Lílian Maial

Basta existir para ser completo - Fernando Pessoa

Meu Diário
06/03/2009 18h42
Aborto é mais grave do que estupro?
®Lílian Maial


 
Às vésperas da comemoração do Dia Internacional da Mulher, abro o jornal e leio a notícia absurda (no mínimo, hilária) da excomunhão da mãe e da equipe médica que cuidou da interrupção da gravidez de uma menina de apenas nove anos de idade, estuprada pelo padastro inúmeras vezes, grávida de gêmeos, com apenas 1,33m de altura e baixo peso, ou seja, uma criança grávida, apresentando risco de vida.
Pior que a excomunhão – que só assusta beatos e mentes obtusas – foi a declaração, essa sim, digna de excomunhão, de que o aborto seria pior que o estupro. Não me contive! Não acreditei no que estava lendo! Um dos atos mais bárbaros, baixos, cruéis, humilhantes, torpes, hediondos, criminosos, arriscados e um sem número de outros nomes menos soletráveis, ato esse combatido veementemente pela sociedade, a lei e até entre criminosos praticantes de outros delitos, sendo incentivado pela Igreja! E mais, com o apoio do Papa! É o fim da picada! É o absurdo dos absurdos! Além de não considerar a vida da criança – já molestada e afetada psicológica e fisicamente de tudo quanto é maneira – a Igraja ainda, por tabela, incentiva essa prática nefasta, uma vez que seu representante – um arcebispo – declara em alto e bom som que o estupro não tem a mesma gravidade de um aborto, mesmo os liberados pela lei!
Ora, para a população de uma área onde a impunidade impera, onde o machismo domina, onde são considerados verdadeiros ícones os animais que praticam esse tipo de delito (como uma série de outros atentados violentos contra a mulher), tal declaração do arcebispo caiu como uma luva, um consentimento - agora de Deus (afinal, ele é um de seus representantes aqui na Terra) - para que os homens possam não só arbitrar sobre o corpo da mulher, mas ter permissão divina de praticar qualquer ato que julgue aprazível, já que nem Deus condena.
É inacreditável!!!
Por outro lado, a equipe médica, que habilmente percebeu o grande risco de morte da menina, por sua tenra idade, seu parco desenvolvimento físico e pela gestação gemelar ainda por cima, agiu com consciência humana e profissional, na nobre (e muito pouco compreendida) missão de salvar vidas. E vidas que já existem, que já têm história, que já nasceram e possuem uma identidade, cidadãos com noção completa da realidade.
Penso que é intensamente curioso o raciocínio da Igreja e dos contrários à descriminalização do aborto, que ostentam que defendem vidas indefesas, mas não titubeiam em condenar uma menina de nove anos, já tão sofrida desde os seis, ou de atirar menores carentes e abandonados, filhos daquelas que eles não permitiram o aborto, num mar de lama, violência, marginalidade e falta absoluta de oportunidades.
 
Que retrocesso para as mulheres!
Transitoriamente cheguei a perder até a vontade de comemorar o Dia Internacional da Mulher. O que temos a festejar, diante desses absurdos?
Mas aí vem a certeza de que só alardeando a luta das mulheres pelo respeito, o direito de igualdade e, mais ainda, uma certa proteção, por sua fragilidade física, diante da força do homem, é que poderemos galgar os degraus que levarão as futuras gerações a ter seus direitos respeitados, assim como nós, mulheres de hoje, temos muito mais participação social do que há um ou dois séculos, não fossem os grupos de mulheres corajosas e batalhadoras por um mundo melhor e igualitário.
Eu condenaria, destituiria e excomungaria esse arcebispo, pela prática da insuflação popular de crime previsto em lei.
Quanto ao padrasto animal, certamente o aguarda a prisão numa cela cheia de machões que vão adorar recebê-lo como novato...
 
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Publicado por Lílian Maial em 06/03/2009 às 18h42



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