Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
17/05/2014 14h43
NO MEIO DO MEU CAMINHO TAMBÉM TINHA PEDRAS...

No meio do meu caminho também tinha pedras...

®Lílian Maial

Era um frasco branco de tampa vermelha. Na verdade, translúcido o suficiente para me permitir vislumbrar os contornos das infelizes. Sonsas! O tempo todo trabalhando em silêncio, me apunhalando pelas costas (na barriga, mas irradiando para as costas). Três pedras escuras, sombrias, lamacentas. Ficaram para trás.

Todo ano, naquela época, a mesma coisa: mamografia, ultrassonografia, exames de sangue e urina. Fazemos os exames, sim, mas com a certeza de que nada vai aparecer para estragar a festa. Este ano, no entanto, foi um pouco diferente...

Na hora da ultrassonografia, uma imagem estranha. A médica pergunta:

- “Você tem ou teve endometriose?”.

Frio na barriga... 

– “Não, por quê?”

- “Nada de mais, mas apareceu uma imagem no ovário direito, que poderia ser um cisto hemático, ou algo parecido”.

Algo parecido? O que poderia ser algo parecido? Tumor? Câncer?

Resumindo a ópera: correndo fazer uma Ressonância Nuclear Magnética, que só o nome já dá calafrios. A maldita RNM confirmou imagem, não só no ovário direito, como também no esquerdo, e mais um cálculo renal à esquerda e pedras na vesícula! Raios! De onde veio isso tudo, se nunca sentira nada? Mentira! Sentira, sim, mas não dera valor. Achava que era algo sem importância e resolveu de forma caseira, mesmo, aliada à coragem de suportar umas dores na boa.

Enfim, os ovários deram mais medo do que qualquer pedra idiota. E faz exame daqui, faz exame dali, dezenas de marcadores tumorais. Nada de maligno. Ufa!

As pedras passaram, então, a ter maior importância, pelo potencial de complicações que traziam embutidas. E como não se deve deixar para amanhã o que se pode fazer hoje, cirurgia marcada de imediato.

Aí entra uma fase engraçada, a da negação: - “Não é nada, gente, só uma pequena cirurgia por vídeo”...  No fundo, um medo peculiar, aquele de deixar os filhos sem amparo, sem caminho, sem futuro. Coisa de mãe. E o neto a caminho? Não seria melhor esperar para vê-lo, ao menos, uma vez? Gargalhadas no eco. Tolinha. A ideia era justamente operar logo para estar em forma para a chegada do neto, e assim será.

E assim foi.

Hospital, cheiro de hospital, cama de hospital, enfermeiros, nutricionistas, atendentes simpáticas, tudo um horror! A visão da anestesista parecia mais a visão do inferno. Seria minha algoz? (Ei, mulher, eu tenho asma, viu? E me dou mal com Tramal®, Juvenal!).

O médico entusiasta me prometia alta no mesmo dia. – “Isso não é nada. Uma cirurgiazinha ridícula” (é porque não é na barriga dele...). – “Só tem um porém: não pode ir para a sala de cirurgia sedada, tem de ir acordada”.

Está aí algo que não recomendo. Se você tem que operar, que tenha o mínimo de desconforto possível. E entrar na sala de cirurgia, como se fosse um abatedouro, não é a melhor situação de alento. Horrível ficar analisando cada azulejo, cada instrumento de tortura, cada tudo: fio, pano, metal, lâmpada, enquanto a equipe fala umas gracinhas sem noção. Melhor ir dormindo e assim permanecer, até estar na caminha junto à família de novo.

Mas não, sou médica, tinha que ser forte e também tinha que dar algo errado.

Não vou entrar em detalhes do desconforto de perceber a medicação anestésica começando a fazer efeito de maneira desagradável e agoniante, nem do despertar confuso e com o mesmo mal estar respiratório. Não houve erro, apenas engano no cálculo do tempo de ação do raio do opiáceo. Mas continuo recomendando que se vá sedada para a sala de cirurgia.

Voltei para o quarto muito sonolenta e mal pude observar as pedras enormes! Ficou para depois. Deixaram o frasco de tampa vermelha lá num canto. Só que os enfermeiros acabaram colocando lençois e toalhas em cima e, na hora de ir embora, não vimos o potinho, deixando as pedras no caminho.

Não tem problema, que fiquem por lá! As impressões que elas deixaram estão marcadas na pele, tatuadas como mais um capítulo.

Tudo é fugaz, nada tem tanta importância, quanto a que nós mesmos damos, de acordo com nossos valores.

No mais, é repouso e poesia, que o neto não tarda a chegar, e o colinho já vai estar pronto para recebê-lo, forte e aconchegante, com umas reticências engraçadas para ele brincar na barriga da vovó.

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Publicado por Lílian Maial em 17/05/2014 às 14h43
 
31/03/2014 20h42
ESTUPRO

ESTUPRO

29 de março de 2014 às 13:02

 

 

 

Essa pesquisa, divulgada dia 27 de março pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), apontou que 58,5% dos entrevistados concordaram totalmente ou parcialmente com a frase "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". É aterrador, um absurdo, que alguém normal acredite que o estuprador tem algum atenuante, que a vítima de uma violência brutal como o estupro – que deixa sequelas para o resto da vida - seja corresponsável pelo ato!

É como afirmar que o homem não consegue se controlar diante de uma mulher sensual, provocante ou com o corpo à mostra. Isso não existe! Quantos homens frequentam praias, clubes, saunas e não cometem estupro?É como se esses que concordaram com essa frase violenta (sim, porque a frase já é, em si, uma violência) estivessem sugerindo o uso do estupro como corretivo para que a mulher aprendesse a se comportar. Mas se comportar como, se são os homens que estimulam esse culto ao corpo? E se comportar por quê? Na opinião de quem? Sim, porque na opinião das mulheres certamente os homens não têm bom comportamento. Então vamos estuprar os homens que não se comportam como achamos que devem?

 

O estupro é humilhação, subserviência, domínio, demonstração de poder, haja vista o que ocorre nos presídios ao redor do mundo, e como são tratados nessas casas de detenção os estupradores.Ora raios! Temos mulheres em todos os níveis profissionais, em igualdade com os homens, caminhamos para a globalização em todos os sentidos, e nos deparamos com esse atraso, esse machismo doentio! Isso é inadmissível!

 

Para se ter uma ideia, segundo o Código Penal Brasileiro, em seu art. 213, estupro é:constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Com a Lei 12.015/2009, o art. 213 foi alterado, não traz mais a expressão "mulher" e, sim, "alguém", logo, o homem, em tese, também pode ser vítima de estupro.

 

O estupro é considerado um dos crimes mais pena de reclusão de 06 a 10 anos, aumentada para 8-12 anos, caso haja lesão corporal da vítima, ou se a vítima possuir entre 14 a 18 anos de idade, e para 12 a 30 anos, se a conduta resultar em morte.

 

Portanto, trata-se de violênciaE qualquer tipo de violência, contra qualquer pessoa, há que ser considerada torpe e reprimida a todo custo. Não cabe discussão quanto à roupa ou sensualidade da vítima. A violência é uma deturpação inadmissível, seja quem for a vítima.

 

Num momento em que se desfraldam bandeiras em defesa de violência contra animais, homossexuais, minorias, não se pode aceitar que o direito de uma pessoa seja cerceado por nenhum tipo de violência.

 

 

PRÊT-À-PORTER

®Lílian Maial

 

hoje me aprontei para ser notada

nada de brilhos

maquiagem

frases feitas

vesti-me de liberdade

e solidão

desabotoei o peito

abri o fecho éclair dos sonhos

arrematei minhas verdades

não percebi que você apenas alinhavava

ilusões

remendando a dor.

 

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Publicado por Lílian Maial em 31/03/2014 às 20h42
 
08/03/2014 11h14
DIA INTERNACIONAL DA MULHER

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

por Lílian Maial

 

O Dia Internacional da Mulher não foi criado especificamente para aplausos, charminho, ou vivas às mulheres por sua beleza, elegância e que tais. Claro que tudo isso é bem-vindo, porém, apenas como um gesto de gentileza, e tanto da parte de homens, quanto de mulheres.

Esse dia, na verdade, foi escolhido para lembrar a tortura e morte de dezenas de mulheres, trancafiadas numa fábrica e queimadas vivas, pela ousadia de fazerem greve, de exercerem um direito de cidadã, um direito humano. Um dia para mostrar a pequenez do ser humano, sua vulnerabilidade e  arrogância.

Hoje, mais de um século depois, pergunto-me se há algum orgulho de se dizer e se sentir humano. Não conheço outra espécie no mundo que maltrate seus iguais, que mate por diversão ou simples descaso, que invada o espaço do outro, destrua, tome e escravize. Não conheço outra espécie que subjugue o irmão, apenas por ele ser diferente.

Em todo o reino animal, macho e fêmea têm seus papéis bem definidos, de igual importância, um não conseguindo sobreviver, existir, procriar e perpetuar a espécie sem o outro. Não há disputa, não há subjugação, não há violência. É tudo natural.

A raça humana é dotada de raciocínio, inteligência, sensibilidade, capacidade de expressão artística, capacidade de desenvolvimento, mas o que se vê é uma eterna luta, disputa, necessidade de conquista, subjugação e poder. Um quer ter mais que o outro, não se contentando com a satisfação de suas necessidades básicas. Foram-se criando normas, regras sociais, leis e, por conseguinte, fiscais, fiscais dos fiscais e fiscais dos fiscais de fiscais. Com tudo isso, instituiu-se a corrupção, os desvios de caráter, dogmas e axiomas. E nós, embasbacados, embarcando nessa torrente de sandices, quando tudo o que queríamos era crescer, procriar e sintonizar com a natureza.

Não há muito que se comemorar, nessa data, uma vez que pouco mudou, de lá para cá, na essência do ser humano. Homens e mulheres ainda não acordaram para a realidade do que é viver. Muitos ainda se enganam com eternidade, justiça e sucesso. Outros se voltam para seu umbigo e tentam se proteger, passar despercebidos. Alguns simplesmente não se importam.

Então, resta a nós comemorar, sim, o Dia Internacional da Mulher e, com isso, manter a memória de tantas e tantos que já se sacrificaram pelo todo. Quantos ainda hoje morrem queimados, trancafiados no ego dos que se dizem humanos e se julgam acima do bem e do mal?

Tanto faz se você é macho ou fêmea, a espécie humana só subsiste por haver, em igual teor genético, homens e mulheres, de preferência com amor e respeito mútuo.  

Não vamos nos esquecer das mulheres de Nova Iorque, de 1857, as 130 tecelãs que não suportaram mais a desigualdade e injustiça. As porta-vozes de todos os seres humanos brutalizados pelos irmãos humanos.

Vamos, mulheres e homens, dizer não à violência, qualquer que seja a instância. Não vamos mais aceitar a submissão a desigualdades, a intimidação em virtude de sexo, crença ou opção de vida. Vamos aplaudir as mulheres, que se uniram para exigir um tratamento digno, e os homens, que os adotam.

Feliz Dia Internacional da Mulher a todos os homens e mulheres de bem!

 

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Publicado por Lílian Maial em 08/03/2014 às 11h14
 
18/12/2013 22h42
No que estou pensando, Sr Facebook?

O Facebook sempre me pergunta no que estou pensando.



Hoje diria que ando pensando que é preciso uma forte blindagem por conta das pequenas maldades que andam por aí, que ninguém percebe, mas que se pode sentir nas pequenas ironias, leves esquecimentos, alguma distração, algum desdém, talvez, até, alguma inveja, uma raiva contida pelo brilho e o sucesso alheios.



É preciso precaução com esses sentimentos e influências, com uma boa dose de autoconfiança, autoestima e a compreensão de que toda a raiva vem do recalque, da incompetência e do desejo de ser o que o objeto (o alvo) é.



A vida é um caminho cheio de belas paisagens, paraísos, promessas e recompensas, pessoas maravilhosas, experiências gratificantes e indescritíveis, mas também permeada de ciladas, falsos atalhos, intermediários que sugam, seja aparentando amizade, amor ou parasitando energia.



Portanto, como dizia Ibrahim Sued: - "olho vivo, que cavalo não desce escada"...



 



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Publicado por Lílian Maial em 18/12/2013 às 22h42
 
10/12/2013 18h32
LINHA DO TEMPO

LINHA DO TEMPO

®Lílian Maial

 

Eu brinco de poesia e finjo crescer a cada dia.

Brinco de filha e irmã, de atirar poemas pela janela e inventar que foi ela. Mamãe acreditava e a deixava sentada no colo, por duas horas, só para ela aprender a não dizer tercetos.

Brinco de mãe e faço versos de bife com ovo estrelado. É bonito isso: um céu de nuvens de clara, sol de gema e tudo na frigideira estrelando. E tempero com a lágrima que pinga da estrofe.

Às vezes vejo nuvens de marshmallow escrevendo seu nome no céu. Deve ser assim que os anjos costuram letras e fazem arte.

Não entendo nada de anjos, muito menos de matemática. Só sei calcular finais felizes e sonhar cidades inteiras de coisas boas, pessoas de bem com a vida, noites permeadas de luares e de mãos dadas.

Não sei nada de amor também. Não aprendi a cortar cordões, a soltar as mãos dadas, a esquecer de canções de ninar e nem de desarrumar as gavetas da saudade. Não me ensinaram o não amor.

Todo dia eu choro o que não foi, mas também me alegro com o que será. O que é sempre me agrada, mesmo que não. Então, sorrio para o grito da maritaca, que me entende o entardecer sem seus braços ao meu redor.

Vejo pessoas pela janela e sinto a estranha vontade de ir com elas para algum lugar. Será que chegariam a você? Todas compreendem a poesia nas trilhas das formigas? Todas sabem que eu sou inteira e intensa e que não consigo medir quereres?

Esse crepúsculo nublado me transporta para seus olhos fitando o horizonte, quando não conseguia decifrar seu destino. De súbito, o sorriso das pálpebras e um sol imenso, que me queimava de contentamento. Desceu até o mar e chiou no horizonte.

Minhas lembranças se misturam à fantasia em que prefiro imortalizar você me descobrindo aos poucos. É onde vivo a maior parte do tempo. Vez por outra, um verso me puxa para a realidade e ouço o telefone tocar. Não atendo. Não era você, mesmo.

Eu brinco de poesia e escrevo versos adultos, versos de estrada, de olhos marejados de despedida, versos de mim. Visto terno e gravata e me enfeito de rimas. Pego o ônibus e me aperto num estrambote.

Brinco de poesia e me vejo multiplicada, pele, sangue, células. Vejo a finitude e a imortalidade num só gole. Um abraço de corpo inteiro, o cheiro emanando dos poros, o calor da vida, felicidade. É verdade: cresci poesia!

 

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Publicado por Lílian Maial em 10/12/2013 às 18h32



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