QUANDO A LUZ SE APAGAR
®Lílian Maial
Quando a luz se apagar, outra serei, remexida pelas mãos curiosas dos que pretensamente me conheceram.
De nada valerá, pois não mais estará ali o meu corpo, muito embora a carne possa esculpir o contorno que foi meu.
Nem restará meu olhar, malgrado os olhos cerrados ainda possam destilar certo desdém de azul, num repouso verde ou castanho.
Tampouco meus lábios rubros, de leves fissuras a desenhar quimeras, embora um certo riso mudo, em batom de néon, possa simular presença.
Não, não serei eu, ali, quando o vento não mais emaranhar os cabelos louros, outrora ruivos, na verdade pretos.
Nem aquela, cuja ansiedade levou os anos mais depressa, vivendo outras vidas, para outros, que não eu. Pressa de folhas e frutos, raízes se embriagando de chuva, galhos de não mais abraçar a tarde, agora já noite, em nobre e desnecessário veludo mesclado de renda.
Essa, sim, deitada sem compromisso com o horizonte, sem as amarras da gravidade, que não traz o medo das descobertas e do oculto pesando, como pedra, sobre o músculo exaurido.
A que passou tantos outonos observando as primaveras e suas flores incontestável e odiosamente frescas.
A que, debalde, se mentia a completude, convencia de felicidade, aparentava desproblemas.
Então, quando o inverno gelar por completo minhas vestes de mim e o hálito quente não mais esfumaçar as brincadeiras de cigarro, nas madrugadas de frio, não serei mais a dona das minhas decisões, não poderei impedir que sonhem, que falem meu nome, que pensem coisas a meu respeito. Não terei mais o domínio do ridículo de meu frouxo discurso, armado sobre certezas dizimadas pelas verdades que só eu não conhecia.
Estarei, então, finalmente nua, de uma absoluta falta do que esconder, de um arrogante enfrentamento dos meus segredos e todos saberão que aquela não fui eu.
E me flagrarão brincando com as folhas ao vento, rindo com as maritacas, pasma com o pôr do sol, chorando com finais felizes, ouvindo as vozes das crianças, sonhando com o semblante de tudo o que se pensa amor.
E todos dirão, com respeito honesto, que aquela sabia o seu lugar.
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