pré-menopausa nas mulheres (que vem com o fantasma da esterilidade, do tornar-se seca como mulher, muitas vezes fazendo com que elas se sintam atraídas por rapazes, como forma de afirmação da juventude e do poder de atração) e a insegurança da manutenção da virilidade nos homens (que faz com que muitos procurem a afirmação na conquista de mulheres mais jovens). É a fase mais arriscada para os casamentos (que têm nessa ocasião o maior índice de separações).
É extremamente complicado, para algumas pessoas, atravessar essa crise. Nas mulheres, a noção da proximidade da esterilidade, de não poder mais procriar, está intimamente ligada à condição de fêmea, à sensualidade, enfim, mescla confusa da função de perpetuação da espécie com o usufruto do prazer. Assim, ela entra em desespero pela possibilidade, cada vez mais próxima, de deixar de ser a mulher atraente, quente, úmida, bonita, esbelta e sedutora que sempre se soube, mesmo que isso só aconteça na sua mente, no seu íntimo. Por conta disso é que ela passa a se preocupar com a aparência (mais que antes), a fazer dietas, entra em academias, muda o vestuário, procura fazer tratamentos de rejuvenescimento, na tentativa de adiar, de driblar o implacável tempo.
Nos homens, a coisa se passa de maneira semelhante, só que neles, como não há a cessação de uma função biológica (não têm uma menstruação para acabar), é mais tênue e lenta. O homem de quarenta (ou perto disso) começa a desenvolver os traços familiares característicos da genética: ficam calvos, os cabelos embranquecem, adquirem uma barriguinha, aumentam de peso, reduzem a agilidade e, por conta do somatório disso tudo, se enxergam menos atraentes e questionam sua virilidade (que também não pode ser igual ao que era aos dezoito anos). Alguns tendem a acompanhar bem de perto os filhos, tornando-se amigos de seus amigos, buscando programas com pessoas bem mais jovens, chegando a adquirir hábitos e linguajar próprios dessa faixa etária; outros testam o seu “poder de fogo” paquerando meninas que poderiam ser suas filhas. Muitos se separam das esposas de quarenta e casam com essas garotas, ns busca da eterna juventude.
Como nos homens esse processo é bem mais lento, pela não existência de um ciclo que cessa, essa crise dos quarenta pode durar até depois dos sessenta, inclusive porque, neles, o medo da morte e da substituição é muito mais presente que nas mulheres (risco de doença cardíaca, medo de perda de emprego, medo da perda da condição de provedor, que eles associam à masculinidade até os dias de hoje).
Mas há homens que entendem seu momento e acompanham toda essa mudança com vitalidade, cuidados com a saúde, disposição física e mental, e tornam-se, esses sim, os verdadeiros meninos, sem deixar de olhar no espelho.
Depois de um tempo de furor e embriaguez de juventude, há outras mudanças que a vida prepara: tanto homens, quanto mulheres começam a perceber a solidão. Os filhos saem de casa, um a um, e sobrevém a “síndrome do ninho vazio”, que é um conjunto de sintomas, que habitualmente acomete mais a mulher, mas que afeta toda a casa, com uma instabilidade emocional coletiva, tendência ao egocentrismo, ou seja, cada um, por pena de si mesmo, procura se dar mais atenção, em detrimento do que sempre dispensou aos demais. Vira um círculo vicioso, pois os demais, sentindo o abandono daquele, também naturalmente o isolam.
Simultaneamente, vem o fantasma da aposentadoria, que representa, sem sombra de dúvida, o degrau de entrada para a assim chamada “terceira idade”. Se a pessoa não tiver uma cabeça aberta e não possuir uma variedade de interesses e dependências outras, entra em profunda depressão, se deixa abater e adoecer, e torna-se amarga, soturna, ranzinza, sem atrativos, limitada física, intelectual e emocionalmente, afastando lentamente todos os outros de seu convívio, agravando sua sensação de isolamento e menos valia.
Essa é a crise da terceira idade, que a nossa civilização, notadamente a ocidental, faz questão de alijar. Daí o horror dos indivíduos maduros de se aproximarem dessa faixa de idade, que representa a velhice, só que de uma maneira doentia, quase que representando uma sala de espera da morte, o que não é absolutamente verdade, haja vista os grandes nomes das artes, das ciências, da política, do jornalismo, enfim, de todas as profissões que contribuem para a evolução do ser humano, terem projeção maior e reconhecimento justamente quando são mais velhos e acumularam conhecimento.
Todas essas campanhas de valorização do idoso são importantes para a conscientização da população, mas de nada adiantam se o próprio idoso não conseguir ultrapassar mais essa crise, das tantas que já vivenciou.
O mais interessante, quando se pensa nas crises, é que sempre se está numa delas. Talvez se passe um pequeno período, dos 25 aos 35 anos, onde não se está preocupado com isso, ou melhor, não se tem muito tempo disponível para pensar sobre isso, mas é só aí. Na verdade, essa é a época da construção da vida, é quando se cai no mercado de trabalho, quando se escolhe companheiro, filhos, projetos e se trabalha intensamente para realizá-los, não sobrando espaço para preocupações individuais, já que se une esforços em prol da família.
Toda a nossa vida é entremeada de crises, e cada qual é tão mais importante, quanto menos estivermos preparados para ela. No fundo, enquanto se está nela, ela é a mais grave, a mais difícil, a mais séria de todas.
Para um bebê, não conseguir apanhar os objetos que despertam sua atenção gera uma série de reações físicas, que traduzem a angústia e até mesmo desespero que tais limitações lhe causam.
Para um adolescente, as transformações pelas quais passa, o ter de escolher o futuro através da profissão, quando sequer conhece o que existe por aí, causa muita ansiedade, aliada às tempestades hormonais, que provocam mudanças abruptas em sua aparência externa e interna, muitas das vezes solitárias, sem que os adultos ao redor se dêem conta.
Enfim, cada fase é uma etapa na caminhada, com encruzilhadas peculiares a cada estrada, onde cada pé sente conforto em determinada maneira de pisar. E não adianta comprar os sapatos mais caros, aparar as unhas ao máximo, tentar se esquivar de buracos, cascalhos e lama, pois tudo só depende da intensidade do salto que cada um pode dar, e de como se preparou para os pulos.
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Publicado por Lílian Maial em 01/09/2007 às 12h20
10/07/2007 21h20
TSUNAMI
®Lílian Maial
O dia amanheceu claro e azul, não cinzento e nebuloso, como era de se esperar, diante da dor e da lamentação. Não! Pássaros ousavam cantar, desobedecendo ao silêncio de luto que todo final de amor deveria merecer. Não era um réquiem, mas uma alegre brincadeira nos galhos da manhã.
Por que não chovia e trovejava?
Afinal, corriam rios de lágrimas pelos olhos de Marilda, cujo coração fora devastado por uma onda gigante de maldade, e a mente dilacerada por pensamentos contraditórios, que a conclusão alguma chegavam.
Era o fim, ela sabia que era o fim, mas não entendia a razão. Tudo parecia tão bem entre eles, então por quê?
Marilda conheceu acidentalmente José Eduardo nos corredores da empresa de advocacia na qual trabalhava, quando ela distraidamente derrubou uma pilha de processos que ele carregava. Após vários pedidos de desculpas e uma ajuda a empilhar novamente os processos, ela sai apressada, com a sensação de que já havia visto aquele homem antes.
Dias depois, para sua surpresa, o tal homem instala-se numa mesa próxima à sua, como auxiliar de escritório de um advogado rival.
Começaram a conversar ocasionalmente, pois costumavam chegar cedo, quando ainda não havia movimento no escritório.
Depois de algumas semanas, José Eduardo já fazia parte do seu círculo de amigos, apesar de não ser advogado. Marilda nunca escolhera suas amizades por cargo ou posição social, mas sim pelo que a pessoa trazia de bagagem emocional, de bondade e de caráter.
Um belo dia, após a conversa matinal, Marilda descobre um bilhete em sua mesa, de letra não identificada, com uma declaração de amor escrita de maneira bem simples, porém de uma sinceridade tocante. Percebe que só poderia ser de alguém dali do escritório, e olha na direção de José Eduardo. Imediatamente verifica que foi ele, e o chama para uma conversa. Explica sua situação, seu estado civil e seu perfil leal, afastando qualquer possibilidade de envolvimento, sem, contudo, deixar que ele se sentisse preterido por sua condição social.
Ele se afasta e mantém a distância, porém insistindo com olhares indecifráveis.
Marilda passou a se incomodar com aquilo, mas também a sentir falta, quando percebia que ele não a estava olhando.
Um belo dia, o homem desapareceu e Marilda notou que sentia falta não do auxiliar de escritório, mas do José Eduardo.
Procurou saber o que havia acontecido, mas ninguém sabia informar.
Depois de duas semanas de saudade, ela pede a transferência do moço para seu gabinete e assume, para ele, a falta que sentiu.
Iniciaram, então, um romance clandestino intenso e conflitante, pois as diferenças eram inúmeras, e ele se sentia muito mal com cada uma delas, mesmo ela não dando valor.
E a coisa foi caminhando, e o amor florescendo lindo, forte, profundo.
Mas nada é como parece ser, e José Eduardo começou a colocar as manguinhas machistas de fora, a implicar com roupas, maquiagem, amizades e até compromissos de trabalho de Marilda.
Esta, por sua vez, sentia-se perturbada pela quantidade de tempo ocioso de José Eduardo, que parecia não se interessar em estudar, em progredir, e ficava tempo de mais com a esposa, ao contrário de Marilda. Ela morria de ciúme da mulher, mesmo percebendo que a tal não era páreo para ela, mas sentia o ciúme corroê-la por dentro.
José Eduardo acomodou-se à situação de ter uma esposa dedicada e uma amante apaixonada, ambas sob seu controle.
Êpa! Marilda não era mulher de ser controlada por homem nenhum, e começou a deixar isso bem claro. E aí começou o fim. José Eduardo passou a agredi-la de todas as maneiras, com palavras duras ou silêncios inexplicáveis, passou a cerceá-la em todas as suas atividades e a colocar condições para continuar a relação.
Ela, cega de amor e compreendendo as dificuldades pela diferença social e cultural, cedeu em muitas coisas, mas ficava infeliz e frustrada a cada nova agressão, como se todo o seu sacrifício em abrir mão de amigos, compromissos e atividades prazerosas não valesse nada.
Ela fazia tudo isso consciente de que era em prol de algo maior e muito mais gratificante, só que esse “algo maior” não estava mais preenchendo todos os critérios, principalmente critério “felicidade”.
Marilda não era mais feliz. Tinha, sim, momentos de profunda satisfação, quando José Eduardo se entregava a ela de corpo e alma, mas esses momentos eram cada vez mais raros e mais breves, e ele logo dava lugar ao José Eduardo cruel, rude, sarcástico e descompromissado. Sim, era isso! Parecia que ele não tinha mais compromisso algum com esse amor. Era como se ele quisesse todo o tempo provocar Marilda para que ela o deixasse, ou um teste, para ele se assegurar de que ela nunca o deixaria.
Porém, ele não contava com uma coisa: Marilda era uma mulher forte e de princípios sólidos, que aceitou tudo o que não concordava por amor, por compreender que nem tudo era alegria numa relação, mas não poderia suportar maus tratos por muito tempo.
Tudo o que ela precisava, seu combustível, era carinho, palavras meigas, mimos e paparicos de uma pessoa apaixonada para outra. Mas isso havia acabado. José Eduardo havia se transformado num homem duro, insensível, malvado.
Não havia mais motivos para continuarem, contudo ela o amava e acreditava que fosse uma fase e que iriam superar.
Até que um dia ela o pegou numa mentira por nada, sem razão, assim, mentir por mentir, e percebeu como era fácil e simples para ele mentir sobre qualquer coisa, qualquer assunto.
De repente, veio a sombra da dúvida: o que teria sido verdade e o que teria sido mentira naquele ano inteiro de relacionamento? Compreendeu, então, que nunca saberia.
Será que ele agia daquela maneira, inquirindo sobre tudo, se aborrecendo com qualquer programa que ela fizesse sem ele, acusando-a de mentirosa, enquanto que era ele quem mentia?
Será que não era ele quem traía e se comportava com agressões para que ela não se sentisse tentada?
Será que não era simples insegurança dele, por ter uma mulher como ela apaixonada por ele, e pelo medo dela se voltar para alguém que a valorizasse mais? Se fosse isso, mal sabia ele que Marilda era uma mulher fiel, entregue, apaixonada, que só precisava do carinho de seu homem para ser feliz.
Contudo, para se amar alguém, é necessário que se ame a si mesmo em primeiro lugar, e isso significa se sentir livre para realizar os sonhos e projetos de vida. Não se pode trancar uma pessoa numa gaiola, mesmo que de ouro, e esperar que ela fique feliz de saber que seu carcereiro a ama. Isso não é amor, pois o amor implica em se querer ver o outro feliz. Ninguém é feliz preso contra a vontade. Você pode e deve querer estar feliz ao lado do outro, mas nunca trancafiado na desconfiança.
Marilda ainda tentou contemporizar e levar a relação adiante, mas José Eduardo passou a estragar todos os encontros com agressões verbais, insinuações, culminando com xingamentos, o que matou a alegria, inocência e espontaneidade do sentimento.
Como amar e viver com alguém que não a respeita, não a valoriza?
Ela percebeu que ele não suportava a mulher que ela era, embora a quisesse muito, ou, por que não, quisesse ser como ela?
Enfim, ele não aceitava sua liberdade, mas queria ser livre.
Ele queria relatório diário de suas atividades, mas pouco contava do seu dia, dos telefonemas que recebia, dos planos para os finais de semana. Ela acabava sabendo das coisas bem depois, e ele achava certo, mas não perdoava quando sabia das coisas dela também depois.
Enfim, eram dois pesos e duas medidas. Ele se perdoava e sempre tinha explicação lógica para tudo, mas ela não, ela era falsa, mentirosa e misteriosa. E ela estava cansada de tudo aquilo, e resolvera dar o basta.
Naquela manhã clara e azul, que deveria ter nascido cinzenta e nebulosa, Marilda assumiu seu grande amor por si mesma e pela vida, e parou de regar a planta do amor. Se José Eduardo não regava, não seria ela a única a cuidar da plantinha.
Se ele não se mexesse para salvar a relação, dando a ela amor, carinho e respeito, apoio, compreensão e cumplicidade, companheirismo mesmo, não valia a pena abandonar-se por nada.
Chorou tudo o que precisava chorar. Chorou tanto, que inundou o peito e devastou, como Tsunami, as esperanças, os sonhos e projetos de vida com aquele homem.
O que restou, depois do dilúvio, foi uma mulher enfraquecida, machucada, coração dilacerado, mas certa de que se reconstruiria e faria das cicatrizes verdadeiros monumentos de amor.
Sabia que dos escombros se ergueria nova mulher, mais forte, mais segura, mais feliz, e novamente pronta para amar, e isso foi a herança que José Eduardo lhe legou – a capacidade de amar de novo – além da convicção de que ela era o objeto principal de seu próprio amor.
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Publicado por Lílian Maial em 10/07/2007 às 21h20
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