Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
09/06/2009 18h41
NEM TUDO FAZ SENTIDO
 
Nem tudo faz sentido
®Lílian Maial


Se você, hoje, abrir o jornal, vai encontrar somente notícias que vendem. E o que mais vende, senão a dor? O ser humano “precisa” se alimentar da dor, como se a dor alheia o impedisse de pensar o quão sem sentido é toda a sua própria existência.
Na primeira página,somos informados de que aFAB resgatou 28 vítimas do voo 447, da Air France, e que os corpos chegaram a Fernando de Noronha. Segue-se a isso imagens de uma fileira de parentes e amigos desesperados, declarações oportunistas de quem nada tem a ver com a história, palpites, conjeturas, adivinhações, especulações as mais variadas, numa demonstração de total inépcia, falta de respeito pelas vítimas e o significado de suas vidas.
Logo ao lado, que a explosão de uma bomba, em um hotel de luxo, matou 7 pessoas no Paquistão, e deixou 34 feridos, vários estrangeiros. Esta observação final apontando para uma tragédia maior ainda, que é a do embutido preconceito.
Nas páginas referentes ao Brasil, ficamos sabendo (apenas sabendo, porque ninguém se mexe, mesmo) que a polícia usou bombas de efeito moral para afastar manifestantes na USP; que o PIB recua 0,8% e o Brasil registra a primeira recessão desde 2003; que a polícia prende homem que ensinou sobrinha a assaltar, em Santa Catarina, que a CPI da Petrobrás deve ser adiada de novo, que uma megaoperação contra milícias prende 34 no Rio; e mais gripe suína, e dengue, chuvas, desabrigados, fome, miséria, morte.
Vivemos lado a lado com a morte. Amanhecer significa enfrentar uma roleta russa o dia inteiro, sem se poder ter a certeza do anoitecer. A vida virou um eterno “driblar” a morte.
Já dizia o poetinha Vinicius de Moraes:
- “São demais os perigos dessa vida...”.
Só não estou bem certa se ele se referia a tantos perigos, tão menos poéticos que a paixão. Aliás, a paixão, também ela, faz suas vítimas, não só das flechas de cupido, como de espancamentos, agressões verbais, morais e verdadeiros atentados. Quem ama não mata, né? E quem, de verdade, ama? Quem se importa tanto assim com o outro? Somos animais, instintivos e absolutamente pretensiosos, pois bradamos nossa inteligência aos quatro cantos do mundo, e não somos capazes de um ato dos mais simples, que todo animal “irracional” nasce sabendo, que é a proteção de sua espécie, a preservação do ambiente e o respeito pela função de cada elemento do reino animal.
Estamos, ao contrário, inteligentemente, destruindo as florestas, acabando com a água, o oxigênio, a camada de ozônio, a razão, o amor, a família. Somos depredadores anárquicos, sob o manto e a máscara de inteligentes, espertos, filósofos, pensadores, arrojados e superiores. Bobagem! Gastamos anos da vida nos privando do que nos dá prazer, sacrificando a convivência com os entes queridos, desprezando os sentimentos mais puros, apenas para nos qualificarmos para um futuro que não chega, e aí, de repente, nos damos conta que ele passou, e que tudo o que queríamos era o que tínhamos e descartamos. Isso é maturidade? Não. Isso é constatação da burrice e da imperfeição do ser humano.
A corrida às bancas e à telinha para o consumo de detalhes sangrentos das vítimas de qualquer desastre, catástrofe ou golpe serve muito bem para mudar o foco da nossa angústia, para suavizar a insígnia da nossa própria mesquinhez.
 
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Publicado por Lílian Maial em 09/06/2009 às 18h41



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