Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
29/06/2007 12h17
E SE ELE FOR EMBORA?
®Lílian Maial


Elaine tem 19 anos de casamento, dois filhos lindos, muitos sonhos, muitas buscas e um gênio bastante difícil, que ela mesma reconhece. Porém, apesar de prós e contras, tem um amor imenso em seu peito, e um desequilíbrio conjugal equilibrado. Casou-se muito cedo, podando muitos sonhos, embora sempre achasse que valera a pena, pois tinha uma família linda, certamente invejada por muitos.

De uma hora para outra, um mundo inteiro desabou sobre sua cabeça: o marido confessou estar apaixonado por outra mulher. Elaine trancou-se no quarto, chorou todas as lágrimas até secar a fonte, imaginou-se a mais desgraçada e insignificante mulher do mundo, achou-se feia, gorda, sem trato (porque toda mulher tem a tendência machista de sempre pensar que a culpa da traição do marido é dela).

No fundo, Elaine não estava nada disso, estava normal, ainda jovem, bonita e cheia de vida, talvez apenas sem muito tempo para si, já que se dedicou por completo àquela família, esquecendo dela mesma pelos outros. Esse talvez tenha sido seu maior erro, e de todas as mulheres que assumem para si a responsabilidade única de manutenção da família, da casa, dos filhos, enquanto os maridos saem a trabalho e fim. Eles naturalmente, se divertem, encontram mulheres mais bem cuidadas, solteiras, sem filhos, sem problemas, corpos delineados por horas de academia, horas essas que Elaine dedicava aos filhos e à casa, para o bem-estar do companheiro, que não ligava a mínima para nada disso, e preferia mantê-la assim, alienada, ocultando dela, senão interesses extra-conjugais, talvez seus sonhos e anseios não correspondidos, o que não deixa de ser uma traição.

Aí, de repente, Elaine se viu num abismo, acreditando que toda a dedicação de tantos anos foi em vão, que todos os sonhos deixados de lado foram inúteis, que todo o sacrifício de nada valeu. Sente-se agora vítima das circunstâncias, sente-se pequena, sente-se inferior. Contudo, Elaine se esquece que sempre fora feliz assim, como estava. Que adorava cuidar da casa e dos filhos, que amava a vida em família que teve todos esses anos. Então, como poderia pensar que de nada valeram esses anos? Ao menos lhe valeram dois lindos filhos, e isso apenas para começar, porque basicamente tudo valeu, para formar a mulher que hoje Elaine é.

E se ele for embora?

Essa pergunta não saía da cabeça de Elaine, e se repetia, se repetia e se repete, aumentando o desespero, e estreitando o campo de visão dos fatos.
De fato, o que aconteceu foi um desgaste natural de toda relação, não só a dela. Engano imaginar que todo casamento é plenamente satisfatório para ambos os lados, que não é. O que ocorre é que a mulher cala, porque prefere manter a família e o status acomodado e aparentemente seguro de dona-de-casa, esposa e mãe.

Elaine não consegue se ver sozinha e na luta, porque esqueceu que tudo o que fez na vida nesses anos de casamento foi lutar, lutar por sua felicidade e a do marido e filhos, enfrentando, como guerreira, inúmeras dificuldades.

Se hoje não há mais essa felicidade, nada de Elaine chorar, achando que nunca houve, porque ela sabe que foi feliz e que fez a todos felizes. Houve o desgaste, e nada foi feito, no sentido de reacender velha paixão, ou buscar novos caminhos a dois.

E se ele for embora?

Se ele for embora, Elaine vai ficar. Vai ficar com os filhos, que são seu maior tesouro. Vai ficar com a certeza de que foi fiel ao compromisso do casamento. Vai ficar com as boas lembranças. Vai ficar bastante triste e abalada por um bom tempo. Vai ficar frágil, chorosa e vulnerável. Mas... Vai sobreviver! Vai arregaçar mangas, porque mulher nasce resiliente. Vai descobrir que é forte, é batalhadora, é capaz e é linda! Vai galgar os degraus do entendimento das coisas, rever seus valores, re-equilibrar os filhos, fazer balanço de gastos e ganhos, administrar a perda.

Todo caminho tem duas escolhas. Toda perda tem seu ganho. Toda tristeza tem alguma compensação. Tudo no universo é yin e yang, positivo e negativo, côncavo e convexo. Tudo sempre se encaixa, e o que não tem remédio, remediado está, ou se parte em busca de medicina alternativa. O que não se pode é viver acreditando que tudo é ruim.

E se ele for embora?

Se ele for embora, Elaine vai redescobrir a fêmea, vai se cuidar mais, vai se amar melhor, vai se tornar um tiquinho mais exigente, e se valorizar. Elaine vai retirar do baú seus velhos sonhos, e lutar para colocá-los em prática. Vai se reerguer sozinha, vitoriosa, cônscia de seu potencial e de suas inúmeras qualidades como mulher. Vai se preparar para futuras relações mais maduras e, quem sabe, mais satisfatórias, uma vez que não aceitará menos do que sabe merecer.

E se ele for embora?

Que seja feliz! Porque Elaine vai surgir plena e maravilhosa, sem remoer mágoas, sem guardar sentimentos negativos, porque a nova mulher não tem pena de si, porquanto se sabe linda, intensa e cheia de amor. O maior amor de todos, que é o dela por ela mesma. E não haverá ninguém que a convença do contrário nunca.

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Publicado por Lílian Maial em 29/06/2007 às 12h17
 
22/06/2007 15h21
RESILIENTE
®Lílian Maial


Desde que me entendo por gente, me considero uma pessoa otimista, positivista, bem resolvida, de bem com a vida, e inúmeros adjetivos que vieram se acumulando com os anos, em virtude da minha capacidade de ver o mundo e a vida com olhos poéticos.

Lembro-me de um livro na infância que muito me marcou: Pollyanna, de Eleanor H. Porter, que talvez tenha sido o marco da minha decisão de ser inquebrável e transformadora, como a pequena heroína da história.

Costumo de dizer que sou como as palmeiras na tempestade, que se envergam ao máximo, quase tocando o chão, porém não se quebram, retornando à posição ereta e ainda balançando a cabeleira. Ou ainda uma camaleoa, com a capacidade de me modificar e me adaptar ao ambiente. Ou, quem sabe, uma lagartixa, que se regenera após um corte. Poeta que me sei, vejo-me algo como uma camatixeira (camaleoa, lagartixa e palmeira).

Porém, com a opção de meu filho de fazer engenharia, ganhei um novo e interessantíssimo adjetivo: resiliente. Não sei se apenas resiliente, ou uma palmeira resiliente, uma lagartixa resiliente, ou ainda uma camaleoa resiliente.

A resiliência é um termo da física, que se traduz pela capacidade dos materiais de resistirem a choques. Ela pode ser avaliada em termos de dureza (cujo diamante parece se destacar), tenacidade (capacidade de resistir ao rompimento – como o titânio), e resistência à corrosão (onde o aço é o ator principal).

Não que durante o fato desencadeador do trauma eu não me descabele, não sofra, não deprima, não chore e esperneie. Claro que sinto: sou humana! Contudo, algo dentro de mim se recusa a permanecer por muito tempo na condição de vítima, de frágil, de coitada. Algo dentro de mim se regenera, se ergue, se apara as arestas, se recompõe. Céus! Teria eu um alien resiliente por dentro?

Depois de ouvir meu filho e pesquisar sobre resiliência, cheguei à conclusão de que não há nada mais resiliente, no universo do meu conhecimento, que o ser humano. E que o mentor dessa resiliência é o imenso amor que se carrega por dentro (que alguns poderiam chamar deus), aliado a uma segurança e auto-estima, certamente conquistados a duras penas.

O amor dentro do peito é tanto, que não suporta, ou melhor, supera o sofrimento e a dor, a perda, a solidão, o fracasso. O amor é tão positivo, que suplanta a negatividade e a expulsa de seus domínios. Então vem o perdão (a mim e ao outro, que me causou dano), vem o alívio e a clareza. Daí a regeneração. Daí a absorção do impacto e a devolução da energia elasticamente de forma positiva. Por isso alguns dizem que sempre se sai fortalecido de uma pancada bem dada. É a resiliência, e a resiliência tem como mentor o amor por si e pela vida.

E é essa capacidade do individuo de garantir sua integridade, mesmo nos momentos mais críticos, que o torna insuperável por qualquer outro elemento da natureza.

Não posso afiançar se isso se trata de potencial genético, de relações familiares fortes na infância, de cultura ou tradição. Seja como for, não se é resiliente sozinho. Há bastidores no show do indivíduo resiliente, que pode ser um objetivo de vida, um amor, alguém da família, toda uma família. Não necessariamente apenas por apego. Talvez o resultado de apoio, de otimismo, de dedicação e amor, idéias e conceitos, que entram como intervenção e resultado.

O que sei é que o mundo precisa, mais do que nunca, dos resilientes, e que nós todos podemos fazer parte desse conceito.

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Publicado por Lílian Maial em 22/06/2007 às 15h21
 
09/06/2007 17h28
O que leva as pessoas a se tornarem amigas ou inimigas?
Lílian Maial



O que leva as pessoas a se tornarem amigas ou inimigas?
Entre casais, depois de duas ou mais décadas de convivência, descobrir que o parceiro de toda uma vida não é mais amigo, não lhe quer bem, e que, por qualquer rusga, se esquece de anos de dedicação, carinho e cuidados, e deixa o outro sozinho, abatido, doente e sem recursos. Busca se vingar, seja na sua família, nos seus amigos e até nos filhos, mesmo que de maneira inconsciente.

As relações humanas deveriam se basear em confiança, respeito, bondade, porém, de uma hora para outra, transformam-se em desconfiança, mágoas, ressentimentos e, em alguns casos, desejos de vingança.

Pobre daquele que acredita no ser humano!

Não sei se alguém já disse isso, mas certamente já sentiu na pele. Juras, promessas, encantamento, uma vida construída juntos, para, de repente, virar uma guerra impiedosa, onde vencerá o mais forte (ao menos o de estômago mais forte).

Onde foi parar aquele anjo, aquela pessoa forte, protetora, amiga, que fez promessa solene proteger o amor de tudo e de todos, e nunca o magoar? Onde foi parar a amizade de todas as horas, o apoio, o suporte, o amor?

Num eventual rompimento, ou numa situação crítica, tais sentimentos dão lugar a ódio, vingança, desejo de destruir e contribuir para o sofrimento e a infelicidade.
E ficam, lá no cantinho, as lembranças de um tempo que agora parece tolo e desperdiçado. As trocas, as esperas, as surpresas, as alegrias, as vitórias, as lutas todas. Uma vida inteira sufocada por atitudes negativas de não mais querer bem. Tudo bem não se querer mais, mas deixar de querer bem?

O que leva as pessoas a se tornarem amigas ou inimigas?
Como desconfiar de que o pacto vai se acabar? Quais os sinais? Sim, porque os sinais de uma sociedade no fim são relativamente fáceis de se identificar, até mesmo por quem está de fora, mas sinais de não mais querer bem? Quais são? Como evitá-los? Melhor seria não evitá-los?

As pessoas são todas feitas do mesmo material, crescem com as mesmas regras e conceitos, mas em algum lugar da estrada os caminhos se dividem e os passos se quedam por atalhos ou desvios, e o cansaço e o orgulho impedem que se pare e retome a caminhada em terras conhecidas e firmes.

E agora, ainda pelo meio do caminho, elas vêem as rosas plantadas por elas murchando de sede e frio, ante a indiferença da raiva e da frustração. Aas mesmas rosas cor de chá despetalando, como um coração despedaçado, de raízes arrancadas do solo fértil da amizade.

O que leva as pessoas a se tornarem amigas ou inimigas?
Eu não sei, mas se deveria nascer sabendo, para que não se representasse esse papel tosco de adultos isolados pela incompreensão e a teimosia, pela falta de diálogo e a ocultação, pelo fingimento e as lágrimas sem destino.

Todas as afinidades se dissolvem ao sabor das palavras mal ditas. Todas as promessas se descumprem imersas em rancor. E aquele fio de aço que prende um ao outro, companheiros de longas jornadas, se parte em cada ausência, em cada manifestação de ira, em cada sentimento trancado e dilacerado pelo amargor.

Eu me recuso a me tornar inimiga do meu melhor amigo. Posso até seguir amiga sem amigo, mas não deixo as rosas cor de chá serem maltratadas, abandonadas por falta de amor. Eu as recolho e as mantenho num vaso delicado, e as rego a cada vez que olhar para os filhos e frutos, sabendo que, em mim, nada do que vivi será morto.


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Publicado por Lílian Maial em 09/06/2007 às 17h28
 
27/05/2007 15h25
Depoimento de quem já abortou...
Pois é, falar de aborto parece que incomoda a muita gente. Baixíssima leitura no artigo e somente um comentário, e de um homem!
Enfim, nessa minha árdua tarefa de dizer o que penso e tentar clarear as coisas para homens e mulheres, publiquei esse artigo em uma revista eletrônica de grande divulgação, a Rio Total, em réplica a um texto do Artur da Távola.
Hoje cedo me chegou um e-mail surpreendente, de uma mulher de 85 anos, minha leitora, me dando total apoio nessa empreitada em favor da legalização do aborto, contando e autorizando a publicação de sua própria experiência, que segue abaixo. Não publicarei seu nome, mas transcreverei seu e-mail na íntegra:

"Lílian,

-Obrigada pelo seu artigo sensato e claro. Nenhum homem sabe o que significa uma gravidez indesejada. Para eles é fácil de falar em vida intra-uterina, etc. Eu tenho 85 anos. Antes que meu segundo filho nascesse, fiquei grávida. Eu e meu marido não estávamos em condição de criar mais um filho com dignidade. Nesta época vivi num país onde aborto era legalizado, fui e fiz o aborto num hospital com médicos e enfermeiras. Um ano depois engravidei de novo, desta vez estávamos muito felizes. Meu segundo filho, hoje com 58 anos, é um homem feliz e realizado. Tudo sem trauma, sem dores e sem remorso.
Isso aconteceu na Hungria, sob o regime comunista, mas mesmo lá somente a mulher é ouvida.
A gente, depois da primeira consulta, tem 3 dias para pensar. Depois se não mudar de idéia, faz o procedimento num hospital, com médico e enfermeiras, e 2 dias de internação.
Nao tenho nenhum trauma psicológico, isso é fábula para crentes de ouvir. Meu filho sabe da história e sabe que ele está vivo graças ao aborto que eu fiz antes dele."

Essa senhora de 85 anos não sente remorso ou vergonha, pq simplesmente foi uma opção lúcida e lógica. Ela estava bem casada, mas sabia que não poderia criar um filho com dignidade.
Agora vamos imaginar as mocinhas sem recursos, com famílias que não aceitariam a gravidez, ou até que aceitassem, mas com a condição de controlarem a vida da filha...
Ou as mulheres que usam contraceptivos, mas que naquele mês falhou, em um momento em que a gravidez não era uma opção.
Ou seja lá a situação que for, mas que a gestação não é bem-vinda.

Não estamos aqui incentivanmdo o aborto indiscriminado, apenas dando à mulher o direito de escolha sobre seu corpo e seu futuro, sem demagogia, hipocrisia, fanatismo e vendas nos olhos.

Chamo a atenção para o fato de que o Brasil é reconhecido mundialmente por seu avanço no tratamento e controle da AIDS, que não aconteceria, caso não se tivesse optado por enfrentar a igreja e seus princípios. Se isso não tivesse acontecido, até hoje nossos jovens estariam à mercê dessa praga.

O governo lança agora um Programa de Planejamento Familiar mais abrangente que, esperamos, vá ajudar bastante nos casos de gestações de adolescentes, mas sabemos que só isso não resolve o problema da gravidez indesejada.
Há que se lutar, sem paixões ou ofensas, pela legalização do aborto no país.

Afinal, faria apenas quem precisasse e quisesse...

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Publicado por Lílian Maial em 27/05/2007 às 15h25
 
26/05/2007 20h36
SE O PROBLEMA DO ABORTO NÃO ESTÁ APENAS NELE, VAMOS ENTÃO VER ONDE ELE ESTÁ?
Lílian Maial


Nosso caro colega Arthur da Távola acabou de postar um artigo em outro sítio, onde diz que o assunto “legalização do aborto” nada tem a ver com a Presidência, mas com o Congresso. Eu discordo, e gostaria de tecer algumas considerações, apenas a título de expandir as idéias, sob um outro prisma.
É assunto do Congresso sim, porém o resultado disso é assunto social, assunto de mortalidade feminina, assunto de saúde pública, assunto de miséria, e isso é assunto da Presidência. O foro íntimo individual (feminino!) é inquestionável. Já quanto à sociedade, na minha opinião, é absolutamente secundário, pois que a mesma varia de acordo com a moda e com a mídia.
Essa mesma sociedade vive reclamando que a idade mínima para a aposentadoria foi elevada, mete o malho no governo, se descabela, mas não toma uma única atitude. Essa mesma sociedade assiste, inerte, a incêndios de seus ônibus, a assassinato de seus filhos, ao roubo escandaloso do dinheiro público, tudo em absoluto silêncio.

Eu não creio que a questão seja ser contra ou a favor do aborto em si, que isso sim é de foro íntimo, mas em ser favorável ou contrário à sua legalização, ao direito de se optar por ter ou não ter um amparo médico, quando a decisão de abortar já está tomada. Sim, porque uma mulher que esteja decidida a abortar, quaisquer que sejam os dispositivos legais, vai abortar. Depois da decisão tomada, não há lei que a faça voltar atrás. E isso vem de milênios. É desinformação tentar dizer o contrário.

É impressionante que, depois de tantas batalhas arduamente ganhas em favor dos direitos da própria mulher, depois de tantas transformações que a sociedade finalmente vem sofrendo, em virtude de ações de grandes mulheres, dentre elas Betty Friedan, recentemente falecida, uma das responsáveis por eu e a maioria das mulheres estarem aqui hoje, debatendo em pé de igualdade com os homens qualquer tipo de assunto, a sociedade e até muitas mulheres ainda serem capazes de atitudes retrógradas, que procuram manter a mulher à mercê do poder masculino.

Não pensem - aqueles que são radicais - que a legalização aumentaria os índices de aborto. Não! A legalização apenas conferiria às mulheres de baixa renda o direito de ter amparo médico em sua decisão. Sim, porque as de classes mais abastadas o fazem em ambiente seguro, com médicos, anestesistas, enfermeiras e acompanhantes. Só as miseráveis, que não podem pagar por uma clínica clandestina (que é clandestina só para inglês ver), é que sofrem dores, riscos, morte.

A legislação brasileira não circunscreveu esta matéria bastante bem, como cita o colega. Ela é segregadora, limitante, excludente e machista. Limita o ato apenas a grávidas por estupro (que quando chegam a conseguir a permissão para o aborto já deram à luz) e nos casos de imperfeição genética, desde que esta venha a provocar a morte do feto, atestada por inúmeros especialistas, quando a barriga já está volumosa e a criança mexendo, traduzindo, aí sim, uma vida, dificultando a escolha da mulher. Exclui as que não desejam a gestação. É machista, porquanto homens decidem sobre o que não arcam depois. Um absurdo, uma vez que o Estado não garante a subsistência das crianças geradas contra a vontade da mulher, e muito menos às crianças deficientes!
Basta olhar nas ruas e nas instituições. Antes de se empunhar a bandeira pelos que sequer enxergaram o mundo ainda, deveria ser levantada uma bandeira para livrar os já nascidos da miséria, da sevícia, da falta de esperança, das drogas, do crime e do apodrecimento da infância.
Que se fale em preservação da vida na hora do descaso, do preconceito, do virar as costas às crianças de rua, no subir rapidamente o vidro do carro, com a menor sensação de sua aproximação, ao dar esmolas aos equilibristas da fome, que os divertem nos sinais de trânsito, ou os constrangem.
Que se fale em preservação da vida daqueles que só esperam a felicidade na morte.

Concordo inteiramente, como médica, que o que mais precisa acontecer no Brasil é um mega projeto de planejamento familiar, com educação das meninas e meninos desde a pré-escola, de maneira séria e insidiosa, até o segundo grau. Que sejam distribuídos gratuitamente preservativos masculinos e femininos, com as devidas orientações de uso, e os contraceptivos. Mas isso, apenas, não afasta o problema da gravidez indesejada.

O cerne do problema da legalização do aborto está, a rigor, na mortalidade e morbidade feminina, além da citada procriação inconseqüente. O planejamento familiar livre e consciente, sem dúvida alguma pode atenuar a tragédia a médio e longo prazos, mas não a elimina, muito menos a curto prazo.

O mais importante de tudo: ser contra a legalização do aborto não diminui a quantidade de crianças abortadas, apenas aumenta o número de mulheres que morrem por não terem tido a chance de ir a um hospital fazer tal aborto, sendo submetidas a verdadeiras chacinas por curiosas ou clínicas clandestinas, que invariavelmente deixam seqüelas físicas ou, pior, morais.
Ser contra a legalização do aborto modifica, sim, os índices de mortalidade infantil, mas a mortalidade pós-natal, por sofrimento absurdo causado pela fome, pela miséria, pelo desamor da mãe (que não desejava o filho), pela sociedade – a mesma que foi contra o aborto - que sempre o considerará um bastardo, um marginal.

As demais formas de aborto realmente são um assassinato, mas um assassinato das mulheres pobres, as que provocam em si mesmas a expulsão do embrião, ao introduzirem em seu corpo arames de cabide, talos de mamona e outros materiais de toda sorte, com conseqüentes perfurações de útero, intestino, bexiga, peritonite, com seqüelas muitas vezes irreversíveis e até morte. Isso é assassinato! Porque a grande maioria poderia ser evitada, se a legislação retrógrada e a sociedade hipócrita não varressem para debaixo do tapete a certeza de que isso existe.
Nas clínicas clandestinas isso não acontece, mas só para as que podem pagar, e bem.
Dizer que a situação é do âmbito policial e da precária vigilância sanitária é colocar venda nos próprios olhos e nos da nação. Uma visitinha de 24 horas nos Pronto-Socorros mudaria a visão em dois tempos.

Ser contra ou a favor da legalização do aborto é ser contra ou a favor da mulher ter direitos sobre seu próprio corpo, seu destino, suas escolhas. Antes de levantar a bandeira da defesa de embriões, por que não defender menores de rua? Por que não trabalhar em causas sociais de recuperação de delinqüentes? Não querem respeitar a vida? Por que somente a vida intra-útero de conceptos de mulheres que não os desejam?

Ser contra a legalização do aborto hoje em dia significa muito mais ser a favor da criminalidade e do aumento do número de infelizes.

O mais interessante é que as pessoas que são contra a legalização do aborto são favoráveis, na maioria das vezes, à pena de morte de menores criminosos. Ou são favoráveis a deixá-los bem distantes de seu caminho. Ou a baixar a idade penal mínima.

E o mais triste disso tudo é ver uma mulher ser contra os direitos das outras, que a duras penas vêm lutando e se expondo para que a miséria, a criminalidade e a injustiça social sejam reduzidas.

Eu convivo no meu dia-a-dia com as mulheres que chegam com hemorragias, infecções, perfurações de útero, de intestino, em virtude de abortos provocados em circunstâncias desesperadas.
Convivo com mães que não entendem a razão de uma filha sua ter feito um aborto, quando elas mesmas pregam a independência, a prevenção, o uso obrigatório de preservativo. Só que parece que essas mães, assim como nossa sociedade impiedosa, não sabem da realidade masculina de não aceitar o uso dos preservativos, com a velha desculpa do "chupar bala com papel".
- "Dê um fora no cara que não aceita!" - dirão alguns. Mas elas, as que dizem isso, na hora H aceitam... É muito fácil condenar os outros, melhor ainda, as outras.

Há sim formas perfeitas de resolver esse conflito, bastando para isso a legalização do aborto em hospitais públicos, clínicas e maternidades, associada a um planejamento familiar e educação sexual nas escolas, de caráter sério e valendo nota. Mas aí é outro problema, pois agora as crianças nem podem mais ser reprovadas...

Não estou aqui querendo convencer as mulheres a abortar. Não estou fazendo campanha para que todas as mulheres abortem. Não sou favorável a abortos em massa. Queria apenas sensibilizar as pessoas de que a mulher tem o direito de ter assistência médica, como qualquer ser humano, na hora em que decidir não levar uma gravidez em estágio inicial adiante.

Concordar ou não, também é direito de cada um.

Em tudo o que foi exposto, a frase mais marcante e menos levada em consideração é: “estou convencido de que é dela (da mulher) a última palavra”. Isso é tão óbvio, que chega a ser engraçado. De quem mais deveria ser a última palavra, se o corpo é da mulher?


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Publicado por Lílian Maial em 26/05/2007 às 20h36



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