Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
01/08/2009 14h17
OS DESEJOS E OS ENSEJOS
OS DESEJOS E OS ENSEJOS
Lílian Maial
 

As pessoas passaram a viver o momento, o presente, sem muita consideração sobre a repercussão de seus atos. Não fora a violência, as guerras, o império das drogas, o consumismo exagerado, o sexo comercializado, poder-se-ia pensar que estamos em plena Era Hedonista.
No entanto, a pressão é tanta, a revolta é tamanha, as perspectivas futuras são tão obnubiladas, que a busca frenética pela felicidade torna o Homem uma máquina de gozo.
A mídia exacerba o prazer, quase como uma forma de vingança pela vida que se leva. O marketing é todo voltado para a aquisição de bens de consumo, baseado em figuras risonhas, felizes, jovens e magras. Então, tem-se a falsa impressão de que tudo o que é bom é jovem, magro e relacionado a sexo.

Nossas crianças crescem sabendo mais sobre doenças transmissíveis, drogas, violência, comandos, falanges, armas de fogo e “espertezas” do que nós, da geração dos que têm 40 anos ou mais. Eles abrem o jogo na maior naturalidade. Não sei ainda se são mais francos, ou têm menos educação, se são mais precoces, ou tiveram a infância amputada, se são mais felizes...
Quando nós éramos os filhos, e nossos pais se preocupavam com o que era perigoso e “inadequado” para nós, na época deles, reagíamos com desdém, revolta, agressividade, ironia, querendo defender nosso direito de “sermos diferentes”, de termos a cabeça mais aberta.
Hoje, guardadas as devidas proporções, estamos vivenciando as mesmas dificuldades com nossos filhos, sendo que os “perigos” mudaram.
No nosso tempo, os rapazes tinham medo de pegar doenças como sífilis e gonorréia, facilmente tratáveis com antibióticos, sem maiores seqüelas, na maioria das vezes. As moças, medo de ficarem expostas e faladas, se manifestassem plenamente sua natural sexualidade (que era reprimida socialmente, pois meninas “de família” não deviam ter “desejos”, que era coisa de “mulheres da vida”, pois que homem tem desejos, porque isso é do organismo deles...). Ah, quanta falsidade... Falso-moralismo, beatice hipócrita! Mas, no fundo, éramos felizes e não sabíamos...

Atualmente, nossos adolescentes (tanto meninos, como meninas) temem a SIDA (AIDS), as drogas, as balas perdidas, o desamor, a falta de objetivo na vida. E esse último, parece ser o pior e mais nefasto de todos os males.
Desnecessário apontar as falhas, a origem dos erros. Todos sabem que a falta de uma boa estrutura familiar leva à maior de todas as mágoas. Não falo de estrutura financeira, mas de união, de cumplicidade, de demonstração nua e crua de amor.
Às vezes penso que é tudo muito contraditório: uma geração que convive com o amor carnal diariamente de maneira livre e fácil, tem uma dificuldade absurda de encontrar o amor sentimento e o companheirismo entre homem e mulher. Há uma barreira, uma fuga do compromisso, da entrega, da troca de afagos, palavras bonitas e verdadeiras, sentimentos puros. Tudo gira em torno do aqui e agora. Não há mais “felizes para sempre”.
Tudo bem que, citando Renato Russo, o “pra sempre” sempre acaba, mas por que não tentar?
As pessoas desistiram de tentar. Não querem mais esperar, trabalhar um sentimento. Deixam-se levar pelo imediatismo, a facilidade, o que está à mão. Sexo, como forma de manifestação de apreço. Sexo, como forma de poder. Sexo, como forma de satisfação total. E é falso, porque o sexo só satisfaz a fome de gozo, mas não dá gozo à alma, não completa o espírito, não fortalece os laços, não alimenta o coração.
Sexo é bom, é ótimo, é divino! Porém, não é tudo.

O ser humano não é descartável. Não somos “tetrapak”. Não somos “pra viagem”, muito menos “fast food”. Somos “para sempre”, “até que a morte nos separe”, “pro que der e vier”.
Nós, dessa geração, tivemos isso, vimos nossos pais terem isso. Mas, e nossos filhos? Que moda é essa, que mundo é esse, que prega o prazer, o narcisismo, o egoísmo, o sedentarismo, ao mesmo tempo em que instiga o exercício, o uso de “bombas” para um corpo “perfeito”, o consumo desenfreado, o “ficar” que sempre “deixa”, o endividamento por supérfluos, a perda dos valores, da moral, do patriotismo, do caráter.
O jeito “Gérson” de “levar vantagem em tudo” tinha um gostinho diferente naquele tempo, e isso não é saudosismo inútil, não faz tanto tempo assim! Hoje, levar vantagem é prejudicar o outro, para obter ganhos. É o jovem fingir que dorme, para não ceder lugar a um idoso, ou a uma pessoa deficiente. É burlar as leis, “porque ninguém obedece mesmo, e nada acontece”. É sonegar, é prevaricar, é cometer qualquer tipo de ilicitude. Isso não é levar vantagem, isso é roubar, é ser rude, grosseiro, mau caráter!
E parece que virou moda. Claro! O jovem cresce ouvindo, lendo e vendo isso, se espelha nos amigos, na família... Mas, que família? Se o pai, quando ainda está com a mãe, nunca participa de nada dos filhos, pois chega exausto, com fome, com sono, estressado com as dívidas, com as queixas, com os medos, com as insatisfações pessoais. Se a mãe, hoje com tripla jornada, deixa a responsabilidade da casa e da criação dos filhos dividida com o cônjuge, mas acaba tendo de assumir tudo sozinha, pois o homem da casa é um guerreiro cansado (como se ela não se cansasse trabalhando fora, e ainda dentro, e ainda se cuidando e cuidando da casa e da família). E quem vai criar essas crianças? Quem vai passar-lhes o carinho necessário e fundamental para a formação de caráter e segurança? Quem vai corrigir os erros, afastar os medos, acalmar as dores, entornar afeto, demonstrar altruísmo, ofertar perdão?

E é exatamente isso que eles aprendem a não pedir, a não trazer, a não demonstrar. Crescem assim: secos, frios, carentes, irônicos, auto-suficientes-coisa-nenhuma. E nós fingimos que trabalhamos para que “nunca falte nada a eles” ou para que “eles tenham o que nunca pudemos ter”. Ah! Se os pais soubessem que tudo o que eles queriam era brincar de tubarão com o pai na praia, ir no trabalho da mãe e brincar com seus instrumentos de trabalho, ter o pai como companheiro do futebol e a mãe nas festinhas da escola... Se eles soubessem que nada, nada substitui o olhar de ternura e de orgulho numa vitória, ou o olhar de cumplicidade e compreensão numa derrota. E mais, a presença, o apoio, a torcida.
Quem sabe, se tivéssemos mais tempo para dedicar a eles e a nós mesmos, não seríamos mais humanos, não teríamos mais orgulho do que fazemos, além da certeza dos caminhos, mais tolerância com os erros alheios, mais gratidão pelo que recebemos?
Nossos valores estão lentamente sendo modificados, de maneira subliminar, sem percebermos. A família está se afastando, se separando, deixando de existir. E quem mais sofre? Nós, por vermos nossos planos e sonhos caindo por terra, os filhos, por não terem mais o apoio e a presença do amor em carne e osso, a sociedade, por não ter mais freio para a infelicidade, a mágoa e, por conseguinte, a revolta e a violência.

 
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Publicado por Lílian Maial em 01/08/2009 às 14h17



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