Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
20/06/2009 14h59
O VERDADEIRO SENTIDO DAS COISAS
O VERDADEIRO SENTIDO DAS COISAS
®Lílian Maial
 
 
Como já bem disse Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa – meu poeta favorito:
-“ O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.”
 
Pois bem, eu digo que o sentido íntimo das coisas não importa. De que adianta pensar em sentidos íntimos, se o que interessa, hoje em dia, é a casca? De que vale uma alma suave e pura, se é a conta bancária, a patente no trabalho ou a aparência da última moda, cuspindo filosofia barata que, no íntimo, é o que comanda?

Não! Nada de gastar a mente com pensamentos que não levam a lugar nenhum! Viver há de ser sempre o agora e com a intensidade do nunca. Ninguém pode fazer ideia do que teria sido, se fosse diferente, e muito menos o que será, caso haja alguma mudança no que se pretende agora. Por essas e outras é que não creio em promessas definitivas ao longo do tempo. Elas costumam ficar no passado, quando já estamos no futuro.

Quando um filho pequeno olha para sua mãe e diz que nunca a abandonará, que ela sempre será sua eterna companheira, amiga e primeiro lugar no mundo, ele acredita piamente que cumprirá esse desígnio. Contudo, a vida é um eterno movimento engatilhado em outros, que geram novas circunstâncias, agora já sem nosso controle único. Assim, aquela criança crescerá e se tornará um adulto com outros objetivos, e, um dia, poderá vir a abandonar aquela sua mãe endeusada numa instituição, por “não haver outro jeito”.

Quando um casal se olha, no altar, e jura seu amor eterno, sua fidelidade e proteção, ele, naquele instante, tem a certeza de que assim será. No entanto, a rotina, os compromissos, os afazeres e a falta de sincronia nos tempos de cada um, acaba por trazer os desencontros, e outras personagens surgem nos momentos de fragilidade, e aquele amor, que parecia inatingível, sofre o golpe da tentação, da mentira, da falsidade, da traição.

Penso que não se deva perder tanto tempo na busca do sentido íntimo das coisas, do outro lado da moeda, do avesso do avesso do avesso do avesso, negligenciando o cuidado com a realidade. É necessário que se busque manter o que se tem e aceitá-lo como é, vivendo o que tem de melhor e o que realmente nos atraiu. Se o chocolate me agrada e sempre me garantiu o que preciso, por que deveria me preocupar em procurar pelo cacau? Para comprovar que o cacau é amargo e que bom mesmo era o meu velho chocolate? Com isso, perdemos a oportunidade de degustar o chocolate com maior prazer.

O ser humano é chegado a uma tentação, em todos os sentidos, uma inquietação. Não sei se é devido a séculos de frustração e castração, se devido à divisão social com limitações aos prazeres, ou se da natureza humana, por si.

Depois de muito enveredar pelos caminhos da busca interior, do sentido da vida, do “de onde vim e pra onde vou”, percebo que não importa. Nada disso importa. Nunca haverá respostas, porque as perguntas estão erradas. Não há o que descobrir, o que procurar, o que desvendar.  É preciso aprender a aceitar que a vida é uma fração de tempo finito, e que não temos o menor poder sobre ele – Chronos - não importa o quanto a ciência avance. Mais cedo ou mais tarde, Chronos nos devorará.  Só nos resta, enquanto isso não ocorre, entender que o sentido das coisas é sempre aquele a que nos propomos. E isso é o que faz de nós pessoas completas.

Como Sífiso, que, castigado pelos deuses por ter-se rebelado e fugido do inferno, foi condenado a empurrar uma enorme pedra até o cume da montanha, para vê-la rolar pela força da gravidade, e repetir a tarefa pela eternidade, nós também amamos a vida e a consciência e, por mais que a nossa existência nos pareça absurda, não desistimos da árdua tarefa de levá-la ao cume, a cada novo dia. E, no dia em que a vida não "rolar" pela montanha, já estaremos sem sonhos e sem esperança.


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Publicado por Lílian Maial em 20/06/2009 às 14h59



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