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05/03/2009 21h10
Pelo Dia Internacional da Mulher
®Lílian Maial
Apesar de suspeita para falar sobre a mulher, por ser autêntica representante da espécie, sinto-me confortável em discorrer sobre o tema, tão complexo e delicado (como nós), num mundo, até bem pouco tempo, só de homens.
A coexistência pacífica e complementar entre homens e mulheres sempre foi um ideal, mote favorito para crônicas e artigos, verdade absoluta e incontestável. No entanto, de uns tempos para cá, venho olhando por outro prisma, observando o comportamento, tentando compreender a razão dessa cisão, dessa separação desnecessária e infeliz, de maneira mais abrangente e menos radical.
Percebo que a cultura de um povo determina, na maioria das vezes, o comportamento social. Historicamente isto é bem evidente. Há uma necessidade vital de sempre existir um comandante e um comandado em qualquer relação, e isso se perpetua através dos séculos, não obstante todo o conhecimento adquirido, todas as lutas travadas, todo o pseudo-abolicionismo.
O ser humano sente imenso prazer em dominar, conquistar, usurpar, como um desafio que o homem assumiu desde os primórdios da civilização, pela força física privilegiada em relação à mulher. Esta, por sua vez, pelas vicissitudes anatômicas (ciclo menstrual, gravidez, lactação), acabou por acomodar-se na postura de frágil, delicada e submissa.
Se analisarmos friamente, não tem nada a ver a submissão, pois essas tarefas naturais da mulher (gestação, parto, amamentação) homem nenhum poderia assumir, ao passo que ela, com algum esforço e treinamento, poderia desempenhar qualquer atividade masculina.
Contudo, o homem sempre se prevaleceu de sua força física e teve nela sua maior habilidade, sem muita capacidade para a argumentação, compreensão lógica das idéias e vontade de dividir espaço (o que é facilmente observado nos meninos, diferentemente das meninas, sem que nunca ninguém os tenha ensinado). Daí, que ele gostou da posição confortável de caçar, pescar, proteger, mandar e ser obedecido.
A mulher, por seu lado, cedeu com a maior facilidade, pois era difícil gestar, parir, alimentar a cria, cuidar da prole, e ainda ter de combater, defender o clã, caçar, pescar e estar bem e refeita para o encontro com seu macho.
E essa conversa veio se perpetuando ao longo dos milênios, sendo modificada de acordo com cada cultura, região, religião.
Artistas pintaram, cantaram, recitaram, enalteceram a mulher, não por seus feitos, sua força interior, sua luta, sua capacidade de resolver questões e propor medidas que mudariam o mundo. Não! Adoravam a mulher por suas formas e sua maternidade. Ora, isso não é qualidade de mulher alguma, é genético, é obra da natureza. Não há o que enaltecer. A mulher tem essas formas, com seios e curvas, porque é a fêmea da espécie. Tem útero e pode engravidar porque é a fêmea da espécie e isso é característico, não é mérito.
Deveriam pintar a mulher e o homem, ambos caminhando e trilhando o sucesso e o fracasso da mesma maneira, tanto profissional, quanto pessoal e familiarmente falando.
Como os homens adoram conquistar e disputar seu poder, as guerras foram inevitáveis e as mulheres precisaram exercitar as artes de defesa, o comando, a organização do clã, e notaram que podiam perfeitamente conciliar tais tarefas com as suas habituais.
Aos poucos, o retorno dos homens - vitoriosos de suas conquistas - levou as mulheres de volta à condição anterior, o que começou a incomodar a muitas, aquelas mais dinâmicas, mais esclarecidas, mais dotadas de iniciativa, passando a aceitação da submissão a ficar intolerável.
Ameaçadas de perder o papel de donzelas frágeis e indefesas, e invejosas da inteligência, coragem e aptidão das guerreiras, as mulheres acomodadas deflagaram batalhas subliminares àquelas revolucionárias, unindo-se silenciosamente aos homens na manutenção do domínio, num machismo cruel, insidioso e profundamente marcado na educação dos filhos.
Por conta disso, implanta-se essa divisão desnecessária e imbecil entre homens e mulheres, numa disputa incessante, numa violência subentendida, numa discriminação camuflada em pequenos detalhes, numa total falta de lógica e adaptabilidade.
Se homens e mulheres se percebessem iguais, com as mesmas possibilidades de carreira, de vida familiar, de respeito e felicidade, apenas com responsabilidades da natureza um pouco diferenciadas (maternidade x força física), seriam infinitamente mais felizes, haveria menor incidência de crimes, de drogas, de guerras, de fome, de abandono, de desamor. O homem contribuiria em casa normalmente, como se não houvesse mulher, a mulher batalharia na rua, para o sustento, como se não houvesse homem, e ambos curtiriam as gestações, a família, a criação dos filhos, com o mesmo orgulho, disposição e disponibilidade.
Com a divisão absurda de homem provedor e mulher dona de casa, a própria sociedade passa a impor à mulher tarefas (as quais ela mesma não se enquadra) e rejeita que ela almeje “coisas de homem”.
Então, somente aquelas que decidem não se acomodar e tomar para si o que sempre foi seu, que é a liberdade de escolher ser o que tem vontade de ser, sem ter a obrigação social de “agir como mulher”, somente elas atingem a verdadeira liberdade interior, muitas vezes à custa de uma sobrecarga de responsabilidades, já que dificilmente encontrará um homem que naturalmente divida sua total liberdade com uma mulher, abdicando do poder e do domínio social, para aprender a compartilhar e ser cúmplice.
A essas mulheres, e somente a elas, eu dedicaria um “dia internacional”, porque essas são mais corajosas e honestas que outras da espécie, inclusive mais que muitos machos, que se acovardam por trás da força física, completamente temerosos de compartir com mentes lógicas, de sentimentos nobres, humor delicado, passos incertos, mas determinados, rompendo a casca do ovo, abrindo as asas e se lançando ao novo.
A essas eu dedico meus textos, meus versos, meus sonhos. Sim, porque elas são eternas sonhadoras, românticas, femininas, que sabem muito bem o seu papel na vida, como companheira, guerreira, doce, cheirosa, harmoniosa, e também decidida, atrevida, voraz, objetiva, cheia de vida e mulher.
O “Dia Internacional da Mulher” não é um tributo à beleza ou à maternidade, que isso é natural, por obra e graça da genética. A homenagem é justa, mas se pelos motivos certos, ou seja, a força interior, o espírito de luta, a busca da verdade, da igualdade entre os seres humanos, da autêntica fraternidade, sem discriminação, sem submissão, sem falso-moralismo, sem hipocrisia, sem camuflagem.
O “Dia” é bem-vindo e adequado, mas para lembrar aos homens o quanto foram injustos desde o início dos tempos, isolando num altar, redoma ou ostracismo aquela que é sua metade, seu complemento, para a razão de ser da humanidade.
É bem-vindo para lembrar às mulheres o quanto tantas outras tiveram que lutar, que morrer, que perder tudo, simplesmente para que hoje pudéssemos galgar a posição na vida que sempre deveria ter sido nossa e que nos foi negada.
Nunca houve motivo lógico e real para essa divisão homem/mulher, pois que sempre fomos necessários, as duas metades, de maneira igual, para a perpetuação da espécie. Não há vida se não houver a união igualitária de cromossomos de um homem e uma mulher, 50% de cada.
Então, mulheres, sejam apenas mulheres, mas não aceitem ser menos que isso!
Não aceitem a submissão, escravidão, mesmo que disfarçados de ciúme, de amor, ou seja lá do que for, porque isso seria um desrespeito à memória daquelas que lutaram pela igualdade, pela justiça social e pelo verdadeiro amor.
Não há mérito algum em ser bonita, ter curvas perfeitas, ser mãe zelosa, porque isso é atributo da natureza, já veio de fábrica.
Há mérito, sim, em criar homens e mulheres iguais, com as mesmas normas, mesmas oportunidades, mesmos direitos. Há mérito em admirar as mulheres que conseguem isso.
Há mérito em aceitar o homem que sabe compartilhar, e rejeitar o que nos rejeita livres, o que nos diminui, o que não nos quer iguais em tudo.
Há mérito, enfim, em viver e deixar viver livre, batalhando para que todos possam usufruir a liberdade, mesmo que a sua opção, por livre arbítrio, tenha sido a de cuidar da casa e dos filhos, e que esteja inteiramente feliz com isso, afinal, você é livre para escolher a maneira de ser feliz.
Rio de Janeiro, 08 de março de 2005.
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SER MULHER
Lílian Maial
Nasci mulher, é fato
Gameta indiscutível,
Cometa irremediável,
Soneto jamais escrito.
Cresci menina, concordo,
De pernas cruzadas,
Cabelos alinhados,
Pelos depilados.
Vivi madura, é certo.
Aprendi a traçar os olhos,
A disfarçar as lágrimas,
A não borrar a maquiagem.
Sonhei criança, feliz.
Escrevi meus passos,
Acreditei nos planos,
Colhi meus frutos.
Provoquei emoções, faz parte.
Ensinei meus truques,
Repiquei batuques,
Batalhei com arte.
Briguei na vida, gritei.
Enfoquei os problemas,
Resolvi os teoremas,
Me entreguei a poemas.
Quebrei espelhos, de raiva.
Escondi a dor,
Distribuí amor,
Superei o tempo.
Amei demais, está em mim.
Mulher sem amor não existe.
Atraí desejos, por capricho,
Ou não, por pura paixão.
Caminhei e caí, me ergui.
E não pretendo mudar.
Arregacei as mangas tantas vezes,
Que já nem sei desenrolar.
Mas...quer saber?
É uma delícia ser mulher!
Não troco por nada, por ninguém.
Volto assim mil vezes, se puder.
E quando o véu da noite,
De inveja e despeito me levar,
Que o amor que distribuí,
Os frutos que plantei, venham, enfim, me regar.
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Publicado por Lílian Maial em 05/03/2009 às 21h10
25/02/2009 20h09
QUARTA-FEIRA DE CINZAS
®Lílian Maial
Depois da tempestade, a bonança. Foi como acordei hoje, meio quarta, meio cinza, inteiramente calmaria.
Em dias normais, diria que calma demais pra meu gosto. Numa quarta-feira-pós-terça-gorda, apenas ressaca de pretensa euforia.
Enquanto muitos ainda insitem em perpetuar o feriado e uma estranha alegria, seja torcendo na apuração das escolas de samba, seja pegando uma corzinha na praia, seja num cineminha, eu encaro o fim com um certo marasmo, talvez o mesmo com que venha encarando os últimos tempos.
Ah! Não é depressão, não. É que fiquei assim desde que a linha que tracei para minha vida foi desfeita por quem eu mais apostei. As coisas não fazem mais sentido, não me encaixo em mais nada, ou nada mais se encaixa em mim.
Como bem disse Cecília Meireles, não sou alegre e nem sou triste: sou poeta.
Que merda!
Ser poeta numa quarta-feira de cinzas é um saco! A gente olha prum lado e tudo dói, olha pra outro, e tudo foge. O verde é cinza, o azul é chumbo, o vermelho é olho que chorou. Cinza é morno, e morno sequer é tormento. Chumbo nem é dia e nem é noite, nem é brisa e nem é vento. E o olho vermelho é sangue de uma hemorragia que nunca que estanca.
O tempo que me resta é composto de um enfileirado de quartas-feiras de cinzas, até que eu mesma me transforme em pó. Em pó cinza.
É, Cecília, como você, eu também passo. E canto. E sei que a canção é tudo, embora a voz tremule e a melodia se esqueça das notas.
Desde que a poesia se foi porta afora, levando as malas e o meu chão, que as minhas asas perderam a capacidade de voar. Ela, a poesia, era meu alicerce, era a corda que me permitia ir além, era meu sonho e minha realidade.
Hoje só faço despencar todos os dias e esperar, com as portas abertas, que meu poema retorne, e me pegue pela cauda (já que sou cometa), revelando todas as verdades que vinha me ocultando, me encarando de frente, de igual para igual, de peito aberto, ou ainda escondendo mais mentiras e me poupando do aborrecimento que é cantar.
A quarta-feira de cinzas ainda não me queimou a vontade de ouvir a música dos teus lábios, aquela que fará enredo novamente no meu peito.
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Publicado por Lílian Maial em 25/02/2009 às 20h09
08/02/2009 17h48
ONDE O AMOR SE ESCONDE
®Lílian Maial
Hoje acordei com o amor na cabeça. Sim, porque geralmente se está com o amor no coração, porém, hoje acordei pensando sobre onde se esconderia o amor. E fiz um poema, um soneto. Mas faltava mais, queria filosofar, trocar idéias com meus pensamentos.
Não é no coração, posto que, embora o sangue ali circule, este se renova a cada três meses, muda, recicla.
Não seria, decerto, atrás da porta, onde as palavras se retraem, onde as lágrimas brotam, deitam e rolam, onde os dedos traem e os versos confessam a dor.
Talvez atrás do sol, bem junto à linha do horizonte. Neste caso, mais próximo dos surfistas, dos viajantes e dos náufragos.
Não! O amor não vive nos naufrágios, apesar de, a eles, sobreviver, por entre medos e pesares, por entre orvalhos na face.
Sempre se espera que o amor desponte, de pronto, e que todos os males, todas as trevas se dissipem, por entre aléias do destino à doce fonte.
Mas o amor não se busca no tempo e espaço, porque o amor, como o universo, não cabe numa vaga, num contorno. O amor tem a medida de um abraço, o tamanho da eternidade e a distância de um adeus.
Então, como se saber se o encontrou, se é o certo e o duradouro?
Ah! E o que, nesta visa, é duradouro, se já se nasce sabendo da morte?
Não, o amor não está na cabeça, no coração, ou em qualquer parte palpável ou presumível.
Ele se mistura à prórpia razão (ou falta) da existência. Nasce sem se saber a causa e, muitas vezes, se esconde sem que se conheça os motivos. Mas está lá, e lá estará para sempre.
Talvez não nasça, apenas nos toque, por já estar lá desde o começo de tudo.
Ele é tão grande, que a verdade vem à tona: o amor é eterno, e, talvez, senão o próprio, a expressão maior de Deus.
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Publicado por Lílian Maial em 08/02/2009 às 17h48
30/01/2009 22h14
A PAZ VOLTOU?
A PAZ VOLTOU?
-
Lílian Maial
A Paz voltou a Gaza.
Alguém acredita nisso?
Vemos a repetição do que acontece em toda e qualquer guerra, no intervalo (trégua): há que recolher, chorar e enterrar os mortos, contabilizar feridos e inválidos em plena idade fértil e ativa, buscar nos escombros os restos de vida e as lembranças de felicidade, combater doenças e pragas, e, irremediavelmente, se rearmar para novas ofensivas e defesas.
Por outro lado, o mundo que, há pouco, se agitava e se organizava para tentar deter o ataque, respira como que aliviado pelo fim do massacre, lentamente voltando à sua rotina, sem se dar conta que a maior guerra vem durante a trégua.
Precisamos continuar a pedir pela PAZ, sem o falso alívio das tréguas tênues, sem partido, sem buscar a razão, porque lá eles sabema razão, e cá, no fundo, nós também sabemos.
Agora que Obama foi eleito e já se posicionou, talvez as coisas acalmem por lá. Contudo, as incontáveis vítimas não verão mais a cor da esperança no mundo que os permitiu sucumbir ao forte armamento e à inércia de uma ONU sem nenhuma ingerência, desobedecida escancaradamente até bombardeada.
Como a poesia ainda é a melhor forma de divulgar os sentimentos, inclusive dos povos, aqui vão alguns exemplos, tanto do lado palestino, quanto do lado israelense:
Confissão de um terrorista!
Mahmoud Darwich
Ocuparam minha pátria
Expulsaram meu povo
Anularam minha identidade
E me chamaram de terrorista
Confiscaram minha propriedade
Arrancaram meu pomar
Demoliram minha casa
E me chamaram de terrorista
Legislaram leis fascistas
Praticaram odiada apartheid
Destruíram, dividiram, humilharam
E me chamaram de terrorista
Assassinaram minhas alegrias,
Seqüestraram minhas esperanças,
Algemaram meus sonhos,
Quando recusei todas as barbáries
Eles... mataram um terrorista!
*********
Em outro:
Chamada da Tumba
Mahmoud Darwich
Em memória do massacre de Kafr Kassem*
I
Minha morte aconteceu há oito anos
Tenho a mesma idade de meu pai
Chamamos a todos os viventes
A todos os que querem viver por muito tempo
Sobre a terra
Não debaixo dela
A todos os que querem
Que a trigo madure em seu campo
Semear e colher
Que a massa fermente em seus lares
Fazer o pão e comê-lo
Nós lhes pedimos: não durmam
Se querem viver por muito tempo
Sobre a terra
Não debaixo dela
Montem guarda... aqui o sol é de barro e miséria
Nossa idade se conta em anos de morte
Minha morte aconteceu há oito anos
Tenho a mesma idade de meu pai.
II
Dizemo-lhes
Não queremos sobre nossas tumbas
Nem água nem flores
Nada está vivo aqui
Apenas os casulos de víbora e os vermes
Dizemo-lhes
Não queremos roupas de luto
Não há na tumba outra cor
Que a preta
Dizemo-lhes
Não queremos canções tristes
Intermináveis
Dormimos aqui
E nosso retorno é impossível
Dizemo-lhes
Cantem pela terra que permanece
Rebelem-se
Ensinem nossa história sombria
Aos filhos
A fim de que nosso sangue
Permaneça na bandeira dos criminosos
Como sinal de catástrofe
Pedimos-lhes
Protejam os fracos das balas
Para que os que vivam fiquem salvos
E os que nascerão no futuro
Ainda goteja a fonte do crime
Obstruam-na
E permanecem vigilantes
Prontos para o combate
*Cidade convertida em santa após o massacre de 29 de Outubro de 1956.
*********
Carteira de identidade
Mahmoud Darwich
Registra-me!
sou árabe
número de minha identidade é cinqüenta mil
tenho oito filhos
e o nono... virá logo depois do verão!
vais te irritar por acaso?
Registra-me!
sou árabe
trabalho com meus companheiros de luta
em uma pedreira
tenho oito filhos
arranco pedras
o pão, as roupas, os cadernos
e não venho mendigar em tua porta
e não me dobro
diante das lajes de teu umbral
vais te irritar por acaso?
Registra-me!
sou árabe
meu nome é muito comum
e sou paciente
em um país que ferve de cólera
minhas raízes...
fixadas antes do nascimento dos tempos
antes da eclosão dos séculos
antes dos ciprestes e oliveiras
antes do crescimento vegetal
meu pai... da família do arado
e não dos senhores do Nujub¹
e meu avô era camponês
sem árvore genealógica
minha casa
uma cabana de guarda
de canas e ramagens
satisfeito com minha condição
meu nome é muito comum
Registra-me
sou árabe
sou árabe
cabelos... negros
olhos... castanhos
sinais particulares
um kuffiah² e uma faixa na cabeça
as palmas ásperas como rochas
arranharam as mãos que estreitam
e amo acima de tudo
o azeite de oliva e o tomilho
meu endereço
sou de um povoado perdido... esquecido
de ruas sem nome
e todos os seus homens... no campo e na pedreira
amam o comunismo
vais te irritar por acaso?
Registra-me
sou árabe
tu me despojaste dos vinhedos de meus antepassados
e da terra que cultivava
com meus filhos
e não os deixastes
nem a nossos descendentes
mais que estes seixos
que nosso governo tomará também
como se diz
vamos!
escreve
bem no alto da primeira página
que não odeio os homens
que eu não agrido ninguém
mas... se me esfomeiam
como a carne de quem me despoja
e cuidado... cuida-te
de minha fome
e minha cólera.
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1 Célebre tribo da Arábia
2 Lenço com desenhos quadriculados, usado para cobrir a cabeça e
que tornou-se símbolo nacional palestino pela liberdade e independência.
Originariamente, esse lenço é usado pelos camponeses para
protegerem a cabeça durante o trabalho no campo.
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E também, pelo lado judeu:
Mãe
Moshe Benarroch, poeta judeu
Onde vamos mãe?
Vamos para a nossa pátria,
Para o nosso país
E onde é o nosso país?
Não posso dizer-te o nome.
É proibido.
E fica muito longe esse país?
Fica do outro lado do mar, filho.
A viagem é longa?
Dois mil anos de distância
Três semanas de autocarro
Cinco horas de avião.
E como são as crianças desse país?
Todas Judias, como tu.
E eu como sou?
************
singapura:
Moshe Benarroch, poeta judeu
Encontrei a Maria em Paris
ela vinha da Venezuela
e perguntou-me algo sobre o antisemitismo
expliquei-lhe o que era ser judeu na Europa
ou ser judeu numa escola francesa sob Vichy
e ela olhava-me como se falasse chinês.
Depois veio a Jerusalém
e frente ao muro da lamentações
contei-lhe a história dos judeus
desde Abraão até aos gregos, aos romanos,
aos árabes
e ela continuou a olhar-me
como a um extraterrestre.
Ela não discutia nem procurava compreender
o antisemitismo
simplesmente tudo lhe parecia uma loucura
vinha de um país onde não existe tal palavra.
Desejo conhecer mais pessoas como ela
olhando-te como se fosses louco
quando tentas explicar o ódio.
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A VIDA JUNTO DA MORTE
Yehuda Amichai. poeta israelense
A vida junto da morte
na carcaça de um carro à beira da estrada
você ouve as gotas de chuva na lata enferrujada
antes de senti-las cair na pele do rosto.
Cai a chuva, salvação depois da morte.
Ferrugem mais eterna do que sangue,
mais bonita do que cor de labaredas.
O vento que é tempo, alterna
com o vento que é lugar.
E Deus
permanece na terra como um homem que sabe
que esqueceu alguma coisa
e fica
até lembrar.
E à noite você pode ouvir
como Maravilhosa melodia,
o homem e a máquina,
no seu lento caminho, do fogo rubro
para a paz negra
e daí para a história
e daí para a arqueologia,
e daí para um belo estrato de geologia.
Isso também é eternidade
como o sacrifício humano que virou
sacrifício animal e depois oração em voz alta
e depois oração dentro do peito
e afinal nem oração.
(tradução de Millor Fernandes)
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O lugar em que temos razão
Yehuda Amichai. poeta israelense
jamais crescerão
flores na primavera.
O lugar em que temos razão
está pisoteado e duro
como um pátio.
Mas dúvidas e amores
escavam o mundo
como uma toupeira, como a lavradura.
E um sussurro será ouvido no lugar
onde houve uma casa
que foi destruída.
(tradução de Nancy Rozenchan)
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As diferenças (infindáveis) permanecerão. A questão não é simples. O poeta palestino Rachid Hussein escreveu: “Os alemães mataram seis milhões de judeus, e, apenas seis anos depois, os judeus fizeram a paz com a Alemanha. Conosco, os judeus não querem a paz.”
Mahmoud Darwish (1941-2008) - Poeta palestino, testemunhou a destruição de sua aldeia, Al Birweh, durante a implantação do Estado de Israel, em 1948, e escreveu: “Vão! E levem daqui a morte de vocês!
O que precisa acontecer, para que queiram mesmo a paz?
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Publicado por Lílian Maial em 30/01/2009 às 22h14
30/01/2009 01h04
MULHERES TOTALMENTE BOAS?
®Lílian Maial
Gosto de passear por blogs, quando posso, principalmente os de literatura, de poetas novos, onde descubro universos tão semelhantes ao meu e, ao mesmo tempo, tão distintos. Isso a internet tem de bom, me permitindo viajar por corações e mentes com facilidade e à hora que eu bem entender.
Chato é quando me deparo com corações estranhos e mentes esquisitas. Dia desses, entrei num blog que me foi muito recomendado, de poesias gostosas de se ler, atuais, antenadas, mas me decepcionei bastante, por conta de textos e comentários preconceituosos. O pior deles: “não creio em mulheres totalmente boas”.
Vindo de uma mulher, isso me deixou perplexa!
Tudo bem ser fêmea, ser livre e independente. Tudo bem fazer escolhas e ter opções, mas não se pode ignorar a natureza e, muito menos, criticar quem justamente fez sua opção diferente da nossa.
Mas não pára por aí. Me deu um desconforto muito grande verificar que, até entre poetas e escritores - pessoas que deveriam ter maior sensibilidade e uso consciente da palavra – habitam sentimentos patéticos e elitistas.
Não suporto o preconceito de pessoas que não aceitam as opções alheias. Se há quem curta dietas rígidas, que mal há na opção de não ligar para a aparência e ficar acima do peso estético? Se há a opção pelo casamento, por filhos, por que não se pode querer ser só? Se há alisamento de cabelos, por que não se pode querer tê-los crespos? E por que não o oposto?
Tenho ojeriza a pseudo-liberais, a gente contrária a tudo e a todos, apenas porque ainda não encontrou seu caminho e sua identidade.
Pode tranquilamente haver conciliação entre idéias feministas e o prazer de cozinhar para quem se ama. É perfeitamente cabível ser independente, ter uma carreira brilhante, e chorar bem de mansinho, sem ninguém saber o porquê.
Me deprimem mulheres que disputam com outras a beleza, a elegância, a inteligência e a popularidade, só para arrotarem uma superioridade que sabem, no íntimo, que não têm.
Me deixam doente as que fingem orgasmos, as que sorriem de aparência, as que agridem quem não conseguem vencer no argumento.
Me assustam as mulheres muito perfeitas, que pensam que a felicidade é uma roupa nova, que se troca quando se enjoa ou sai de moda.
Tenho pena das muito piedosas e santas, que não gozam e preferem apagar a luz.
Não suporto as que não toleram!
Não tolero as que não suportam!
Tenho medo das que dividem o mundo entre feio e bonito, e se perdem no infinito abismo entre essas duas palavras. Há sempre o dia da solidão.
Desconfio das que se escondem sob o véu da inteligência, que certamente escondem um medo interior de fracasso.
Mulher sem idade, sem dramas, dona das vontades, que diz o que pensa e não aceita que os outros diferentes? Sei... Não defini se é imaturidade, preconceito, presunção ou apenas querer chamar a atenção, se fazendo passar por modernosa.
Mulher-espinho? Não! Definitivamente eu prefiro a rosa!
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Publicado por Lílian Maial em 30/01/2009 às 01h04
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