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20/12/2009 17h37
CARTA AO PAPAI NOEL - versão 2009
Querido Papai Noel,
Neste Natal, eu abro mão do meu presente e peço para você um novo par de óculos e um aparelho auditivo. Sua visão deve estar deteriorada, com tantos anos vendo as coisas mais inacreditáveis neste mundo, e seus ouvidos moucos, de tantos gritos e músicas funk e sertaneja.
Afirmo sua deficiência sensorial com convicção, uma vez que tudo o que pedi, no ano passado, veio trocado. Senão, vejamos:
- pedi um ano de saúde e paz, e você me coloca no governo o Arruda e o Eduardo Paes;
- pedi um sapato de salto alto, e você me deixa sofrer um assalto, em que o bandido me grita “mãos ao alto”;
- pedi avanços na Medicina e na Agropecuária, e você me envia gripe suína e recrudescência de malária;
- pedi que os ricos fossem mais generosos com os pobres, e você manda o dinheiro dos políticos para os cofres (na Suíça);
- pedi um novo amor quer fosse um assombro, e você me dá uma dor de lascar no ombro;
- pedi que o Rio se tornasse a capital do amor, e você amplia os buracos do metrô;
- pedi o Fluminense campeão para minha felicidade eterna, e você o deixou escapar do rebaixamento no sufoco na lanterna;
- pedi o fim das doenças e da fome, e você coloca no topo dos best sellers livros de vampiros bons e péssimos homens;
- pedi o fim da gula e que quem me deve, me pague, e você envia o Lula e a comitiva (de mais de 700 pessoas) a Copenhague;
- pedi o fim da violência e do tráfico de drogas, e você acaba com a inocência e deixa o tráfego uma droga!
Então, não tem que procurar ajuda? Não está na hora de trocar os óculos? Ou é tudo reflexo do cansaço e da falta de saco? Ops! E olha que seu saco é enorrrrrrrrrrrrrrrrrme!
Estou até com medo de abrir a boca ou escrever qualquer coisa para este ano, principalmente o que possa me trazer rimas constrangedoras. Vai que eu peça uma lembrança de Itu, ou muda de carvalho, uma piscina profunda, ou me casar e ficar rica... Sabe-se lá o que viria em 2010?
Assim, não peço nada pra mim. Quero que você tenha um ano de sorte, que o aquecimento global não transforme o Pólo Norte em Pólo Morte, que sua visão se amplie ao horizonte, que nosso próximo líder não seja um rinoceronte, que Irã e Iraque se dêem as mãos, e que todo o petróleo fique mesmo no chão, que as crianças não tenham mais tristezas, que o mundo só transborde de beleza, que a natureza tenha compaixão com os homens tolos, e que minha mãe continue a fazer deliciosos bolos. No mais, fé na vida e pé na tábua, que Cielo chegou à frente, mas que atrás vem gente...
Feliz Natal, que rima com bacalhau, que rima com sensacional, que rima com Maial!
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Publicado por Lílian Maial em 20/12/2009 às 17h37
11/11/2009 20h17
FEBRE
FEBRE
®Lílian Maial
Era só pensar nele que surgia a febre. Febre alta, absurda, de estourar termômetros. Febre e fome.
Vivia num clima quente, mas a quentura de dentro não se comparava. E não baixava. Podia tomar banho frio, fazer compressa de álcool, se abanar e até morar num aparelho condicionador de ar, que a temperatura não cedia.
O calor era tanto, que irradiava. Emanavam ondas infernais de todo o corpo. Uma quentura tão devastadora, que, por onde passava, ia queimando cortinas, pifando eletrodomésticos,
incendiando lençóis e desejos. Tudo pegava fogo ao mais simples olhar. Uma febre terçã, provocando convulsões nas entranhas e um abafamento de palavras e gemidos.
Não tinha cura, não tinha remédio.
Bastava pensar naquele homem.
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Publicado por Lílian Maial em 11/11/2009 às 20h17
10/11/2009 21h06
DE VOLTA AO COMEÇO
De volta ao Começo
®Lílian Maial
O mundo inteiro se preocupando com o aquecimento global, as guerras religiosas, a fome crônica, a guerrilha urbana, as novas doenças, e nós, aqui, no glamoroso universo tupiniquim, discutindo o comprimento da saia de uma jovem universitária...
É impressionante a pequenez do brasileiro médio! Faz pose de moderno, de liberal, de humilde até, mas, no fundo, não passa de um primitivo machista tacanha e obtuso. E, pior, as mulheres são as mais agressivas, quando se trata de outra, notadamente se bonita ou sensual, se desejada ou em evidência. Que coisa feia! Que gente pobre de espírito!
Tantas e tantas coisas a se fazer numa época difícil como a que vivemos! Tantos e tantos problemas sérios e urgentes a se buscar soluções! Inúmeras perguntas sem respostas, vidas sem esperança, e ainda vemos pessoas se unindo para difamar, agredir, humilhar uma pessoa a troco de nada, apenas por sua maneira de ser ou de se vestir.
Concordo que uma universidade não é o local ideal para exibição de dotes físicos. É esperado que se exiba dotes mentais, intelectuais e de formação de caráter. Contudo, foi lá, no ambiente universitário, que uma moça de 20 anos foi odiosamente atormentada por uma turba de neuróticos alienados, incorporados de uma índole perversa, como sói acontecer entre os jovens mais covardes - que, individualmente, não teriam coragem de sequer balbuciar qualquer palavra a quem quer que seja – apenas por vestir uma roupa provocante.
E - o pior de tudo – com a anuência do alto escalão da universidade, que tontamente acabou por expulsar – pasmem – a vítima!
Vivemos uma época de extremos, desde os religiosos (quando se mata em nome de deus), até os políticos (onde um país é entregue nas mãos de representantes do povo, que só fazem arruinar os sonhos do povo), passando pela guerrilha urbana dos traficantes de armas e drogas, e uma sociedade de dependentes químicos e virtuais, incluindo, aí, a mídia.
E no momento em que estamos tentando combater as mazelas em nossa casa, em nossa cidade, em nosso país, no momento em que estamos nos preparando para sediar uma Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, virando vitrine para o mundo, surgem fatos torpes como este, e nos mostram claramente que não estamos preparados para sediar nem nossa própria família em paz.
Voltamos ao começo de tudo, à barbárie, à lei de talião, ao “olho por olho, dente por dente”. Não há mais solidariedade, altruísmo, compreensão. As palavras amizade, compartilhamento, carinho e bondade saíram das páginas do nosso dia-a-dia, dando lugar à indiferença, à falta de opinião própria, às reações em massa, à lentidão de pensamento.
Tudo é a moda, é a TV, é o esdrúxulo se tornando ícone, é o venal se tornando legal, é a desagregação no lugar da integração. E tanto se fala em integração e inclusão social, e o que se deseja é a absoluta exclusão do outro.
Como se nada tivesse acontecido, a direção da universidade volta atrás na expulsão da aluna (como se ela tivesse clima para voltar a estudar lá e enfrentar a turba de cerca de 700 estudantes que a humilharam), possivelmente temendo a implicação judicial e a queda no número de alunos, a partir do episódio nefasto.
A moça vai se recuperar, é claro, vai conseguir vaga em alguma outra universidade, até melhor (já houve propostas nesse sentido), vai aparecer em entrevistas, reportagens, programas de TV, é capaz de virar celebridade, numa condição oposta àquela que deu origem a toda essa confusão.
Ela vai se recuperar, sem dúvida! Nós é que não. Nós, que lutamos contra todo o tipo de preconceito, de violência, de assédio e discriminação. Nós, que tentamos viver dentro dos padrões de boa convivência, de civilidade, que criamos nossos filhos acreditando que o mundo é diferente do que eles ouvem falar; que eles, os filhos, poderão torná-lo o melhor lugar que existe, onde quer que estejam. Nós é que vemos, com situações como esta, nossas esperanças de um futuro melhor indo por água abaixo.
É lamentável a quantidade de abominações que se falou ou escreveu acerca desse episódio. É triste vermos rapazes e moças com atitudes tão aviltantes. É terrível sabermos que a mulher, que vem lutando com tanta dificuldade para conseguir um lugar de igualdade, de liberdade de atos e pensamentos, ainda abraça o preconceito, o despeito, o cinismo e a hipocrisia como bandeiras de sua evolução.
Pelo que pude observar, voltamos ao começo, ao tempo das cavernas, e não estranharia nem um pouquinho se, em outra universidade qualquer, alguma moça fosse arrastada pelos cabelos por um ou dois ou inúmeros estudantes chateados porque ela ousou aparecer de salto alto ou de cabelo azul.
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Publicado por Lílian Maial em 10/11/2009 às 21h06
27/10/2009 19h43
ERA VIDRO E SE QUEBROU... (CRACK)
ERA VIDRO E SE QUEBROU... (CRACK)
®Lílian Maial
De maneira nua e crua, tomei ciência de que meu amigo poeta é o protagonista de um drama familiar indescritível. Vi o noticiário do pai que entregou o próprio filho à polícia, pela morte da namorada, durante surto de crack.
Aquele pai era o meu amigo poeta Luiz Fernando Prôa, um ativo representante da poesia carioca, que já vinha em árdua luta para tentar salvar o filho Bruno das garras do vício, desde tenra idade.
De pronto, coloquei-me em seu lugar, uma vez que também sou mãe de adolescentes, e pude avaliar a dor desse meu amigo poeta.
A dor do pai que percebe o filho diferente, que descobre seu vício relacionado ao álcool (droga lícita), depois a drogas ilícitas, inicialmente quase inócuas, para, logo depois, avançar para as mais pesadas e, finalmente, ao crack.
A dor do pai que não consegue ajudar o filho de maneira incisiva, pois que não conta com aparato do Estado, e se vê só.
A dor do pai que entende que seu filho vai lentamente se perdendo na vida, e não pode impedir.
A dor do pai que se descobre, num fatídico dia, pai de um surtado que foi capaz de tirar a vida de quem lhe tentava ajudar, a quem amava.
A dor do pai que se entrega e enxerga que a única saída era entregar o próprio filho, para que pagasse pelo que fez.
A dor do homem envergonhado perante a família da vítima.
A dor do pai que sabe as dores que seu filho ainda passará.
A dor do pai que sente alívio por sua expectativa do pior ter um fim, porque o pior finalmente aconteceu.
A dor do poeta que vê seu melhor poema ser rasgado pelo trágico destino.
São muitas dores para um só homem, mesmo um poeta.
Há a dor da família da mocinha, certamente a dor da vida ceifada no seu desabrochar. A dor da dor. Não há consolo, embora todos consolem.
E aquele homem, o “pai do assassino”, mas que é pai, que é homem de bem, que vinha lutando com as armas que possuía - esse homem não tem o consolo das famílias dos mortos, porque seu filho está vivo e foi, neste caso, o agente da morte. Mas ele é pai, e não há como deixar de sê-lo.
Ele sofre por todas essas dores por longos anos a fio.
Ele deve ter percorrido o caminho ao inverso, buscando onde foi que poderia ter sido mais presente, mais amigo, mais rigoroso, mais castrador, quem sabe?
Ele deve estar, mais uma vez, como em tantas outras, buscando a superfície, imerso no mar de inoperância do Estado, no assombro que é a vida nas grandes cidades, onde se convive com as tentações dos apelos da mídia convidando aos mais diversos vícios, onde se tenta desviar de balas perdidas, escapar de falsas blitz, sair e voltar para casa ileso, e encontrar os filhos também sem injúrias.
Aquele homem, aquele pai sou eu, é você, são todos os que estão do outro lado e, ao mesmo tempo, do lado de cá.
Não é o “pai do assassino viciado”, mas também uma vítima dos nossos tempos, um cidadão que não vê saída e não sabe e nem pode mudar a vida de um filho maior de idade, num país onde os dependentes têm que desejar a internação, mesmo quando, embora não alienados, estão incapazes de decidir sobre que rumo tomar.
Esta não é uma crônica político-social, muito menos uma tentativa de atenuar o acontecido. É apenas a manifestação de solidariedade às muitas dores de um amigo poeta, em solitária luta que, longe de chegar ao fim, ainda promete outras tantas mazelas e provações.
É apenas minha maneira de dizer que entendo o que você, poetamigo, está sentindo, essa fragilidade e esse cansaço, e oferecer meu ombro amigo para lhe amparar e dar forças para seguir adiante no resgate do seu menino.
Não podemos deixar a droga levar nossos meninos e meninas!
NÃO ÀS DROGAS!
NÃO À INDIFERENÇA DOS GOVERNANTES!
NÃO AO CONFORMISMO DOS QUE NADA TÊM A VER COM ISSO! UM DIA, PODE SER O SEU JARDIM A SER PISOTEADO.
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Publicado por Lílian Maial em 27/10/2009 às 19h43
21/10/2009 22h17
VIOLÊNCIA
Violência
®Lílian Maial
Estava fora do Rio, quando soube dos episódios de violência, morte, uma verdadeira guerra civil, envolvendo policiais, bandidos do tráfico de drogas e cidadãos comuns.
Temi pela minha família, pelos meus vizinhos, pelos conterrâneos, pelas pessoas simplesmente.
Sofri, mais uma vez, com o rumo que as coisas vêm tomando, com a truculência das decisões alucinadas, alienadas, como uma revanche de quem nunca teve uma chance, contra aqueles que nem conhecem, que nem sabem se são os responsáveis pela falta de oportunidades.
Vejo o submundo se tornar o mundo real, e o mundo que era considerado normal como o que vira submundo.
Vivemos gradeados, assustados, escondidos, imperceptíveis, porém como que acostumados com todo esse desvario, essa imbecilidade, destruição, marginalidade e descaso.
Por mais que apontem os bandidos como responsáveis pelas mortes e pelas drogas e armas, mais me convenço que a solução não está na polícia. Claro que quem atirou no helicóptero da PM foi um bandido cruel, sanguinário e hediondo, que precisa ser contido e removido do convívio social. Porém, numa retrospectiva não muito distante, esse mesmo bandido deveria ter estado, há 20 anos, matriculado numa escola de tempo integral, com alimentação, educação, cuidados de saúde, ensino profissionalizante e formação humana, cívica e religiosa.
Ah! Saudade de Darcy Ribeiro! Um dos idealizadores das escolas de tempo integral – os CIEPs – que previam a redução da violência, justamente pela retirada das criancinhas dos meios já contaminados pela frieza, revolta e malandragem. Tudo parece ter sido em vão. Quantos sonhos, ideais, projetos jogados ao léu! Por que os políticos que assumem a pasta precisam destruir o que o antecessor construiu? Por que não são punidos por desperdiçar o erário, abandonando os projetos que deram certo?
Se os CIEPs tivessem seguido o projeto de seus idealizadores, hoje, mais de 20 anos depois, aquelas crianças não teriam se misturado aos cestos contaminados, e poderiam ter tido a chance de serem inseridos no mercado de trabalho, com uma formação decente, longe de drogas e armas, como qualquer criança que hoje, já adulto, tem entre 20 e 25 anos.
Não sou partidária política, não pretendo ser, mas reconheço um bom projeto e pessoas de visão. Darcy e sua equipe queriam o bem da nação, queriam um povo brasileiro forte, digno e instruído, queriam paz e justiça social. E os políticos de hoje, o que querem? Qual político atuou na redução real da violência e na projeção de um futuro melhor para nossos filhos? Qual vereador, deputado ou senador se preocupou com a carceragem, com a criação de penitenciárias em que os presos trabalhassem para seu sustento e auxílio às comunidades? Qual governador cuidou de sua cidade, enfrentou suas mazelas e amparou os filhos sem futuro?
Eu estou de luto pelo Rio de Janeiro e pelo meu país. Estou de luto pelos que sucumbem, a cada dia, nesse lamaçal de sangue e pólvora. Estou de luto por todos os que não viverão a juventude e a velhice. Estou de luto por todas as crianças de hoje, que serão os marginais de amanhã, e por todas as crianças de hoje, que também serão vítimas da violência dentro de poucos anos. Meu filho vai crescer, seu filho também, assim como os filhos da rua. Precisamos cobrar de nossos políticos a urgente revitalização do projeto original dos CIEPs, sem populismo ou partidarismo, para que os filhos de nossos filhos consigam viver em paz, e a cidade possa novamente brincar de sol e mar, e o único espocar que ouvimos seja dos fogos de artifício de fim de ano.
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Publicado por Lílian Maial em 21/10/2009 às 22h17
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